Amigo de Nelson Piquet conta sobre a ousada trajetória do tricampeão mundial de F1, desde que começou a trabalhar como mecânico, na oficina de Waltinho, en 1972
Por José Cruz
O capixaba Waltinho Ferrari, 83 anos, um dos pioneiros de Brasília, tem sobrenome da histórica escuderia italiana de Fórmula 1, cujo símbolo é um simpático e famoso cavalinho preto.
Faz sentido, pois as origens de Waltinho estão naquele país, mais precisamente em Génova, onde nasceu o seu pai, Américo João Ferrari, casado com Hyrentina Chaves de Menezes.
Recepção na Ferrari
Coincidência ou não, Waltinho teve o seu sobrenome vinculado à velocidade ao longo de sua vida. E até visitou a fábrica da tradicional marca, em Maranello, onde foi recebido como um legítimo “Ferrari”.
Naquela visita, foi identificado com um crachá, onde se destacava o seu sobrenome. Resultado: “Tive acesso totalmente liberado a todos os setores da empresa. Quem lia o “Ferrari” no crachá me tratava como o tal. As portas se abriam”, recorda Waltinho.
Empresário e apoiador
Waltinho foi o primeiro empresário do setor de automóveis em Brasília a acreditar e abraçar o sonho de um então desconhecido Nelson Piquet e para ele escancarou as portas da sua Mecânica Ideal, que funcionava na Quadra 513 da W2 Sul.
Era início dos anos 1970 e, sem saber que tratava com um então garoto que não sonhava baixo, Waltinho tornou-se o primeiro patrão de um sujeito que se tornaria mundialmente famoso, a ponto de conquistar o tricampeonato de Fórmula 1 (1981, 1983 e 1987).
E foi ali, com o apoio de um Ferrari, mas no anonimato e entre ferramentas, motores, óleo e graxa, que começou a consagrada jornada de Piquet. O tempo passou, a amizade e o reconhecimento ficaram e, até hoje, se visitam com frequência.
Os depoimentos de Waltinho nesta reportagem são um pouco sobre a sua vida e, principalmente, a sua convivência com o até hoje amigo Nelson.
“Desde os tempos em que morava em Brasília, Nelson nunca correu em busca de dinheiro, mas para viver os desafios e a velocidade de carros de corrida. Ele sempre foi um apaixonado por esse esporte”
O início
Waltinho tinha 16 anos e ainda em Colatina (ES) quando foi apresentado à mecânica de automóveis, começando logo a trabalhar na oficina do cunhado, Osmar Nascimento.
Curioso, quis aprender sobre o que via e, ali, perguntava e perguntava: “Porque o motor funciona assim”? “Porque o carro tem quatro marchas”?… e foi assim, curioso, que ele conheceu as engrenagens daquelas geringonças que, naquele tempo, eram pesados para dirigir, faziam muita sujeira e barulho.
Waltinho cresceu também nos conhecimentos sobre mecânica, a ponto de tomar conta da oficina quando o cunhado veio para Brasília. Tempos depois, foi a vez de ele vir morar na capital da República.
“Cheguei em Brasília em 9 de abril de 1961, quando tinha 19 anos. Fui parar na oficina da loja de automóveis Disbrave, que ficava no Núcleo Bandeirantes, onde Osmar, o meu cunhado, já trabalhava na revenda”.
Mudança de rumos
O ainda jovem “mecânico” cresceu na empresa e chegou a ocupar o cargo de chefe da oficina, mas, por um motivo ou outro, decidiu voltar para Colatina, onde o pai tinha uma fazenda. Como a vida de campo não era o que ele queria, acabou retornando para Brasília em 1963 e aqui se fixou em definitivo.
Jovem, Brasília ainda tinha carências diversas, como a falta de oficinas mecânicas, e esse chão Waltinho Ferrari já conhecia muito bem. Foi assim que comprou a “Regulagem Ideal”, em sociedade com o pai, negócio fechado meio a meio. O prédio da Ideal foi dividido ao meio. A parte da frente, na W3 Sul, ficava a loja de autopeças; a de trás, pela W2, a mecânica, que se tornaria referência na cidade.
