21 de novembro de 2024

Pioneiro bom de bola; e de chute potente!

Por Hélio Tremendani e José Cruz

Solon Doelinger Vianna Antunes está em Brasília desde janeiro de 1961. É um “pioneiro”, como são chamados os que aqui estão desde o início da nova Capital e contribuíram para formar uma nova sociedade, atualmente com quase três milhões de pessoas.

Lá se vão 63 anos dessa convivência em que boa parte do tempo de Solon foi dedicado ao futebol, trabalho e estudos, nem sempre nessa ordem. No início, jogando nos times das construtoras, que usavam esse esporte para dar um pouco de lazer aos seus funcionários, numa cidade ainda sem vida noturna e deserta de diversões. Como outros pioneiros que neste site já registraram as suas memórias, ele foi personagem de passagens que conta nesta entrevista.

Foto: José Cruz

As construtoras investiam em bons jogadores para ter bons times, mesmo no início, quando o futebol ainda era amador. Tínhamos o Pederneiras, o Nacional, o Rabello, o Defelê, Guanabara, Guará, Grêmio, Colombo… Em contrapartida, as empresas ofereciam empregos aos jogadores”

 A Federação

Estamos falando dos primeiros anos de Brasília, quando as competições oficiais eram organizadas pela Federação Metropolitana de Desportos, que era um “departamento” da Confederação Brasileira de Desportos (CBD), hoje CBF.  “A Federação ficava onde hoje é a Candangolândia e foi lá que tivemos o primeiro campo gramado e iluminado da cidade”.

Origens e apoio

Até vir para Brasília, com a família, Solon, à época com 16 anos, morava em Anchieta, no Espírito Santo, uma das cidades mais antigas do Brasil. Aqui, conheceu Arnaldo Gomes, um ponta esquerda que fez nome do futebol local. Arnaldo o viu jogando e logo o convidou para integrar o time do Rabello.

“Eu era ponta de lança e comecei no infanto do Rabello, depois fui para o time juvenil, os aspirantes e cheguei ao time principal, tudo quando eu tinha 16 anos. O centroavante desse time era Otávio Barbosa, hoje desembargador, filho de Milton Sebastião Barbosa”, cujos serviços prestados à magistratura sugeriram que ele fosse homenageado com o nome do Fórum de Brasília.

“Hoje, analisando melhor, que os campeonatos de Brasília, lá no início, eram melhores do que os de agora. Porque não se tinha grandes craques por aqui e as construtoras investiam trazendo jogadores de fora, como Pedrinho, Djalma Alves, Beto Preti”

Ídolos

“Tive os meus ídolos no futebol de Brasília. Arnaldo Gomes, por exemplo. Foi um ótimo ponta esquerda do Rabello. Ele estava consagrado no futebol local depois que marcou o primeiro gol da Seleção de Brasília, num jogo contra o Santos, de Pelé. Toda aquela convivência me ajudou a sonhar em ser profissional num time grande”.

“Arnaldo também marcou um gol histórico num amistoso da Seleção de Brasília contra o Vasco, no tempo em que o ponta direita do time carioca era Paulinho, que jogou na Seleção Brasileira de 1956. Na Seleção de Brasília tinha Paulo Betti, meia armador, camisa 10, que veio do Atlético Mineiro. O goleiro era Gaguinho. Todos eram ótimos jogadores.

Lembranças

“Em 1958, quando ainda morava no Espírito Santo, acompanhei por um radinho de pilha os jogos da Seleção Brasileira que conquistou o primeiro título mundial na Suécia. Em 1962, no Mundial do Chile, eu já estava com 16 anos. Aí, já tínhamos televisão e vídeo tape, algumas horas depois dos jogos”.

Solon lembra que depois da conquista do bicampeonato, a delegação veio direto para Brasília, com Pelé, Garrincha, o goleiro Gilmar, Belini, Zagallo, Nilton Santos…

“Eu e meus amigos fomos ao aeroporto ver a chegada do time. Depois, fomos para o Palácio do Planalto onde foram recebidos pelo então presidente João Goulart, o Jango”

 O Defelê

Solon conta mais sobre a sua carreira: “Depois do Rabello, fui jogar no Defelê, time que foi tricampeão de Brasília (1961 1962 e 1963). Não tinha salário, mas tinha emprego garantido. Fui trabalhar no setor de desenho da empresa. Defelê era a sigla do Departamento de Força e Luz. Deveria ser DFL, mas o pessoal do Nordeste se atrapalhava e resolveram fazer uma palavra juntando as sílabas. Há quem diga que esse nome foi criado pelo consagrado narrador de futebol, Jorge Cury, do Rio de Janeiro. Ele veio narrar um jogo de um time do Rio e se enredou com o “De, efe e ele” e na hora adotou a sigla, lida na corrida: “Defelê”.

