12 de setembro de 2024

“Geração Dom Bosco”, uma ideia iluminada

Por Hélio Tremendani e José Cruz

Em quatro entrevistas sobre a “Geração Dom Bosco” procuramos mostrar o perfil dos profissionais de Educação Física formados nessa tradicional faculdade de Brasília, contribuindo para a evolução do esporte, em todos os seus segmentos.

Desta vez, a conversa é com o autor da ideia para criar tal faculdade, o professor Mileno Antônio Tonissi (foto), paulista de São Carlos. Numa conversa bem sucedida, surgiu a Faculdade Dom Bosco de Educação Física, até hoje uma das referências no ensino superior de Brasília.

Professor Mileno, referência histórica no ensino da Educação Física em Brasília e no Brasil (Foto: José Cruz)

O princípio

No princípio, era a imensidão do cerrado que começava a ser desbravado, cedendo espaço ao concreto da moderna capitão.

O silêncio e a falta de opções noturnas para a população que se formava contrastavam com o movimento e o barulho das obras, de dia, da cidade em construção.

Foi esse ambiente que Mileno encontrou, quando aqui chegou, em 1960, contratado pela Comissão Administrativa do Sistema Educacional de Brasília – CASEB.

Concursado, com outros tantos educadores de vários segmentos da educação, Mileno, profissional da Educação Física, integrava o grupo pioneiro para a elaboração do ensino oficial de Brasília.

“Vieram professores de várias cidades, cada um para atuar na sua área. O ensino era coisa muito séria, principalmente a Educação Física, que na época ainda se chamava de ginástica”

 Opções

Naqueles primeiros anos, a Universidade de Brasília já funcionava, mas somente com aulas diurnas.

Em decorrência, havia uma população interessada em cursos, mas sem opção, pois não havia ofertas da UnB para aulas noturnas. Foi então que Mileno teve a ideia de “resolver” o problema de sua área, a Educação Física.

“Havia muita gente interessada no curso de Educação Física e fui conversar com o do professor Sidney de Castro, também profissional da área, que trabalhava na Secretaria de Educação Física e Desporto do Ministério da Educação. Em seguida, com boa argumentação, fui à direção da Faculdade Dom Bosco”, conta Mileno.

Não foi difícil convencer os padres Salesianos, que dirigem a entidade, sobre a proposta de criação de novo curso. Havia facilidades para isso, pois a escola já contava com estrutura mínima para os seus alunos, como ginásio de esportes, piscina, campo de futebol, espaços valiosos que ficavam ociosos à noite.

“Foi assim, com muito idealismo, que em 1976 foi criada da Faculdade Dom Bosco de Educação Física, da qual me orgulho de ter sido o fundador e o seu primeiro diretor”, conta Mileno, perto de completar 89 anos.

Para esse trabalho, Mileno aplicou, também, a experiência que trouxe de São Paulo, onde foi atleta de natação e futebol de salão – hoje futsal – nos primórdios dessa modalidade.

“A Geração Dom Bosco” era formada por estudantes entusiasmados, dedicados, que trabalhavam e pensavam para, também, superar as dificuldades, em geral, e as do ensino, em particular”

Cursos

Mileno aproveitava as férias escolares para realizar cursos de reforço. Para isso trazia professores e profissionais da educação física de outros estados e até da Europa, que apresentavam as novidades do segmento. “Eram verdadeiros cursos de atualização”, conta ele. “E foi assim que formamos alunos, árbitros, gestores e identificamos muitos atletas”.

Diferença

Ex-alunos da Faculdade Dom Bosco já entrevistados neste espaço, são unânimes em afirmar que a em suas formações para os dias atuais foi terem aprendido a discutir os assuntos do segmento da educação física.

Para isso, contribuiu a qualidade do corpo docente, boa parte profissionais que atuavam na Secretaria de Educação Física e Desportos – SEED-MEC. Esse órgão era, à época, o formulador de políticas públicas do esporte em geral e financiador de projetos em órgãos educacionais, principalmente.

“A equipe que trabalhava na SEED tinha uma visão de longo prazo. E havia planejamento para isso”, lembra Mileno. E isso se transferia para os alunos da Dom Bosco, onde a maioria dos professores era desse órgão.