“Logo ganhamos muitos clientes, o Correio Braziliense, inclusive, que foi fundado no mesmo dia de Brasília, 21 de abril de 1960”, lembra Waltinho. Lembra, também, que foi com Ary Cunha e Alberto de Sá Filho, então diretores do jornal, que fez um contrato para cuidar da frota de Kombis da empresa.
Carros de corrida
Naqueles tempos, alguns clientes apaixonados pela velocidade queriam fazer carros de corrida, pois aqui já havia provas de rua, como Os “Mil Km de Brasília”, que largava à meia noite. A primeira edição foi em 1962, Waltinho estava lá.
“No ano seguinte entrei na corrida com um carro que preparei para um piloto muito bom que tinha aqui, Aray de Paula Xavier. Era um Fusca e terminamos a corrida em sexto lugar. Naquela época, a equipe Hollywood, de São Paulo, era muito forte e ganhava tudo”
Parceiros
Aos poucos, a Mecânica Ideal foi se tornando referência e ponto de encontro dos apaixonados por carros de corrida, entre eles Pedro Leopoldo, o Pedrão, Ruyter Pacheco e Marcos Emílio. Outro local onde essa turma se reunia era num pequeno circuito, construído pelo Major Lima, no estacionamento do “demolido” estádio Pelezão, na saída Sul da cidade.
Primeira vitória
“O meu primeiro grande resultado veio em 1965, quando ganhamos a corrida com um carro pilotado por Aray de Paula Xavier, um bom piloto aqui de Brasília. Fiquei emocionado, pois os jornalistas ficaram me conhecendo e faziam reportagens sobre o carro e citavam a Mecânica Ideal. Foi nesse ano que começaram a pensar na construção de um autódromo, que acabou inaugurado em fevereiro de 1974”.
Waltinho conta o lado triste dessa parceria com Aray:
“Aray foi disputar a Fórmula Ford Inglesa. Numa certa largada, com ele na pole, a segunda marcha não entrou, o carro perdeu a velocidade e o que vinha atrás bateu forte e ele morreu. Foi um momento muito triste…”
Aparece um menino…
Foi nessas corridas na pista do estacionamento do Pelezão, início dos anos 1970, que começou a aparecer um garoto curioso por motores. Era Nelson Piquet, filho do deputado federal, Estácio Souto Maior (1913 – 1974), que era casado com Clotilde Piquet.
O pernambucano Estácio, filiado ao PTB e que, mais tarde, se tornaria ministro da Saúde no governo do presidente João Goulart, era formado em Medicina. Ele não gostava do ambiente de corridas frequentada pelo filho, Nelson, um “garoto preguiçoso, que só quer saber de automóveis”, dizia.
Fosse pela vontade do pai, Nelson teria sido um destacado tenista, modalidade que chegou a praticar nos Estados Unidos, onde morou e estudou por um ano, com boa classificação no ranking norte-americano. Porém, Nelson voltou para o Brasil e, de novo no ambiente da velocidade, descobriu a Mecânica Ideal.
Drible do Fusca
Curioso, perguntando e lendo muito sobre motores e carros, Nelson começou a dirigir, emprestado, o Volkswagen de sua mãe, Clotilde. Nessa época ela já tinha conquistado o bicampeonato brasileiro de kart, 1971 e 1972.
Nesses empréstimos do carro da Mamãe Clotilde, ele dizia que faria uma revisão no carrinho. Porém, na madrugada, ele retirava o motor original e colocava outro, por ele preparado, “envenenado”, como se dizia na época. O disfarce daquele “projeto de piloto” era complementado com o nome, “Piket”, para não alertar a família, quando saía nos jornais o nome do vencedor, o que se passou a se tornar frequente.
