21 de novembro de 2024

Memórias de um craque da elite do futebol de salão

Por Memórias da Cultura e do Esporte de Brasília

Era magro, mas habilidoso e ágil no esporte. E, o mais importante, fazia gols, muitos gols, jogando futebol de salão, modalidade que praticou desde criança. Foi assim que o carioca Galdino Moreira Neto (foto) conquistou espaço nesse esporte, inicialmente em Londrina, ao norte do Paraná, onde morou dos três aos 17 anos, e posteriormente em Brasília. Nas categorias de base, jogou no Colégio Londrinense, educandário em que seu pai, professor Galdino Moreira Filho, foi diretor.

“Quando eu tinha 10 anos, ia jogar futebol de salão com meu pai e seus amigos. Minha alegria era tocar a bola, dar um passe para eles”

Com esse gosto e habilidade pelo esporte, esse atleta integrou seleções desde cedo. Com 16 anos, por exemplo, foi convocado para a equipe principal de Londrina que enfrentou o Palmeiras, num amistoso. “Nessa mesma época, ainda em Londrina, também joguei contra o Grajaú Tênis Clube e o América, ambos do Rio de Janeiro”, recorda.

Peneira

Em 1966, numa viagem a Santos (SP), para visitar familiares, Netinho, então com 14 anos, participou de uma “peneira” com a meninada da tradicional escolinha da Vila Belmiro. “Fiz um gol e fui escolhido para voltar. Mas retornei pouco depois para Londrina e tudo ficou como uma boa lembrança. Até porque o meu negócio era mesmo a bola pesada, a bola colada no pé, e era isso que o futebol de salão me oferecia”.

Em Brasília

“No final de 1969, terminei o curso Científico e teria que decidir que caminho tomar na vida acadêmica. Por sugestão de dois primos que estavam inscritos para o vestibular da UnB, resolvi encarar esse desafio e me mandei para Brasília. ‘Vou lá ver esse troço’, pensei. Acabei sendo aprovado, aos 17 anos, e me formei em Administração de Empresas com 21 anos incompletos”.

De família cristã, Netinho considera que sua vinda para Brasília foi um plano de Deus que mudou a vida de toda a família. “Meu pai, homem culto, professor, diretor de faculdade e político, resolveu mudar de ares a sair de Londrina. Ele, minha mãe e minha irmã vieram também para Brasília.”

Apostolado

Netinho credita a um plano divino porque, no mesmo ano, o pastor missionário norte-americano David Wilkerson esteve em Brasília para falar sobre uma obra para recuperação de viciados que era desenvolvida nos Estados Unidos.

“… Porque, se você não mudar o interior e a mente do jovem, no entendimento da verdade, não haverá recuperação”

“Eu estava presente com meus pais e irmã numa reunião em que o missionário citou que, na viagem para o Brasil, teve uma visão de Deus dizendo que aqui ele encontraria ‘um homem que iria tocar essa obra de recuperação de jovens viciados em Brasília’. Meu pai, então, fundou o Desafio Jovem de Brasília, tendo sido um dos pioneiros na proposta de Comunidade Terapêutica no Brasil. Para exercer essa missão, ele abriu mão da sua carreira acadêmica, aposentou precocemente e teve uma vida difícil no aspecto financeiro.”

“De fato, ao lado de minha mãe, Ada, e da irmã, Elsa, meu pai levou a obra em frente. Foi a vida deles por mais de 40 anos. Os três já partiram”

Para encarar o desafio visionário do pastor Wilkerson, o Professor Galdino Moreira Filho (foto) aplicou a experiência de ter dirigido e dado aulas em faculdades, além da vivência política como vereador e presidente da Câmara Municipal de Londrina. Publicou mais de 30 livros sobre essa temática, viajou pelo Brasil e por outros países difundindo a obra. Faleceu em 13 de janeiro de 2023, aos 97 anos.

“Embora o meu pai tenha sido vereador, eu nunca me interessei pela vida política. Ouvia o pau quebrando nas sessões da Câmara Municipal e me assustava. Ironicamente, vim encerrar minha trajetória profissional e aposentar numa Casa política, em Brasília”

 O convite

Iniciando os estudos na UnB, em janeiro de 1970, Netinho foi levado por seu primo Álvaro a um treino do time de futebol de salão da FAUnB (Federação Atlética da Universidade de Brasília), na pequena quadra de cimento do campus universitário. O técnico era o professor Cleber Soares do Amaral, que preparava a equipe para os Jogos Universitários Brasileiros (JUBs) em Brasília, no mês de julho daquele ano.