Professor Mário Cantarino, o “Mestre” da Educação Física e do esporte em Brasília e no Brasil

Na lembrança, Mileno citou alguns “mestres” da época em que dirigiu a Dom Bosco: João de Oliveira, Rhutenio Aguiar, Marco Antônio de Moraes, que foi o primeiro professor de vôlei em Brasília, Hélio Medeiros, Mário Cantarino, do atletismo, Kleber Soares do Amaral “e tantos outros”…

“Os professores aceitavam com prazer dar aulas na Dom Bosco. Além de ser um ganho a mais, preenchiam o tempo vago, à noite, pois ainda não havia alternativas em Brasília. Eram reuniões que tínhamos com bons debates e tudo era feito com muita vibração”

 Com Zico

Devido sua qualificação no setor, Mileno foi convidado para assessorar o então Secretário Nacional de Esporte, o ex-craque Zico. Foi durante a presidência de Fernando Collor de Mello, nos anos de 1990 e 1991.

O projeto mais importante aprovado pelo Secretário ficou conhecido por “Lei Zico”, que modificou a estrutura do futebol brasileiro, reduzindo o poder dos cartolas em relação aos jogadores.

Nessa época a Secretaria tinha como órgão mediador o Conselho Nacional do Esporte, CND, cujo presidente à época era Manoel José Gomes Tubino (1939 – 2008), expoente internacional do segmento. “Tubino era um brigador, um lutador pelas boas causas da educação física e do esporte”, lembra Mileno.

Mileno assessorou o craque Zico, quando Secretário Nacional do Esporte, 1990 e 1991

Cargos

Por sua experiência, Mileno era muito solicitado e, assim, lecionou e se tornou coordenador da primeira Escola Parque de Brasília, a da 308 Sul, ainda hoje em funcionamento.

Mileno já estava integrado à rotina de Brasília e foi assim que se tornou Comodoro do Cota Mil, clube social de perfil náutico criado em novembro de 1959, quatro meses antes da inauguração da nova capital. “Na minha gestão foi construído aquele salão de festas, ainda lá, até hoje”, orgulha-se Mileno.

 Peladeiro

É no Cota Mil que, ainda hoje, Mileno se reúne com os peladeiros do “Gerovital”, tradicional grupo de peladeiros di futebol, perto de completar 60 anos de atividades.

Na farmácia, Gerovital é um suplemento de vitaminas para idosos, justamente o tipo de “craque” que ainda joga futebol. E, para evitar as contusões próprias da idade, o grupo criou regras que são obedecidas à risca. Por exemplo, se um jogador precisa sair de campo devido uma entrada desleal ou mais dura, o jogador faltoso também fica fora do jogo pelo mesmo tempo que o agredido.

Mais: quatro faltas coletivas se transformam em cobrança direta na altura da meia-lua, sem direito à barreira; o jogador que perde a cobrança de um pênalti paga meia dúzia de cerveja no final do jogo. E por aí vai. A história do “Gerovital” será assunto exclusivo, oportunamente, neste espaço.

“O futebol é a minha recreação, sempre joguei e, além disso, faço academia três vezes por semana”, revela o exemplar atleta.

Palmeirense, Mileno tem o hábito de acompanhar jogos pela televisão, elegendo as Olimpíadas como “o coroamento da prática esportiva”.

 Pintura

Viúvo de Leila Felipelli, com a qual teve três filhas, Milena, Melina e Mirela, o Professor Mileno ocupa o tempo se mantendo em atividade. Com boa disposição, ele incluiu entre as suas rotinas uma sobre a qual nada conhecida: a pintura.

Hélio Tremendani, conheceu as obras de arte do também pintor Mileno

A partir de modelos impressos ele exercita essa arte escolhendo cores e estilos, que variam do clássico, passando pelo impressionismo, o cubismo, paisagens e por aí vai.

As telas emolduram o espaço externo da sua casa, como se fosse um ateliê de exposição permanente, onde as cores vivas se destacam e ajudam a compor o ambiente também rodeado de flores.

A arte colorida do Professor Mileno, em variados estilos

“Depois que a gente se aposenta, é um drama. Trabalhei de manhã, de tarde e à noite. Agora, tenho tempo vago e preciso achar o que fazer. Foi assim que a pintura entrou na minha rotina e posso dizer que essa atividade está muito boa”

 

“artista” Mileno