O “carrinho” de Dona Clotilde tornava-se um avião. Voava na pista até Goiânia onde, no domingo, Nelson fazia a festa no pódio. Logo depois, voltava para Brasília, recolocava os pneus e o motor originais e devolvia o carro à dona.
Numa dessas corridas, Waltinho foi ao boxe de Nelson. Queria saber, afinal, quem era aquela “abusado” que seguidamente estava no pódio?
“Meu pai é médico, não quer que eu corra. Me mandou para os Estados Unidos para estudar e jogar tênis. Mas eu não gostei daquilo e voltei”
Ousado
“Conhece aquele cara que sabe que tem a possibilidade de ganhar dos outros? Então, esse era o Nelson, iniciando carreira”.
O carro de Dona Clotilde era um fusca azul, nem “Santo Antônio” – proteção para o piloto, no cockpit, principalmente nas capotagens – tinha, pois isso descaracterizaria a originalidade do carro.
Waltinho gostou da ousadia de Nelson e o convidou para visitar a sua oficina mecânica, na 513 Sul.
“Tenho uma oficina na 513 Sul. Aparece lá”, convidou Waltinho. E na hora já ficou sabendo que Nelson queria correr as 100 Milhas de Interlagos.
Waltinho acho bom conversar com o doutor Estácio e o que ouviu dele foi o seguinte:
“Lá em casa, ele (Nelson) larga tudo. Nem aparece pra comer, só vive pensando em carros”
A manifestação era como que entregando os pontos. Algo como “eu tentei investir nos estudos e no tênis”… Mas, o jovem Nelson Piquet estava decidido a ousar mais e mais no automobilismo de competição. E assim foi.
Seis marchas
Quando Waltinho chegou em São Paulo, na véspera de uma corrida, Nelson já estava classificado, num grid que tinha dois carros da equipe Hollywood em primeiro lugar e ele, Nelson Piket, em terceiro. Ao final da prova, o Fusca n° 13 chegou em quarto lugar.
Com a evolução do jovem piloto, logo surgiu um “carrinho novo”, um Fusca preto, nº 13, que também fazia misérias nas pistas brasileiras.
“Nas grandes provas nacionais, os Maverick corriam na frente, mas Nelson ultrapassava nas retas. O que esse fusca tem? Queriam saber os demais pilotos e mecânicos sobre o desempenho daquele “carrinho”. Até levantaram o Fusca, ficaram olhando e foi quando viram as seis marchas, ideia de Waltinho, logo absorvida pelo piloto.
“Nelson andava muito bem. Nas retas, os demais carros ficavam na quarta marcha, quase estourando o giro do motor, enquanto ele ainda tinha duas marchas para esgotar, a quinta e a sexta. Ele sabia o que estava fazendo e se divertia com aquilo”
Por conta desses desempenhos, apareceram patrocinadores. O depoimento é de Waltinho Ferrari:
“O Fusca parecia um jornal, cheio de anúncios”!
Tinha a Induspina, a Ideal, Pneulândia, Brasília Importadora, Focal… Foi uma brincadeira séria pra cachorro. Era tudo feito com muito entusiasmo, no peito! Não tinha plano. O plano era correr e vencer. A criatividade de Nelson era impressionante. Foi aí que o pai dele se convenceu de que não tinha mais volta, mas ficou muito brabo com os rumos do filho…”
Em São Paulo
Em 1972, quando Emerson Fittipaldi apresentou a Lotus aos brasileiros, no Buffet Baiuca, Nelson Piquet estava lá e foi a oportunidade para conhecer a elite do automobilismo brasileiro e os principais pontos de venda de peças de carros de corrida. Passava o tempo, as corridas se sucediam e Nelson avançava em categorias.
A grande sacada
No ano de 1973 Nelson foi para São Paulo para estudar mais sobre carros e conversar com Emerson Fittipaldi sobre o mundo da velocidade. Numa dessas conversas, foi apresentado ao paulista Eduardo Prado, que era o dono das poderosas fábricas Arno e Brastemp, que convidou Nelson para um jogo de tênis.