“O grupo para os JUBs já está fechado, se você agradar, ele (o técnico) deverá te chamar após os jogos”, alertou o primo Álvaro.

Netinho fez ótimos treinos, chamando a atenção dos demais companheiros de equipe. Agradou tanto que o técnico o convocou para os Jogos Universitários e, lamentavelmente, o primo Álvaro ficou de fora da delegação. “Eu não era titular, mas, mesmo muito novo, era das primeiras opções de mexida nos jogos. O time tinha os excelentes Axel e Guairacá”, lembra Netinho.

Jogos Universitários Brasileiros, Brasília, 1970 – Ginásio do Caseb

Em pé: João Paulo (Diretor), Alcides, Zé Carlos, Paulinho, Hermínio, Walmir, Axel e Cléber do Amaral (Técnico)

Agachados: Neto, Padre Neco (Massagista), Sá Júnior, Guilherme, Bragmar e Ribamar

Ginásio do Caseb

Os Jogos Universitários de 1970 foram disputados no ginásio do Caseb, pequeno, com capacidade para 500 pessoas, no máximo, mas sempre lotado. A equipe de São Paulo sagrou-se campeã da modalidade.

O Caseb (Centro de Administração do Ensino Fundamental de Brasília) foi a primeira escola do Distrito Federal, inaugurada em 19 de maio de 1960. Nele estudaram alunos que se tornaram famosos no cenário nacional, como o cantor e compositor Renato Russo e o jornalista esportivo Galvão Bueno, também atleta de basquete naquela quadra.

A medalhista de ouro panamericana de basquete, Magic Paula, também treinava na quadra do Caseb, quando morou em Brasília, ocupando o cargo de Secretária Geral do Ministério do Esporte, nos anos de 2003/2004. Até hoje essa escola é um símbolo da educação e referência no ensino público de Brasília.

O Ginásio do Caseb me traz ótimas recordações. No início dos anos 1970, joguei nele inúmeras vezes: Jogos Universitários Brasileiros; Taça Brasil de Seleções e vários campeonatos de salonismo da cidade. O tamanho menor da quadra me favorecia: além do entendimento tático, você tinha que pensar rápido, tomar a decisão correta e `executar´ o goleiro…”  (risos)

Em recente visita, Netinho retornou ao Ginásio do Caseb (foto), onde muito jogou, há mais de 50 anos. Lembranças e saudades…

 Títulos conquistados

Depois dos JUBs, Netinho começou, de fato, a participar dos campeonatos de salonismo de Brasília e de outras competições interestaduais e nacionais. E nessa trajetória, Netinho tem muitos títulos para lembrar. Tantos que, em sua casa, reservou um generoso espaço para expor os seus troféus, entre eles medalhas, fotografias e reportagens sobre times, jogos, gols e citações na imprensa, sempre no futebol de salão.

Pelo Minas Brasília Tênis Clube, Netinho ganhou os campeonatos de Brasília de 1972, 1974 e 1976. Em 1973 jogou pelo Clube Náutico, e também foi o primeiro do pódio. Jogando pelo Iate Clube de Brasília, colecionou um tricampeonato, 1977, 1978 e 1979, tendo como técnico o saudoso Professor Luiz Alberto de Oliveira, que também era especialista em atletismo e levou o brasiliense Joaquim Cruz à conquista da medalha de ouro olímpica, nos Jogos de Los Angeles, 1980.

“Luiz Alberto (morto em 30 de junho de 2021) foi um excelente técnico. Nós treinávamos à noite, no Iate Clube. Enquanto estávamos na quadra, Joaquim Cruz fazia o seu treino na arquibancada, subindo e descendo degraus…”

Em 1972, nos JUBs de Fortaleza, Netinho foi o destaque e artilheiro do time, sendo indicado para a Seleção da competição, ao lado de Edilberto (MT), César (MG), Galego (RJ) e Gabriel (GO).

