12 de setembro de 2024

ANA PAULA, ATLETA SUPERCAMPEÃ

Ana Paula Conforte não fala com vaidade quando conta sobre os seus feitos no esporte. Orgulho de suas conquistas, sim, isso ela tem. Mas silencia quando a elogiam e comentam sobre a sua trajetória e o amor pela prática esportiva, em geral, e o handebol, em particular. Ana Paula tem discurso bem articulado, próprio da advocacia, profissão que ela exerce há bom tempo. Mas deixa dúvidas sobre os seus 50 anos. Essa idade também se revela pelas lembranças de tempos vividos e exemplos deixados por seu avô, o carioca Camerino Raul Conforte.  “Ana, campeã sul-americana de handebol, foi considerada uma das melhores jogadoras masters do Brasil e da América”, resumiu Hélio Tremandani, da ARUC, que conhece muito bem a trajetória dela.

Camerino Raul, então funcionário da Câmara dos Deputados, aqui chegou em 1961, um ano depois da fundação da nova Capital da República. Fora dos gabinetes parlamentares ele mostrou o seu talento servindo ao esporte. Os que com ele conviveram afirmam, ainda hoje, que as origens do esporte nesta capital passam pelo trabalho por ele realizado, principalmente na gestão esportiva. Integrando a diretoria da Ascade, Associação dos Servidores da Câmara dos Deputados, Camerino se destacou na modalidade “futebol de salão”, o futsal, como hoje é conhecido, e, também, pelo jogo de sinuca, que ele praticava com prazer. É desse legado que Ana Paula orgulha-se muito.

Mas, foi a ARUC, entidade comunitária que tem o carnaval, a música em geral e o esporte como carros-chefes, quem abriu as portas para Ana Paula no final dos anos 1980, onde ela se consagrou como craque do handebol.

“A ARUC foi o meu primeiro clube – único, até hoje – e nele cheguei incentivada por meu avô e a convite do técnico Abelardo Lopes Monteiro Filho. O preparador físico era o Paulão, da capoeira (Paulo Sérgio da Silva). Cheguei bem nova, menina ainda. Saí da categoria Escolar, onde me tornei campeã brasileira (1990) e fui para um time federado. “Esse time da ARUC que Ana Paula joga foi decampeão brasileiro sem perder uma única partida entre 1990 e 2000”, reforçou Hélio Tremendami.

O tempo andou rápido, mas Ana Paula manteve-se no esporte mesmo quando cursou a faculdade de Direito. Depois, ela conquistou o seu espaço no Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, onde trabalha há mais de 25 anos. Mesmo com o seu avanço profissional Ana Paula não mudou a rotina, nem quando se tornou mamãe de João Marcelo, 27 anos, também atleta de handebol, e José Felipe Conforte, 13. Ao contrário, na pós-carreira, para manter a forma como atleta master, ela começou a praticar crossfit, atividade que visa desenvolver altos níveis de condicionamento físico através de exercícios variados e de elevada intensidade. Hoje ela representa o box CF RESISTENCE , sob coordenação do professor Léo Nunes.

“No Crossfit também coleciono alguns títulos. Já fui três vezes terceiro lugar no Wodland, que é uma das maiores competições de crossfit aqui em Brasília, em 2017, 2018 e 2019. Em 2020, fui Top 5 e em 2022, Top 7, no maior campeonato de Crossfit do Brasil, que é o TCB, Torneio Brasil Crossfit, na categoria master acima de 50 anos. Esse ano irei participar novamente.”

 “Ser atleta máster e continuar competindo em alta performance é um grande desafio. Competir em duas modalidades tão diferentes em alta nível, como o handebol e o Crossfit, é ainda mais desafiador. Faço isso pelo amor que tenho ao esporte, para mim é como se fosse um resgate pessoal de valor imenso. Quando a gente chega aos 50 anos damos mais valor o que nós faz bem. Um dia perguntei ao meu filho, João, no que eu deveria investir e ele respondeu: mãe invista em você! E hoje eu invisto muito mais em mim, fazendo o que eu mais gosto que é competir. E é bom lembrar que passamos por uma pandemia, quando houve um despertar para a questão da saúde do corpo principalmente da mente. É importante fazer essa reflexão”, disse Ana Paula, justificando a importância que sempre dedicou à prática esportiva.

Disse mais a atleta da ARUC: “Entrar em quadra é se sentir útil, capaz, representar um clube, ser valorizada. É um resgate pessoal poder olhar para si mesma e fazer coisas que me fazem bem, como viajar e disputar eventos esportivos”.