Foi quando Nelson ficou sabendo que “a turma de Brasília” já era conhecida no mundo da velocidade brasileira. O empresário Eduardo Prado gostou do que ouviu sobre a equipe que tinha resultados nacionais e elogiou: “Deus ajuda a quem trabalha”. E colocou dinheiro para apoiar o trabalho de Nelson. “Mas era muito dinheiro”, recorda Waltinho.
Em Goiânia
O Autódromo de Goiânia completa 50 anos este ano. Nelson correu muito naquele circuito, inclusive na inauguração, em 1974. Waltinho Ferrari ainda hoje se espanta com “as loucuras” daqueles tempos.
“Nelson quis ir para as 12 Horas de Goiânia”, inauguração do Autódromo. Fizemos uma vaquinha, fomos à loja Confort, na 512 Sul e comprei um Opala que tinha lá. Nelson ficou doido. Tirou o cabeçote, aumentou a potência, fez o Santo Antônio, tudo certinho, e fomos para Goiânia; eu, Nelson, Pedrão, Ruyter Pacheco e Pedro Leopoldo”, conta Waltinho.
“A largada era a meia noite de um sábado. Tinha carro pra caramba. Quatro eram da Hollywood, forte equipe de São Paulo. Nelson com o dele, da Ideal Induspina, Focal e outros patrocinadores. Na classificação, ficamos em sétimo lugar, num grid de 40 pilotos. Nelson era doido. Queimou na largada e já assumiu a terceira posição. Como era noite, numa pista sem iluminação, ninguém viu. Ele era doido”, repete Waltinho.
E insiste: Doido!!! Sabe o que é doido? É muito mais do que você pensa”!
Raiou o dia
Quando o domingo raiou, Nelson continuava entre os primeiros. Entregou a direção do Opala nº 15 para o Pedrão e, depois, para o Catanhede, o Catanha. Meio dia, final da corrida: Nelson em quarto lugar e ganhou “mais um dinheirinho”… Os mecânicos, da Ideal, ficaram animados com o que estavam fazendo, pois os resultados na pista apareciam e o nome de Nelson Piquet ganhava mais e mais espaço na mídia.
Circuito Brasileiro
No Circuito Brasileiro de 1974, com provas em Goiânia, Brasília, São Paulo, Tarumã e Cascavel, lá estava Nelson. Tinha o Ingo Hoffman, Chico Serra, Chico Lameirão… só fera da velocidade. No segundo ano desse circuito, Nelson bateu todos na pista. Estava com 22 anos.
As provas em São Paulo contavam pontos para dois campeonatos, o Brasileiro e o Paulista.
“No Brasileiro, ganhamos todas as corridas. No final da temporada, ganhamos os campeonatos Brasileiro e o Paulista. O motor do carro era feito aqui na Ideal, sem equipamentos de precisão, nada! Tudo na cabeça, no cálculo. O Super V que ele pilotou era sem teto, era como um Fórmula Ford.”, conta Waltinho, orgulhoso de seus feitos ao lado do amigo que ganhava prestígio no circuito da velocidade nacional.
Todos ficaram de olho grande no Nelson. Numa dessas corridas, em Goiânia, queriam bater nele. “Quem é esse moleque aí”? – indagou certa vez Wilsinho Fittipaldi. Era um tal de Nelson, com uma turma de Brasília. Não se podia dizer que era Piquet…
Super V
Em 1976, embalado com o desempenho nas pistas, Nelson entrou na Fórmula Super V, considerada uma categoria “escola” da velocidade. O carro tinha chassi parecido com o de um F1, motor de Fusca e câmbio da Fábrica Polara. Nelson Piquet comprou um carro desses, de Ronaldo Rossi e Ricardo Ascar, empresários paulistas da Polara.