“Foi uma época áurea da minha carreira. No final do ano de 1972, recebi o Troféu Imprensa como o destaque do salonismo da cidade”

Jogos Universitários Brasileiros – Fortaleza /1972

Em pé: Guilherme, Chamas, Sizenando, Sugai, Heitor,

Valdecir e Eiladir (Supervisor)

Agachados: Padre Neco (Massagista), Washington,

Hermínio, Bragmar, Guairacá, Neto e Tarso

Taça Brasil

“A Taça Brasil de Seleções, em 1973, também foi marcante. A Seleção de Brasília era fortíssima, mesclando a velha geração com os que vieram depois. Empatamos com a seleção mineira em Belo Horizonte, e estávamos vencendo o jogo de volta no ginásio do Caseb, mas tomamos a virada nos minutos finais. Foi frustrante”, lembra Netinho.

Seleção Brasiliense – 1973

Em pé: Lula, Axel, Otávio, Luiz Henrique, Heitor, Tarso, Erivan, Tito, Cássio Pólli (Preparador Físico) e Wagner Tolentino (Técnico)

Agachados: Padre Neco (Massagista), Guairacá, Netinho, Hermínio, Bragmar, Arnaldinho  e Walmir

            

Minas Brasília Tênis Clube – Campeão Brasiliense – 1974

 Em pé:

Cleber Soares (Técnico), Valdecir, Walmir, Otávio, Bigode, Lula e Waltinho;

Agachados:

Axel, Guilherme, Chamas, Guairacá, Tito e Netinho

 Iate Clube de Brasília – Tricampeão Brasiliense – 1979

Em pé: Luiz Alberto (Técnico), Siracusa, Zé Carlos, Hugo, Guairacá, João e Renato Attuch (Diretor)

Agachados: Ilion, Scafuto, Netinho, Heitor, Alemão e Fernando

 O tetra escapou

Em 1980, Netinho estava no time do Iate Clube que jogava pelo tetracampeonato da cidade. A final foi contra o Minas Brasília Tênis Clube. Houve empate no primeiro jogo, 1×1. A partida decisiva foi no ginásio do Minas Brasília. Foi um jogo de tirar o fôlego, arquibancada lotada, segundo Netinho, que fez os dois gols do Iate em novo empate, dessa vez por 2×2.

Os dois times eram muito fortes e equilibrados.  A decisão foi para os pênaltis e, naquela época, os jogadores não se alternavam nos chutes; um só era escolhido e responsável por todas as cobranças.

“Heitor foi o nosso escolhido; pelo Minas bateu Valdemir. Perdemos o tetracampeonato nos pênaltis”, lamenta, ainda hoje. Hélio Tremendani, desportista pioneiro de Brasília, que participa desta entrevista, e naquele jogo foi o delegado indicado pela Federação de Futebol de Salão.

Desacelerando

Em 1981, marcando sua despedida das grandes competições, Netinho participou do Campeonato Brasileiro de Seleções, disputado em Brasília, no ginásio do Minas.

O saudoso Heitor era o treinador da equipe brasiliense e “era duro garantir vaga no time titular”, tamanha a qualidade do elenco, segundo Netinho.

Após sequência pesada de treinamentos, o time que iniciou aquele Brasileiro foi formado por Fitinha; Maurinho e Zunga; Netinho e Augusto, na frente. Depois dessa competição, Netinho desacelerou nos jogos oficiais e, mais um ano de quadra, encerrou a carreira como atleta federado.

Em pé: Massagista, Dirceu, Fitinha, Zunga, Joel, Galdino, Siracusa, Heitor (Técnico) e Cássio Pólli (Preparador Físico)

 Agachados: Roupeiro, Augusto, Netinho, Marcão, Zequinha, Maurinho e Maringá

Imprensa

Depois dessa fase, Netinho foi para o futebol soçaite, que pratica até hoje, aos 71 anos. Porém, ficaram boas lembranças daqueles tempos…

“Foi muito marcante a fase do futebol de salão, principalmente porque havia grande cobertura da imprensa”, diz Netinho, recordando os jornalistas que participavam das jornadas, entre eles: “Vanderlei Moreira Mattos, Nilson Nelson, Irlan Rocha Lima, José Natal. Só feras.”