Já na categoria profissional, Solon (o segundo, agachado, da esquerda para a direita jogando no Defelê, que tinha um dos melhores times da cidade

Pelezinho

Nessa época, o Defelê era acompanhado por um torcedor histórico, o “Pelezinho”. Jogava futebol, mas não se destacava como os craques de então. “Pelezinho era um personagem que estava sempre no bolo, conhecia os jogadores, gostava de estar no meio sempre disposto a participar, ajudar, mas sem função específica”, conta Solon, que ainda guarda foto daqueles tempos:

EM PÉ (Da esquerda para a direita) – Pelezinho, Alailton, Pássaro Preto, Chiquinho, René Gaúcho, Zé Walter, Itérbio, Gedeon, Primo e Antônio Gomes; AGACHADOS: Marreta (massagista), Estelo, Vevé, Lino, Otávio, Solon, Perereca e Manga

Em Porto Alegre

O técnico Antônio Gomes gostava do meu jogo e me ajudou a tentar vaga outro time de profissionais. Foi assim que fui parar no juvenil do Vasco e, depois no do América. De lá fui para o Internacional, de Porto Alegre e peguei o inverno de lá, até dois graus abaixo de zero, um frio pra danar. Horrível. Os gaúchos tomavam Steinhaeger, para aquecer. Era um destilado à base de ervas, bem mais forte do que a cachaça. O presidente do clube era Arthur Dalegrave e o Colorado tinha Manga, no gol, Valdomiro, na ponta direita, Claudiomiro, centroavante. Era um grande time. Fiquei de maio a agosto em Porto Alegre, no tempo em que se jogava no Estádio dos Eucaliptos. O Beira Rio estava sendo construído.

Numa das idas do Fluminense ao Sul, o técnico Evaristo de Macedo me viu treinando e me chamou para time carioca. Aceitei a parada e fui. Mas, deu azar, O Fluminense não ganhou nenhum jogo nessa excursão pelo Sul e Evaristo foi demitido. Aí fui para o América, que tinha bons jogadores, Alex, Eduzinho e Antunes, por exemplo. Vieram as férias me vim para Brasília”.

A vez do futsal

Na volta pra Brasília, bateu o desânimo. Não havia dinheiro nos contratos, pois ofereciam emprego. Além disso, a namorada não gostava muito daquela realidade e aos poucos fui ficando sem condicionamento físico, desanimando e acabei indo para o futebol de salão, o futsal de hoje, mas continuava trabalhando na área de desenho, como projetista.

Pelezão

“O Pelezão era um bom estádio. Tinha gramado bom, depois ganhou iluminação e bons jogos foram realizados ali. Por isso foi muito triste ver ele sendo demolido para dar lugar a edifícios com apartamentos”.

Antes disso, o estádio ficou sem uso, totalmente abandonado para a prática do futebol. Até que, em determinado momento, começaram as invasões, com construções de barracos no seu interior, na área do gramado.

Estádio Pelezão, inaugurado pelo Rei Pelé, acabou sendo vendido pela Federação Brasiliense de Futebol; seu espaço foi transformado numa valorizada área residencial

Massacre

Quando chegou em Brasília, em 1961, Solon ainda ouviu repercussões do “massacre da Pacheco Fernandes”, ocorrido em 8 de fevereiro de 1959. “Soube desse fato, muito pouco divulgado, porque teria ocorrido no local onde eu jogava bola, no campo que ainda hoje é do Defelê, na Vila Planalto”, conta Solon.

Naquele ano, ainda não havia jornais em Brasília. Hoje, encontra-se registros na internet que contam que foi com esse nome “massacre da Pacheco Fernandes”, uma das construtoras de Brasília, que ficou conhecido uma investida da GEB – Guarda Especial de Brasília – contra os candangos que reclamavam por melhores condições de alimentos e alojamentos.

Os poucos registros desse caso contam que as construtoras, em geral, e o governo, à época, fizeram uma espécie de pacto do silêncio para esconder a agressão. Faltavam poucos meses para Brasília ser inaugurada e não interessava, principalmente ao presidente Juscelino Kubistchek, que tal violência ganhasse espaço nos jornais do Brasil e do mundo. Assim, a gravidade do episódio ficou escondida na história da nova Capital.

