2 de dezembro de 2024

A DETERMINAÇÃO DE UM HOMEM DE FERRO 

Em outubro de 1986, aos 26 anos, o santista Rivaldo Martins estava na elite dos triatletas nacionais quando precisou amputar a perna, logo abaixo do joelho esquerdo. Ele foi vítima de um acidente de ônibus, numa viagem para Bahia, onde iria competir.  

Durante o tratamento, em Brasília, Rivaldo inspirou-se na determinação do norte-americano Pat Griskus, que se tornou o primeiro atleta com perna mecânica a concluir o Ironman do Havai.  

Ao ver um filme sobre esse assunto, Rivaldo decidiu que voltaria a nadar, a correr e a pedalar, assim que estivesse adaptado à prótese, que seria a sua parceira de vida. Atleta disciplinado, sabia que seria tudo ao seu tempo, mas a meta estava traçada.  

O acidente tornou-se um marco na vida de Rivaldo, atleta desde os 7 anos, quando nadava em Santos, sua terra natal. 

Depois da alta do hospital, o que ele mais queria é sair para “bater perna, por aí…”, como chegou a dizer, em reportagens da época. Ironia e deboche, claro, pois ele andava amparado por muletas, mas já pensando longe. Pouco depois, vieram as primeiras próteses, e mais outras, melhores, até a mais moderna, leves e velozes. 

Primeira prova 

A carreira profissional de Rivaldo Martins começou em novembro de 1984, quando ele disputou uma prova nacional do Corpo de Bombeiros, em Brasília. Ficou em nono lugar e o primeiro entre os atletas da capital da República. Ele e Cláudio Savati foram os primeiros a disputar a modalidade na cidade. Em seguida vieram mais dois expoentes, Leandro Macedo e Alexandre Manzan, o triatlo se fortaleceu com um ótimo calendário de provas e cresceu muito em Brasília.  

Em maio de 1985, aos 26 anos, Rivaldo sagrou-se campeão brasiliense e nessa condição foi disputar uma prova internacional de triatlo, no Guarujá (SP). Depois, foi para outra competição, no Rio de Janeiro, onde surgiram os primeiros grandes atletas nacionais.  

“Foi quando comecei a despontar, já ficava entre os cinco primeiros. Em 1986 entrei pra rachar…” Mas, em outubro, o acidente… 

Adaptação e provas 

A recuperação da cirurgia, adaptação à prótese e retorno aos exercícios físicos foram cumpridos com rigor. A adaptação à prótese durou dois anos. No terceiro, em 1989, Rivaldo, finalmente, competiu numa prova de short triatlo, em Brasília. 

 “Chegar ao fim da prova foi emocionante. A partir daquele momento eu tinha a certeza de que poderia seguir o exemplo de Pat Griskus” 

 Olho no relógio 

Rivaldo sempre esteve de olho no relógio. Para que se tenha ideia de sua determinação, basta lembrar que entre 1997 e 2001, já competindo com prótese, ele melhorou o seu tempo no Ironman em 1h05min. E o Ironman são 3,8km de natação, 180km de ciclismo e desafiante maratona (42,195km) encerrando. Que tal? 

Bicampeão 

Os resultados se sucediam, principalmente com evoluções nas suas marcas. Mas, em outubro de 2003, veio novo feito, quando Rivaldo se sagrou bicampeão do prestigiadíssimo Ironman do Havaí, com a marca de 10h33min, contra 10h42min registrados dois anos antes. Dois anos depois, nova vitória, dessa vez no Ironman de Florianópolis.  

 

E assim foi, até julho de 2005, quando se tornou o primeiro triatleta adaptado no mundo a completar o Ironman abaixo das 10h de ininterrupta competição. 

 Foi em Roth, na Alemanha, quando ele baixou o seu até então melhor tempo de 10h10m, naquela mesma prova, para 9h57min48. Foi uma diferença de treze minutos e mais um espetacular feito, o de quebrar as 10 horas de competição que ele perseguia a cada evento.   

 Ao falar sobre esse feito, Rivaldo lembra do amigo Vanilton Senatore que o incentivou muito a disputar o Ironman. Vanilton, que morreu em setembro de 2018, aos 71 anos, foi um exemplar professor de Educação Física, uma das referências nacionais no esporte paralímpico.  

 “Vanilton era amigo do professor Azauri Berezowski, que foi meu técnico, e via no meu desempenho uma ótima condição para entrar no Ironman. Ele foi um grande incentivador para que eu chegasse a essa prova”, disse Rivaldo.  

 Em Brasília 

Mesmo sendo de Santos, no litoral de São Paulo, Rivaldo Martins tem em seu DNA de atleta um tanto de brasiliense.  