Carreira Profissional

Netinho entrou como estudante na UnB e, em 1973, formou-se em Administração de Empresa, depois de quatro anos de estudo. Porém, seu vínculo com a Universidade continuou por mais 18 anos, como servidor, ocupando o cargo de Analista de Sistemas e Métodos, no Centro de Processamento de Dados e na Assessoria de Planejamento da Reitoria.

Em 1987, ele fez pós-graduação em Administração Universitária, sendo a etapa teórica realizada na Universidade Estadual do Ceará e a prática, em universidades canadenses. “Foi uma experiência gratificante e enriquecedora”, revela Netinho, que na vida profissional sempre foi chamado pelo primeiro nome: Galdino.

“Foram 22 anos de vínculo com a UnB, como aluno, atleta e servidor. Guardo carinho especial muito grande por essa Universidade”

O tempo passou. Em 1992, Netinho prestou concurso para a recém-criada Câmara Legislativa do Distrito Federal.

“Fora o vestibular, foi o primeiro e único concurso de que participei na vida. Apesar de descrente, parti para a primeira prova, eliminatória, que englobava português e temas específicos de administração. Para minha surpresa, saí bem classificado e percebi que a coisa não era tão feia quanto parecia. A partir de então, sempre metódico, tracei uma estratégia de estudo e a segui com muita disciplina. Foi sacrificante porque eu trabalhava na UnB e já tinha duas filhas novinhas”, revela.

Aos poucos, ele foi eliminando as etapas e terminou aprovado em primeiro lugar para o cargo de Consultor Técnico-Legislativo / Administrador.

“Nesse cargo, trabalhei por 17 anos. Mas nunca me envolvi com políticos ou partidos. Era eminentemente técnico. Exerci funções de direção na estrutura da Casa. Tendo formação em Planejamento, Sistemas e Métodos, deixei na Casa algumas obras de minha autoria, relacionadas à organização e sistematização dos processos sob minha gestão.  Me aposentei em 2010”

Axel e Guairacá

Netinho diz que teve “o privilégio” de atuar no time da FAUnB em que jogavam Waltinho, Axel, Arnaldo, Otávio e Guairacá, além de outros craques, considerado, ainda hoje, a elite do futebol de salão daqueles anos. Arnaldo precisou sair para assumir a direção da Gráfica do Senado. Netinho entrou e, hoje, afirma: “Tive a honra de jogar com Axel e Guairacá, para mim, os melhores”.

“Guairacá foi o melhor parceiro com quem joguei. A minha camisa era a de número 8 e Guairacá vestia a 9. Foi assim que ele inventou a dupla 89. Ele dizia que ‘fazíamos tabelinhas incríveis em pequeno espaço da quadra’. É um irmão que fiz no esporte, há mais de 50 anos, e até hoje nos falamos com frequência. Axel era um fenômeno, elegância em quadra e passes longos de letra que nunca vi nada parecido. Daquela geração dos anos 1970, destaco, também, Otávio, Walmir e Tito como fora da curva. Tive a honra de jogar com esses caras na FAUnB, na Seleção de Brasília, no Iate e no Minas. Brasília sempre teve grandes nomes no futebol de salão, ficando difícil elencar todos. Mais para o final da década, posso citar Maurinho, Dirceu e Maringá como destaques.”

 A família

Ao longo da conversa, Netinho valoriza, sempre que oportuno, o ambiente familiar, quer quando morava com os pais ou já casado com Beatriz, da qual ele havia sido chefe, na época em que trabalhavam na UnB.

Beatriz e Netinho estão na contagem regressiva para as suas Bodas de Ouro, em 2028. Vida longa ao casal!

“Minha relação com o futebol de salão era tão séria que esta vale a pena contar: casei no dia 9 de setembro de 1978, ano em que o Iate disputava o bicampeonato de Brasília. A tabela prévia marcava um jogo importante exatamente naquele dia, às 19h. Ainda pensei em negociar minha ida ao jogo, mas vi que seria uma insanidade da minha parte. A saída foi remarcar a igreja para às 21h, de forma que meus colegas pudessem comparecer após o jogo.” (risos)

Dessa união, nasceram quatro mulheres. “Que maravilha!”, exclama Netinho. São elas: Alessandra, jornalista de televisão, atualmente na TV Justiça no STF;  Marcela, também jornalista e concursada do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT), Maria Fernanda, advogada e também concursada do TJDFT, e Rafaela, advogada com escritório no Rio de Janeiro. Todas bem-sucedidas e encaminhadas na vida. Motivo de gratidão a Deus e sentimento de missão cumprida.”

