Quando ainda se recuperava de um tratamento de saúde, motivações de vida nova vinham à cabeça de Gabriela Lima: “Se eu me recuperar legal vou viajar, vou fazer isso, aquilo, sambar bem mais …” – uma de suas paixões, inspirada em Maria Eugênia, sua mãe. “O samba cresceu em mim por incentivo de minha mãe. No Carnaval, eu observava que tinha ritmo e aquilo foi ficando…”
Com a saúde recuperada, Gabi sambou mesmo. E essa sambista que se criou com as batidas da bateria da Escola de Samba Nenê da Vila Matilde, acabou vindo exibir o seu talento na quadra da mais carioca das agremiações brasilienses, a Associação Recreativa Unidos do Cruzeiro (ARUC). Aqui, começou a construir a sua trajetória carnavalesca, que deverá ter batismo de fato no primeiro desfile que fará na Escola neste 2023, depois de oito anos sem Carnaval em Brasília.
Essa não é a primeira vez de Gabi em Brasília. Ela morou aqui em 2005, mas por apenas um ano. Voltou em 2013 e, então, começou a construir, pelo trabalho e pelo samba, uma relação mais próxima com a Capital da República.
Engenheira formada na Universidade de São Paulo (USP), Gabi foi aprovada num concurso que a trouxe para trabalhar em Brasília, onde manteve as suas rotinas musicais. Inicialmente, frequentando a Escola de Samba Unidos do Jardim Botânico. Também sambou em uma roda de samba no clube Cota Mil, onde Hélio a conheceu e decidiu convidá-la para conhecer a Aruc. “Foi em 2019. Fui como passista, e quando a bateria começou a tocar, me arrepiei. Ao final, veio o convite para ser a rainha de bateria”.
A chegada na Aruc, Gabi lembra ainda hoje. “Hélio se reuniu com as passistas na Sala de Troféus. Ali, ele contou histórias do Carnaval de Brasília e da Aruc. Vi fotos, em preto e branco, inclusive, com imagens da criação de Brasília. Tudo foi me encantando e senti logo aquele amor e vontade de fazer parte da história desse Clube. Observei um vínculo muito grande com o Rio de Janeiro e conheci a história dessa Escola, que tem o maior número de títulos no Carnaval de Brasília”.
Essa identificação imediata de Gabi com a Aruc mereceu uma observação de um ex-presidente da Aruc, Hélio Tremendani: “O Cruzeiro é um bairro tradicional onde todos se conhecem. E Gabi, por ser uma pessoa simpática e bonita, que interage com muita facilidade, atraiu logo a atenção de adultos, crianças, idosos. E, assim, foi ocupando o seu espaço em pouco tempo. O pessoal da Velha Guarda, inclusive, tem muita simpatia por ela”.
A integração dessa esbelta paulista com a tradicional Escola do Cruzeiro não ocorreu apenas ao som da bateria. Graças à sua formação em Engenharia de Segurança do Trabalho e mestrado em Administração Pública pela Fundação Getúlio Vargas, ela integrará o grupo que vai elaborar o planejamento estratégico da Aruc. Com a escritura definitiva do terreno em nome da Associação, é possível planejar o melhor aproveitamento da área, inclusive no que diz respeito às parcerias com investidores, que estão no calendário do clube.
Apesar de seu pouco tempo na agremiação, Gabi já se comportou como embaixadora da Aruc. Em uma viagem ao Rio de Janeiro, ela foi à coroação de Mayara Lima, rainha da bateria da Paraíso do Tuiuti. “Encontrei personalidades do samba, tirei fotos”, diz, orgulhosa. “Também fui à escolha do samba-enredo da Mangueira, onde fui convidada para ficar no camarote do presidente da entidade. O mesmo ocorreu quando visitei a Portela, onde vivi momentos inesquecíveis e pude ver o quanto a Aruc é querida por todos”.
Mesmo com essa proximidade, Gabi não pensa em desfilar numa das grandes agremiações cariocas. “Se não for para estar à frente da bateria…” E explica: “Não procurei essa parceria. Foi o Carnaval quem me procurou. Se fosse para desfilar no Rio seria como musa, mas isso, numa escola grande, exige muito investimento. Em seguida, Gabi volta-se à realidade que vive com prazer revelador: “O meu negócio é viver o samba e a bateria da Aruc. Isso me satisfaz”, confessa. E inspirada, revela, pelas composições e interpretações de Paulinho da Viola, de Alcione ou do grupo Fundo de Quintal. Opções de sambista raiz, está claro.
Sobre o autor
José Cruz
Em Brasília desde 1980, entrou para a reportagem esportiva em 1986. Cobriu os Jogos Olímpicos de Seul (1988) e Sidney (2000). Durante seis anos, manteve um blog no UOL, onde revelou esquemas de corrupção com verbas públicas no esporte. Em 2016 integrou a equipe da CPI do Futebol, no Senado, presidida pelo senador Romário.