“Cheguei em Brasília quando tinha 18 anos. Ganhei Bolsa e alojamento no CO (Centro Olímpico), para estudar Geologia na UnB, mas mudei para Arquitetura e acabei me formando em Educação Física. Mantive o meu ritmo de treinamento e fiz a faculdade de Educação Física também por conta do meu trabalho com Azauri, no Clube Asbac, onde havia um projeto de natação e eu jogava polo aquático”, conta Rivaldo.  

O professor Azauri Berezowski foi um ex-atleta de natação e polo aquático e renomado técnico em Brasília, referência pela seriedade de seu trabalho e resultados obtidos.   

Segue o depoimento de Rivaldo:  

“Azauri me acompanhou durante anos, não só como técnico, mas foi quase um Paizão, me recebendo e me orientando muito bem. Tenho um carinho muito grande por ele e por Brasília, porque a cidade me proporcionou continuar na Educação Física e praticando esporte”. 

“Eu gostava de Brasília e fui me adaptando a ela. Era uma cidade ainda vazia, fácil para se deslocar. Eu ia de bicicleta da UnB para a Asbac. Foi quando soube da existência do triatlo e conclui que eu já fazia isso, nadava, pedalava e corria”.  

 Gostei  

Rivaldo sorri quando conta sobre aqueles tempos.  

“Gostei da primeira prova e comprei outra bicicleta. Meu pai, Manoel Martins, era ciclista, dos bons. Era da equipe Jabaquara (SP) e representava a cidade de Santos. Ele não queria que eu pedalasse, pois sofreu um acidente e achava que a modalidade, na rua, era perigosa. Mas eu gostava daquilo e fui em frente”.  

 De ponta a ponta, desde as primeiras braçadas nas praias e piscinas de Santos, a rotina de atleta de alto rendimento de Rivaldo Martins durou 42 anos, dos 8 aos 50 anos.   

 Em 2006, Rivaldo disputou o Triatlo Internacional de Santos, onde correu 21 edições, largando no pelotão de elite. Ao final, encerrou a sua vitoriosa carreira como competidor, justamente no ano em que o seu patrocinador, Brasil Telecon, também encerrava as suas atividades.  

A partir de então, passou a correr “só para se manter”, e isso aconteceu até 2010, quando começou a sua carreira de gestor, no comando da equipe de triatlo do Comitê Paralímpico Brasileiro.  

E agora? 

Agora, aos 63 anos, já sem compromisso rigoroso com o relógio, Rivaldo pedala terça, quinta, sábado e domingo… Terça e quinta faz mountain bike, na trilha do Parque Nacional de Brasília, uma privilegiada área de pura natureza conhecida por “Água Mineral”.  

No sábado e no domingo, ele pedala no percurso que circunda o Lago Paranoá, tipo “passeio”, logo cedo, quando tem pouco movimento de carros. “No domingo, faço uma volta ao Lago. São 65 quilômetros, mas o percurso é super vazio, mais seguro. Brasília é ótima para praticar esportes. Tem muitos clubes, piscinas, o Lago Paranoá, pistas de atletismo, excelentes espaços para pedalar, enfim”. 

 Evolução  

“Há uma evolução constante nos equipamentos para atletas e paratletas. Nas bicicletas, por exemplo, mudou aerodinâmica e o conforto é bem melhor. Antes eram muito rígidas, hoje se sai muito mais inteiro da prova de bike para entrar na corrida. A vida útil do atleta fica mais longa. Os dez primeiros colocados no iroman, dos 35 aos 39 anos, está no auge da resistência.  

 PRINCIPAIS TROFÉUS DO CAMPEÃO 

  • Tetracampeão Mundial de Triathlon Olímpico – Categoria amputado com prótese: México/1997, Austrália/1999, Canadá/2000 e México/2002; 
  •  Campeão no Mundial de Ironman do Havaí – categoria amputado com prótese (2001);
  •  Campeão no Mundial de Ironman no Havaí – outubro de 2003, quando quebrou o recorde da categoria; 
  • Campeão no Ironman Brasil Telecom 2004 e 2005 – categoria amputados com prótese
  • Campeão no Ironman da Coréia do Sul – agosto/2003
  • Campeão no Pan-Americano de Triathlon Brasil Telecom – amputados com prótese e amador 40/44 anos (2002)
  • Campeão no Troféu Brasil de Triathlon – deficientes físicos/amputados com prótese (2002)
  • Campeão no Carlton Cold Ironman New Zealand – categoria Challenger – Nova Zelândia/2003
  • Campeão no Triathlon Internacional de Santos 2005 – categoria amputado com prótese 

 Fotos: Arquivo pessoal