Até mesmo Oscar Niemeyer e Lúcio Costa não comentavam sobre tal episódio, cujo número de mortos é desconhecido. Mas, conforme alguns registros, cerca de 120 candangos nunca mais voltaram aos alojamentos para pegar os seus pertences, malas e mochilas, por exemplo.

No filme Conterrâneos Velhos de Guerra, do cineasta Vladimir Carvalho, o massacre é contado em detalhes por quem testemunhou o episódio. Dezenas de corpos de operários mortos teriam sido recolhidos com caminhão basculante e depositados em lugar ignorado”.

Essa descrição é do jornalista Pedro Rafael Vilela, publicado no site Brasil de Fato, em 20 de julho de 2019.

Já o jornalista Adirson Vasconcelos foi um dos poucos a acompanhar as investigações, na época, por meio da Agência Meridional, pertencente aos Diários Associados, mesmo grupo do Correio Braziliense. Em 2017, ele publicou o livro O conflito da Pacheco na construção de Brasília, com todos os documentos que recolheu durante suas apurações. Mas, nada mostra quantos operários morreram.

Estudos

Nessa fase, Solon também mergulhou nos estudos e começou a disputar competições oficiais, como os Jogos Escolares e os Jogos Universitários Brasileiros (JUBs), jogando também nos times de futebol de campo e no de salão.

“Fiz a faculdade de Marketing, educação física, antropologia e administração na UDF, depois comecei a faculdade de Direito, no Uniceub”, conta ele, revelando uma surpresa. “Na verdade, eu não gostava de estudar, mas sentia um vazio muito grande por não estar jogando com tanta frequência como antes”.

Solon jogou futebol de salão no Minas Tênis Clube, no Unidade Vizinhança e nos times formados para os JEBs e JUBs.

Depoimento

Hélio Tremendani, que acompanhava a evolução do esporte em Brasília desde o seu início, viu Solon atuando. E contou que ele era considerado “o chute mais forte do futebol de salão, em Brasília”.

Também colecionador e divulgador de histórias da cultura e do esporte na Capital da República, Hélio (na foto, com Solon) contou mais:

“Na hora bater uma falta, até a trave tremia, junto com a barreira e o goleiro adversário. O chute era potente, mesmo. Com um detalhe: Solon não corria para bater uma falta. Ficava no máximo a um passo, um passe e meio da bola. E, sem tirar maior distância, saía aquele chutaço. Raramente era bola colocada; era pancada, mesmo!”

 Carioca

Em 1974, a ARUC armou um poderoso time de futebol de salão. Era o “Carioca”, um dos melhores que a cidade já teve na sua história, pois só tinham “feras”, garantem os mais velhos. Waltinho, Axel, Arnaldo, Guaracá, Solon e Carlinhos. “Um timaço, foi tetracampeão de Brasília. Quando o Carioca ia jogar os telefones não paravam de tocar. Todos queriam confirmar o local e horário. Era uma loucura”, garantem Hélio Tremendani e o próprio Solon.

Futebol “mirim”

Na mesma época, anos 1970, surgiu outra sensação na cidade, o “futebol mirim”. Na falta de um futebol de campo mais profissional e competitivo, o futebol de salão e o mirim faziam a diferença.

O futebol Mirim ganhou esse nome porque o seu introdutor na cidade se chamava Alfredo Mirim, que trouxe o modelo do que já se praticava no Rio de Janeiro      . O jogo era numa quadra iluminada, estilo futebol de salão, que ficava na 409 Sul. Espaço aberto com arquibancadas de madeira. Lotação completa, sempre. E as competições, com regras do futebol de salão e premiação simples – troféus e medalhas –, acompanhadas por árbitros uniformizados, reuniam equipes das categorias juvenil, principal e veteranos. Tinha espaço para todas as idades.

O “estádio” improvisado na 409 Sul, sempre lotado, reunia os admiradores do bom “futebol mirim”

“Os grandes clubes da cidade na época, como o Iate e o Minas Tênis formavam os seus times para o futebol mirim. O jogo virou uma febre, durou cinco anos”, conta Solon, sem esconder um ar de saudosismo. Faz sentido. A cidade estava saindo do chão e as novidades viravam atração. Bons tempos aqueles…