Hélio Tremendani e José Cruz
Fotos: Katia Monteiro
O Parque da Cidade, na região central de Brasília, recebe a cada sábado as integrantes do grupo de percussão Batalá, cuja batida atrai centenas de pessoas que por ali caminham ou praticam esportes. O ponto de encontro é no Estacionamento nº 11, à sombra de grandes árvores. É nesse local de exuberante natureza, com músicas executados em tambores que simbolizam, também, a batida ritmada do coração humano, que as “bataletes” resgatam a ancestralidade africana e divulgam esse importante segmento da cultura musical brasileira ao som de quatro instrumentos de percussão: surdos, dobras, repiques e caixas.
Todas as composições são autorais, coreografadas e ritmadas com inspirações no alegre samba reggae, o que contribui para atrair o público onde quer que um Batalá se apresente.
O início
Foi o compositor, coreógrafo e bailarino baiano Giba Gonçalves (foto) quem criou esse movimento, há 28 anos. Ele já estava em Paris, onde mora até hoje, quando teve a ideia de difundir a cultura afro-brasileira através da música. As batidas de tambor e ritmos, ao som do samba reggae, agradaram, cresceram e ganharam a Europa, inicialmente. Nina Pires, presidente do Batalá Brasília, nos atualiza:
“Hoje, o Batalá toca em 46 países dos cinco continentes, envolvendo milhares de componentes, masculino e feminino”
Incentivadora desse movimento, Nina Pires (foto), presidenta do grupo em Brasília, conta que Giba compõe todas as músicas que são distribuídas para os grupos que estão na Europa, na América do Norte e na do Sul, na Oceania e na África. No ranking internacional, a Inglaterra lidera com oito grupos musicais, seguido da França, com sete, e Estados Unidos, com cinco.
“Temos Batalá até em Madagascar”, conta Nina, sobre o país insular africano. E lembra que as músicas compostas e distribuídas para os Batalá de todo o mundo “resgatam a ancestralidade da África”
E como essas músicas têm a mesma origem autoral, isso quer dizer que é possível formar grupos com componentes de várias nacionalidades, pois todos terão aprendido a batida criada pelo Mestre Giba e vão executar certa composição de forma harmoniosa
Em Brasília
Com 120 integrantes – já chegou a 140 –, o Batalá Brasília se mantém com essa identidade feminina, o que torna a banda mais alegre, sorridente e gingada. Em outras palavras – e com o devido respeito –, nesse grupo os marmanjos não entram.
Segundo Nina, “o Batalá se instalou em Brasília por iniciativa do Mestre Paulo Garcia, o Tutuca. Empresário, ele estudava na Inglaterra, quando conheceu o Mestre Giba numa apresentação do Batalá. Tutuca encantou-se ao ouvir e ver que a cultura afro-brasileira era difundida através da música e da batida de tambores”.
Inicialmente, Giba criou um grupo na cidade de Portland, onde estudava. Quando voltou, foi a vez de aplicar a sua experiência musical em Brasília
A grande sacada
A grande sacada de Giba foi observar que o ambiente musical na cidade era predominantemente masculino. Em uma bateria de escola de samba, por exemplo, as mulheres nunca eram protagonistas. E foi assim que ele decidiu criar um Batalá só de mulheres, que se mantém ainda hoje fazendo muito sucesso, tanto nos ensaios à sombra das árvores do Parque da Cidade, quanto em apresentações públicas, em festas, quando o grupo é contratado, ou nas viagens que realiza.
“Os ensaios nunca têm menos que 80 integrantes e ao longo de nossos 22 anos já tivemos mais de mil integrantes que passaram pelo Batalá de Brasília. A banda sobrevive das nossas apresentações, ou seja, a banda se sustenta”, diz Nina Pires.
Nessa estrutura, a banda tem três regentes. Atualmente, Ana Felícia, também Diretora Musical, está no comando do grupo; as outras duas regentes que se revezam são Silvia Regina Raimundo e Tatiana de Oliveira Fernandes.
Apresentações
As apresentações do Batalá Brasília não se limitam à Capital da República. Em 2012, o grupo abriu o show de aniversário de 50 anos da banda inglesa Rolling Stones, em Nova Jersey, nos Estados Unidos. Em outra ocasião, tocou para Michelle Obama, a ex-primeira-dama norte-americana. “Também tocamos com Daniela Mercury, Renata Jambeiro e outros artistas”, conta Nina Pires.
“Sem dúvidas, participar da Lavagem do Bonfim é uma experiência que marca para sempre a vida das bataletes”, afirma Nina. A lavagem das escadarias da Igreja de Bomfim é a segunda manifestação popular da Bahia, atrás do Carnaval.
Neste ano de 2005 que se inicia, a lavagem das escadarias da Igreja de Bom Fim será em 16 de janeiro. O Batalá estará presente com grupos de vários países. Na representação brasileira estarão 50 bateleiras de Brasília e algumas de Sergipe.