“Outra emoção sem precedentes foi o casamento conjunto das duas filhas mais velhas, em dezembro de 2003. Entrei primeiro com a Alessandra, e em seguida com a Marcela. A celebração foi ministrada por meu pai, avô das noivas. Cerimônia lindíssima que me marcou para sempre. Mais ainda porque foi realizada na mesma igreja em que eu e Beatriz havíamos casado 25 anos antes.”

E vieram os netos: Luiz Eduardo, o primeiro, hoje com 22 anos, morando nos Estados Unidos. Por maior que tenha sido o esforço e a tentativa de influência do avô para aderir à torcida Tricolor do Rio de Janeiro, Luiz Eduardo resistiu e seguiu a opção do pai, vascaíno. Sua irmã, Laura, também aderiu ao Vasco. Os demais seguiram a opção do avô. “Democracia sob pressão em família!” (risos)

Pela ordem, estes são os netos e netas: Luiz Eduardo, 22; Laura e Helena, ambas com 16 anos; Luiza, com cinco; Tomás e Pedro, com três e, por último, Camila, com um aninho.

“É um prazer muito grande estar com a família, não consigo me desvincular. Eu e Beatriz somos muito caseiros e a turminha sempre está alegrando a casa. Curto mais as viagens quando todos podem ir: foram marcantes as comemorações dos meus 60 anos, em Nova Iorque, e dos 70, em Buenos Aires.  Agora, estão na expectativa de definir para onde será a viagem dos 80. Espero que demore bastante… (risos). O certo é que, se uma só filha, neta ou neto não puder ir, aí a viagem não sai.”

É um apego afetivo tão grande, que Netinho gravou no peito, próximo ao ombro esquerdo, uma arte “eternizando” a paixão pela família, com as iniciais dos nomes da esposa, das filhas e dos netos e netas. “Eles são a razão da minha vida terrena”, diz, emocionado. “Valores cristãos e de família, para mim são inegociáveis.”

Mudança radical

Depois que o futebol de salão se tornou futsal e, sob o domínio da Fifa Futebol de Cinco, Netinho não consegue ver nem cinco minutos de bola rolando.

A mudança das regras contribuiu para isso, como o gol que pode ser feito de dentro da área, disputando a bola com o goleiro, facilitando que surjam mais gols; ou porque a quadra ficou maior e o jogo mais corrido e “até o tênis é esquisito”. Sobre o jogo de hoje, Netinho complementa:

“O atual futsal é outro jogo: quadra enorme, bola mais leve, gol de dentro da área, goleiro jogando na linha… Prevalece o condicionamento físico. Não assisto, não me atrai”

Netinho faz essas observações lembrando que, em nível nacional, jogou contra grandes nomes lá atrás e viu surgir nova safra de jogadores desse esporte em três gerações: Jackson, que começou garoto e “era um fenômeno”. Depois, Manoel Tobias e, por último, Falcão, já no futsal, que impressionava pela excepcional habilidade. “Mas penso que Falcão, no velho futebol de salão, teria dificuldade para executar todo aquele malabarismo com a bola.”

Depoimento

Hélio Tremendani, que acompanha esse esporte desde garoto, tendo sido, inclusive, membro da Federação Brasiliense de Futebol de Salão até 2022, lembrou que a modalidade ganhou a mídia televisiva porque teve um marketing poderoso.