A ousadia daqueles tempos sem dinheiro e de investimentos no “amor e na raça” é reforçada com mais esse depoimento de Waltinho Ferrari:
“Numa certa etapa do Brasileiro, em Tarumã, no Rio Grande do Sul, era preciso comprar mais um jogo de pneus. Mas não havia dinheiro, só o suficiente para a passagem de volta para Brasília. Foi então que Nelson falou mais alto e com convicção:
“Compra os pneus que eu vou ganhar o dinheiro da largada (pole) e o da chegada, aí compramos as passagens”
Não deu outra. O roteiro foi cumprido na pista.
Apoio
Enquanto isso, na Mecânica Ideal, duas Kombi batidas estavam num canto. Uma acabada na frente, a outra, atrás. Nelson orientou os mecânicos para que serrassem no meio os dois carros e emendassem as partes boas, fazendo um carro de apoio.
“Nelson era assim, inventava! Mas inventava certo. O pai dele quase matava a gente, porque não se parava, era só carros e corridas. Mas eu não podia fazer nada”, recorda Waltinho sobre aqueles bons tempos.
Novo patrocínio
Prestigiado com dois títulos, Nelson ganhou novo patrocínio, a Brasal, empresa que ainda hoje tem nome forte no comércio de Brasília.
“Compramos a parte da oficina do pai , a nossa prioridade era o automobilismo, mas não esquecíamos os carros de passeio dos clientes”, conta Waltinho. Para isso, a Ideal tinha 22 funcionários, entre mecânicos, lanterneiros, pintores, vendedores de peças…
“Todo mundo torcida pra gente. Mas, trabalhávamos muito, até na madrugada. Quem tinha dinheiro botava no carro de Nelson, porque carro come muito dinheiro”…
Rumo à Europa
O Brasil já estava conquistado em termos de velocidade. A grana, agora, era para financiar a ida de Nelson Piquet para a Europa. Nessa época, 1977, Emerson Fittipaldi já era bicampeão mundial de F1.
“Eduardo Prado foi fundamental nessa saída de Nelson para a Europa. Nelson não era só um bom piloto, mas um piloto cheio de ideias, que sabia modificar bem os carros e acertar os motores que iria pilotar”, recorda Waltinho.
Precaução
Nessa primeira viagem ao exterior para entrar no mundo da velocidade, Nelson tomou precauções a partir da segurança do principal patrimônio, a grana.
Com medo de ser assaltado ele comprou uma bota de número bem maior do que usava. Com isso, sobrava espaço no bico do calçado, onde ele escondia o dinheiro que levava.
“Nessa viagem eu não fui e ele foi com o Pedrão. Nelson conheceu gente importante e fábricas de carros de encher os olhos. Viajando, ele fazia planos e mais planos”, conta Waltinho.
Na Inglaterra, Nelson comprou um carro e alugou um boxe no circuito de Silverstone. Depois, comprou um ônibus-trailer que carregava o carro, também.
Visitas
Waltinho lembra mais sobre aquelas investidas fora do Brasil:
“De vez em quando eu ia para a Europa. Passava um frio danado, comia quando podia. Ficava um mês e voltava. Fazia planejamento de tudo o que tínhamos conversado. No segundo ano de Europa, Nelson foi vice-campeão inglês. Ele vendeu o carro e foi disputar a Fórmula Ford Inglesa. Ele era mesmo um ótimo piloto. Fazia o que gostava e não era para ganhar dinheiro pra ele mesmo, mas pra gastar em novos carros, viagens de competições e equipamentos”
“Quero mais”
O empresário Eduardo Prado gostava do desempenho de Piquet e decidiu renovar o contrato para que o jovem piloto continuasse na Europa. “Vamos para o segundo ano de parceria. Vamos correr o Campeonato Inglês de Fórmula 3”, decidiu o empresário. Nessa época, outro brasileiro já morava por lá, Roberto Pupo Moreno, que viria a correr de Fórmula 1 e, mais tarde, de Indy.