Campeã mundial

No quesito “viagem”, Ana Paula lembra que em 2021 a equipe da ARUC sagrou-se campeã mundial da categoria 40 anos+, no Masters Handeboll World Cup, competição de clubes disputada na Croácia. Na final, as brasilienses levantaram o título com vitória de 12 x 5 contra a equipe da República Tcheca. No mesmo torneio, mas na categoria 30+, a mesma equipe da ARUC conquistou a medalha de bronze, confirmando a tradição desse clube também no esporte feminino. “Foi a minha primeira viagem internacional e devo isso à ARUC”, reconhece Ana Paula.

A viagem à Croácia permitiu que Ana Paula observasse a diferença no tratamento do esporte master na Europa e o que se tem no Brasil. “Jogamos em estádios de primeiro mundo, climatizados, sempre lotados. E nós lá, com o uniforme da ARUC”, acrescentou, orgulhosa do feito.

Durante a entrevista, Ana Paula ficou triste ao saber que o Projeto de Lei 68/2017, que tramita no Congresso Nacional, vetou o artigo que destinava recursos das loterias para a Confederação Brasileira de Atletas Masters.

“Grandes atletas do passado são jogadores e jogadoras masters. Viveram mais de vinte anos praticando esportes e representando o Brasil e essa é a única atividade que a maioria sabe fazer. Daí a importância do esporte masters. É importante essa continuidade na pós-carreira para os que ainda querem praticar o esporte de alto rendimento”, enfatizou a atleta.

Segundo o projeto de lei 68/2017, que reformula a Lei Pelé (9.615/1998), atualmente em votação terminativa no Senado Federal, o esporte masters ganhou um artigo na Câmara dos Deputados que repassa 0,11% das arrecadações das loterias federais para o esporte master. Porém, a relatora do projeto, senadora brasiliense Leila Barros, vetou esse artigo introduzido na Câmara dos Deputados sob a alegação de que os recursos sairiam da cota do Ministério do Esporte. E, para isso ocorrer, é preciso um debate que ela deverá promover. Debates a parte, o prejuízo dessa decisão é enorme para as pretensões de evolução do setor.

“Acredito que senadora Leila, em discussão com os seus pares, irá encontrar o melhor caminho para a inclusão e participação do esporte máster no Sistema Nacional do Esporte.” ressaltou a atleta. E continuou: “O esporte master necessita de incentivo financeiro. Na Europa, o esporte master tem apoio e incentivo bem maior que no Brasil. Por conta disso, os grandes times de handebol do mundo são europeus”, afirmou Ana Paula.

Mas, afinal, o que é ser atleta nessa transição do alto rendimento para o master?

“Representar o seu país é o sonho de todo atleta. Nunca fui uma atleta de destaque, a ponto der ser convocada para a Seleção Brasileira ou fazer parte de grandes times. Mas sempre me dediquei muito, sempre jogando pela ARUC, onde tive incentivo para que eu pudesse melhorar técnica e fisicamente. Logo no início, lembro que quase não fazia gols, não era artilheira. Hoje, como master, tenho orgulho de ser uma atleta de destaque nacional e internacional. Me tornei artilheira na Copa América do Chile, em 2022, categoria 44 anos, com 10 gols a mais sobre a segunda colocada. Nunca desisti de lutar pelos meus sonhos, mesmo sabendo que o caminho era longo, desafiador e que exigia muito de mim”, resumiu Ana Paula.

DEPOIMENTO

É do técnico Abelardo Lopes Monteiro Filho, que convidou Ana Paula, ainda estudante, para jogar pela ARUC, o depoimento que encerra mais essa memória do esporte do Distrito Federal e da Associação Recreativa Unidos do Cruzeiro. Confira:

“Ana Paula é uma das atletas com maior performance no handebol brasileiro. Ela é completa, veloz, resistente, ataca e marca excelentemente. Hoje, Ana Paula estaria, tranquilamente, dentro das atletas selecionáveis para compor a Seleção Brasileira. Tenho muito orgulho de ter treinado a equipe da ARUC. Ela é um dos grandes destaques do handebol brasileiro feminino. Sinto muito prazer de um dia ter convidado Ana Paula para jogar na ARUC. Ela é uma atleta fantástica”.

Sobre o autor

José Cruz

Em Brasília desde 1980, entrou para a reportagem esportiva em 1986. Cobriu os Jogos Olímpicos de Seul (1988) e Sidney (2000). Durante seis anos, manteve um blog no UOL, onde revelou esquemas de corrupção com verbas públicas no esporte. Em 2016 integrou a equipe da CPI do Futebol, no Senado, presidida pelo senador Romário.