“A Globo queria colocar o futsal na grade de programação. Para isso, precisava de estrelas e trabalhou em cima do Falcão, que era o alvo a ser marcado e se tornou ídolo da modalidade. Na época do Netinho, o futebol de salão era um jogo mais pensado, como o xadrez, não tinha essa de poder disputar a bola com o goleiro e, por isso, os placares dos jogos eram menores. Além disso, tem a quadra, que cresceu muito e mais se assemelha a um futebol soçaite em ginásio…”

Estádios

“Joguei no Mineirinho lotado e em outros ótimos ginásios pelo país afora, como o Paulo Sarasate, em Fortaleza, onde disputei os JUBs de 1972. E tenho orgulho de ter participado da inauguração do Ginásio Nilson Nelson, em Brasília, num torneio internacional, em maio de 1973. O Minas Brasília era o representante da cidade. Naquele ano eu jogava no Clube Náutico e estava assistindo aos embates, quando surgiu a notícia de que a Seleção do Uruguai havia cancelado a vinda. Qual a saída? Pegamos os atletas que estavam nas arquibancadas, todos da seleção de Brasília, e formamos um combinado ali na hora para enfrentar o poderoso Palmeiras. O prognóstico era dos piores… Perdemos de 5 x 2, que foi um bom resultado para nós. E eu anotei os dois gols. Foi marcante.”

Um esporte só

O futebol de salão fez parte da vida de Netinho, dos 10 aos 32 anos. “Nunca me empolguei com o futebol de campo. Além da peneira de que participei na Vila Belmiro, fiz poucos amistosos pelo CEUB, ainda amador, e disputei alguns campeonatos internos do Iate e do Minas Brasília. Mas a paixão era mesmo pelo salão, não me sentia confortável usando chuteiras.”

Hospital e cirurgia

“Em junho de 2020, peguei Covid. Senti um calafrio, esquisito e fui para o hospital, por insistência das filhas, onde passei a noite fazendo exames. Para complicar, também testei positivo para dengue. Fiquei dez dias internado, sozinho no quarto, pois não podia receber visita. As noites eram terríveis, início da pandemia, muita incerteza acerca da doença, e eu sem saber se retornaria para casa. Muita oração e Deus me deu o livramento”.

“Ao longo da minha vida, principalmente de atleta, só passei por um problema crônico de saúde: coluna lombar. Ao caminhar distâncias médias, sentia um formigamento e fraqueza nas pernas que me obrigavam a sentar, recuperar e prosseguir a caminhada. Isso perdurou por cerca de 30 anos, mas nunca abri mão das atividades físicas e peladas. Consultei alguns dos maiores especialistas do país, dentre os quais os renomados Campos da Paz e Lídio Toledo”.

Em 2021, cheguei ao limite da tolerância. Nas peladas, às vezes eu perdia o equilíbrio e a turma me zoava. Encontrei no Dr. Fábio Simões o médico que me transmitiu segurança.

Foram sete horas de delicada cirurgia. Os nervos estavam comprimidos, foram soltos, o formigamento passou e me trouxe ganhos significativos na qualidade de vida. “Deus presente na minha vida, novamente”, agradece.

Pouco tempo depois, Netinho estava de volta aos treinos, quando dizia aos companheiros: “Vocês vão ter que me aturar”. (risos)

E agora?

“Agora é o futebol soçaite, praticado aos sábados. Não tem terapia nem consultório de psicólogo… não tem nada melhor do que se juntar aos amigos para um jogo de bola. A gente brinca, ri, resenha imperdível após os jogos. E todos saem renovados. Minha mulher me incentiva nessa prática, sabe a importância disso na minha rotina”.

A entrevista

Galdino Neto abriu as portas de sua residência em Brasília para a reportagem do “Memória da Cultura e do Esporte” e mostrou que não foi apenas um craque, mas continua um apaixonado pelo esporte, torcedor fanático do Fluminense. Mais: ele demonstrou que tem memória exemplar e é um colecionador que se orgulha de expor os seus “melhores momentos”, num bem decorado e privilegiado recanto de sua morada. Ali estão medalhas de suas conquistas, fotos da carreira e recortes de jornais da época, contando sobre os feitos desse carioca que se tornou Pioneiro de Brasília.

A conversa terminou no Ginásio do Caseb, onde jogou há mais de 50 anos, com arquibancadas lotadas. Estava acompanhado pelo também desportista Hélio Tremendani, ex-atleta que viu esse personagem atuando em quadra, e pelo jornalista José Cruz. A foto, em frente à entrada do Ginásio, é registro dessa visita histórica

 À diretora do Caseb, Elaine, à vice-diretora, Andreia, e ao professor Igor, que acompanhou os visitantes, o nosso muito obrigado pela gentil e valiosa acolhida.

Netinho e sua inseparável camisa do Fluminense, ao lado de Hélio Tremendani e José Cruz