“Nelson acabou ganhando o Campeonato Inglês de F3. Enquanto a imprensa daqui falava em Chico Serra, Nelson ganhava fama lá fora”, compara Waltinho, em tom de desabafo sobre a evolução do amigo no automobilismo de competição
E a conquista veio, na análise de Waltinho, sem a estrutura das equipes de hoje. Não tinha jatinho nem iate nem aproveitando a grana da melhor forma possível, sem desperdícios.
“Naquele tempo, sem fugir do regulamento, Nelson fazia o carro do jeito dele. Das 16 corridas que fez na Fórmula 3, ganhou 13!!! As outras três ele perdeu porque batiam na traseira do carro dele”, conforme depoimento de Waltinho.
E agora?
Segundo Waltinho, nos tempos de agora, já sem as “loucuras” de Nelson, naqueles tempos de grande paixão pelo automobilismo de velocidade, o Brasil tem bons pilotos. Mas… não tem muito dinheiro. E competição de carro precisa de muito dinheiro.
“Os que estão lá na Fórmula 1 têm muita grana. Não tem limite de gasto, não tem limite de orçamento, tem o que precisa pra gastar. A Ferrari, por exemplo, tornou-se uma coisa de louco. E vale muito por causa do nome”
O tricampeonato
Com dois títulos conquistados, 1981 e 1983, Nelson voava baixo na Fórmula 1. E veio o tricampeonato.
Em 29 de outubro de 1987, o piloto inglês Nigel Mansell acordou mais cedo e foi treinar na pista der Suzuka, no Japão, onde seria disputada a prova final da temporada. Piquet tinha 12 pontos de vantagem, se consagraria com um segundo lugar.
Porém, Mansell bateu durante o treino livre e os médicos o aconselharam não disputar a corrida, devido as contusões sofridas. Sem o principal adversário pelo título na pista, o tricampeonato de Nelson Piquet estava garantido.
Enquanto isso, Nelson dormia, em casa, segundo Waltinho Ferrari.
Ao saber desse desdobramento, Geraldo, irmão de Nelson, correu para o quarto do piloto a fim de informá-lo que ele já era o tricampeão mundial. Piquet não gostou da gritaria e reclamou:
“E daí, o que esse título vai mudar? Amanhã continuo sendo o mesmo cara, vou acordar, fazer xixi, tomar café, treinar, correr… tudo normal, igual aos outros dias”, esbravejou o brasileiro da equipe Williams Honda.
E conclui: “Deixa eu dormir, pô”!
Enfim…
Em recente depoimento para a história do automobilismo brasileiro, o repórter e comentarista de velocidade, Reginaldo Leme, confirma esse comportamento do tricampeão. Reginaldo contou que, certa vez, um grupo de jornalistas insistiu, numa coletiva, para que as histórias de Piquet fossem contadas em um livro. Sorrindo, ele respondeu:
“Vocês não entenderam…
Eu não não quero ser lembrado!
Eu quero é ser esquecido”!
Waltinho Ferrari
Em duas manhãs ensolaradas, Waltinho Ferrari conversou com a reportagem do portal da “Memória da Cultura e do Esporte em Brasília”.
Com excelente memória, ele guarda cada momento vivido no mundo da velocidade e, em especial com o “amigo Nelson”, com quem se relaciona até hoje, em visitas constantes. Nessa jornada de empresário no segmento do automobilismo, Waltinho teve a companhia da mulher, Aldaraci, que cuidava da retaguarda do trabalho do marido e colecionava as reportagens publicadas na imprensa.
Numa das conversas, Waltinho revelou que, entre 2002 e 2022, leu a Bíblia 22 vezes. E está interessado em nova leitura. No mundo atual, segundo ele, “é preciso ler a verdade de Cristo. E a Bíblia tem essa verdade”.
Waltinho é pai de Sandro, Sandra, Waltinho Jr e Felipe.