21 de novembro de 2024

Pacotão: um exercício de prazer e resistência

Numa manhã qualquer do verão de 1978, quando os ventos da distensão política lenta, gradual e segura do general Ernesto Geisel começavam a soprar, um grupo de jornalistas bebericavam no Clube da Imprensa e tiveram a ideia de fundar um bloco de Carnaval. Dias depois, noutra conversa no Chorão, a ideia ganhou forma e surgia a Sociedade Armorial Patafisica Rusticana O Pacotão.

O Armorial, sugerido por Carlão, vinha dos tradicionais blocos de frevo do Recife, especialmente do Siri na Lata, também criado por jornalistas. O Patafísica, apresentado por Cláudio Lysias, vinha da ciência das soluções imaginárias, criada pelo dramaturgo francês Alfred Jarry. E o Rusticana, sugerida por Alexandre Lobão, era uma menção à Cavalaria Rusticana e uma “homenagem” ao general Figueiredo, que era da Cavalaria, já escolhido como sucessor de Geisel. Como símbolo do bloco foi escolhida uma tartaruga bêbada, para representar a abertura lenta, gradual e segura dos generais de plantão.

O bloco foi criado para resgatar os antigos blocos de sujo e oferecer uma opção de lazer carnavalesco para os jornalistas, numa época que o Carnaval de rua de Brasília ainda engatinhava, restrito apenas às escolas de samba, que desfilavam na W-3.

Por sugestão do Wilson Miranda, o Brother, foram procurar o saudoso Sabino, presidente da ARUC, para pedir o apoio da escola de samba do Cruzeiro, frequentada por vários jornalistas, para o novo bloco. Sabino topou na hora e a bateria da ARUC participou junto com a Banda do Pacotão, do Maestro Celso, do primeiro desfile do Pacotão. O cartaz anunciando o desfile dizia: O Pacotão e a Unidos do Cruzeiro convidam o povo para adentrar a Avenida.

No primeiro desfile, em 1978, eram não mais do que 100 pessoas, perdidas na imensidão da W-3 Norte, desfilando pela contramão e cantando o samba Plataforma, de João Bosco e Aldir Blanc, que sintetizava o espirito do bloco:

“Não põe corda no meu bloco
Nem vem com teu carro-chefe
Não dá ordem ao pessoal
Não traz lema nem divisa
Que a gente não precisa
Que organizem nosso carnaval
Não sou candidato a nada
Meu negócio é madrugada
Mas meu coração não se conforma
O meu peito é do contra
E por isso mete bronca
Neste samba plataforma
Por um bloco
Que derrube esse coreto
Por passistas à vontade
Que não dancem o minueto
Por um bloco
Sem bandeira ou fingimento
Que balance e abagunce
O desfile e o julgamento
Por um bloco que aumente
O movimento
Que sacuda e arrebente
O cordão de isolamento”

Já em 1979 a história foi outra. Inspirados na revolução iraniana, liderada pelo Aiatolá Khomeini, que derrubou a ditadura do Xá Reza Pahlavi, o Pacotão fez uma paródia com o Brasil, pedindo ajuda aos aiatolás para nos livrar da ditadura.

A Marcha do Aitolá, composta por Moa e Samuca, dizia:

“Geisel, você nos atolou,
O Figueiredo também vai atolar,
Aiatolá, Aiatolá, venha nos salvar,
Que esse governo já ficou ga gá
Ga gá gá Geisel…..”

Foi uma explosão. A marcha caiu na boca do povo, milhares de pessoas desfilaram com o bloco que, a partir daí, ganhou as manchetes dos jornais, e virou o cartão postal do Carnaval de rua de Brasília. Até hoje, a Marcha do Aiatolá é a música mais cantada pelo Pacotão e até mesmo por outros blocos.

A partir do Aiatolá, o Pacotão assumiu sua identidade de um bloco com forte sátira política, expressa não só nas marchas, mas também nas faixas com frases bem humoradas de crítica política e social, que eram feitas no Clube da Imprensa, e misteriosamente desapareciam durante o desfile do bloco, surrupiadas por agentes do SNI que se disfarçavam de foliões. Além disso, continuou desfilando pela contramão da W3 e se recusando a receber qualquer recurso público para desfilar.

O Pacotão original sobreviveu até 1992, quando seus fundadores cansaram e deixaram de organizar o bloco. Ele existe até hoje, com características completamente diferentes, mas continua sendo uma referência do carnaval de rua de Brasília.

Sobre o autor

Moacyr Oliveira Filho

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