“Vamos tocar por 8 Km rumo à Igreja do Senhor do Bonfim, desta vez acompanhadas por bandas do Sergipe, de Natal, do México e de Nova Iorque, num total de 74 componentes”, explicou Nina, preparando-se para a apresentação, desta vez integrada a outras bandas nacionais e uma norte-americana.
Esse evento na Bahia serve, também, para reativar a memória dos tempos da escravidão, quando a histórica igreja de Salvador – terra do Mestre Giba – foi construída com mão de obra escravizada. Ao longo dos anos, a lavagem das escadarias daquele santuário foi incorporada pelo candomblé aos rituais das Águas de Oxalá, simbolizando uma resistência que une religiões à música e canto dos negros
Homenagem
E foi nessa toada de expressão cultural e homenagem permanente ao movimento afro, que o grupo se tornou uma das marcas registradas da música brasiliense. De tal forma, que, em 1º de novembro de 2024, o grupo Batalá Brasília foi homenageado pela Câmara Legislativa do Distrito Federal (foto acima), quando recebeu “Moção de Louvor” em reconhecimento pela valorização à cultura popular e à representatividade feminina na Capital”. A homenagem foi proposta pelo deputado Gabriel Magno (PT).
Escola
A banda é aberta não só para mulheres experientes em música. As que nunca tocaram também têm espaço, porque “os instrumentos de marcação permitem a familiarização e o aprendizado da música”, segundo Nina Pires.
“É o aprendizado de uma forma mais popular. Assim, uma pessoa leiga em música pode aprender a tocar cinco instrumentos de percussão”, completa a presidenta do Batalá DF.
Os instrumentos
Antes de tudo, os instrumentos de percussão do Batalá, mundo afora, são fundamentais na preservação cultural e espiritual dos povos negros, do povo originário, o africano. Como se sabe, os instrumentos musicais também ajudam na preservação das tradições e para manter viva a história de cada etnia.
O interessante nesse movimento é que a produção dos instrumentos, dos figurinos e uniformes vêm de uma comuniade negra, em Salvador, revelando-se, assim, com atividades sócio-econômicas, a amplitude desse movimento.
Conforme descrição de Nina, os instrumentos de uma banda Batalá são o surdo de primeira, surdo de segunda e surdo de terceira, ou dobrado; repique e caixa complementam o conjunto.
Aula de música
Nina dá uma explicação didática sobre a importância de cada instrumento no conjunto do Batalá:
“Os surdos são a base ritmica da banda. São de dois tipos, de primeira e de segunda são os de marcação, alimentam a musicalidade. Os surdos tocam alternativamente; o de terceira junto com o repique formam a harmonia da música, sendo que um responde ao outro; o dobrado (Dobra) faz uma virada, o repique responde, tocam juntos e é o que dá a movimentação da música. Finalmente, a caixa é instrumento mais de marcação”. O resultado desse emaranhado de sons é uma musicalidade gostosa de ouvir graças ao ritmo alegre que expressa.
Depoimentos
Tatiana de Oliveira Fernandes (foto), a Tati, está no grupo Batalá Brasília desde 2014. É dela o seguinte depoimento:
“Entrei para o Batalá em 2014 convidada por uma amiga. Atualmente, sou da equipe artística. Como regente toco todos os instrumentos, mas minha referência é a Dobra. O Batalá tem uma importância significativa para mim pois me reconheço como mulher percussionista no cenário artístico cultural de Brasília”.
Dilene Castro (foto), filha do fotógrafo pioneiro em Brasília, Adão Nascimento, toca caixa. Antes, ela passou pelo aprendizado de surdo, onde adquiriu ritmo e compasso musical.
“Estar no Batalá é muita emoção, tanto pela importância musical que essa banda tem como pela energia, pela musicalidade que oferece, e por ser formada exclusivamente por mulheres. O toque do tambor nos envolve até à alma, aproximando-nos do poder de determinação, de luta e da coragem já demonstradas pelos nossos ancestrais. É gratificante, enquanto toco, ver a reação de quem está nos ouvindo, o sorriso, a expressão de satisfação de estar participando de um momento único”.
Enfim…
Com seus 22 anos de atuação, o Batalá Brasília já faz parte da cultura musical de Brasília. Mais! É o grupo pioneiro de percussionistas exclusivamente femininas na cidade, o que reforça a sua importância para as histórias reais que contamos neste espaço e queremos deixar de legado aos registros de nossa querida Brasília.
O Batalá Brasília guarda, a exemplo dos demais grupos do gênero pelo mundo, íntima relação com as origens da raça negra, em especial a africana, que tanto nos orgulha pela cultura que para cá trouxeram, mas sempre de triste lembrança pela forma como esse intercâmbio ocorreu, principalmente pela longa escravatura a que foram submetidos.
No discurso de Nina sobre o movimento que preside, fica claro o desejo de, seguidamente, se reportar aos ancestrais que para aqui foram trazidos do continente vizinho.
Isso também nos incentiva a entrar nessa corrente de lembranças de constantes e merecidas homenagens que o Batalá exibe em suas apresentações, executando o mais puro som da raça negra, o batuque, que orgulhosamente herdamos.