Por Hélio Tremendani e José Cruz
As modernidades da tecnologia não aliviam muito a correria do dia a dia de quem trabalha, estuda, treina, viaja, joga, samba… E, nessa rotina, há um elemento indispensável a ser preservado e que está na ordem natural da família, o amor de mãe.
As mamães que o digam, preocupadas com os seus “pimpolhos”: cuidados com a alimentação, com a saúde, com o dever escolar, a indispensável educação infantil e, principalmente, a saudade, no trabalho ou quando viajam.
Mas, assim mesmo, muitas ainda arrumam tempo para comparecer ao próximo treino, viajar para disputar mais uma competição e até espaço na agenda para novo ensaio ou um desfile carnavalesco, quando o samba comanda o ritmo.
Enfim, não é exagero afirmar que as mães, atletas ou sambistas, também cumprem verdadeiras maratonas diárias, algo que corresponde a uma corrida – ou missão – de longa distância, exigindo e consumindo muito fôlego
Homenagem
Quatro mães “trabalhadoras” passaram para a Memória da Cultura e do Esporte um resumo de suas rotinas. Com esses depoimentos, prestamos a homenagem do portal a todas as Mamães, neste Domingo de Maio, data que lhes é merecidamente consagrada.
SHIRLENE COELHO
Natural de Corumbá de Goiás, Shirlene Coelho tem dois filhos: Benjamim, de 5 anos, e Elize, 3.
Com paralisia cerebral, Shirlene é destaque nacional paralímpica, consagrando-se no atletismo, onde conquistou quatro medalhas ao longo da carreira, duas de ouro e duas de prata, entre 2008, nos Jogos de Pequim, Londres 2012 e Paralimpíada do Rio de Janeiro, 2016.
Todos os troféus vieram nas provas de lançamento de dardo e lançamento de disco, categoria F37. Aos 42 anos, Shirlene, que mora em Brasília, continua treinando para tentar vaga na delegação que vai aos Jogos Paralímpicos de Paris. Ela é treinada pelo Professor Mingo, especialista nessas modalidades, e frequenta academia com regularidade para manter a forma de competidora.
Olha, não é nada fácil, mas se eu quero fazer as duas coisas que gosto na vida – ser mãe e praticar esporte. Para isso é preciso muito esforço. Treinar, viajar, competir e ficar longe da família é terrível. Quando me despeço dos meus filhos, lembro que estou indo para a competição porque é necessário, não só para tentar mais uma conquista de pódio, mas para se ter uma vida melhor, também para eles, os meus filhos.
Porta-bandeira do Brasil no desfile da delegação na abertura da Paralimpíada Rio 2016, ela faz do esporte a sua profissão e uma forma de ajudar a criar os filhos que lhe dão alegrias:
“Eu considero, sim, o esporte paralímpico uma profissão. Até porque, por mais que seja pouco, eu recebo para estar treinando e competindo. No começo é pouco, mas, depois que a gente se destaca, aí é possível se sustentar muito bem”.
CLÁUDIA CERQUEIRA
Cláudia é médica radiologista e atleta master de handebol. É mãe e atleta campeã! Jogando como pivô, ela integrou a equipe da ARUC que se sagrou campeã mundial na Croácia, em setembro de 2021.
Cláudia se desdobra na rotina de mãe e trabalhadora, com a vantagem de que os seus “cuecas”– como carinhosamente chama os filhos, Davi, 23, e Daniel, 19 anos – já são bem grandinhos. Assim, ela pode levar para o bom debate com eles os seus desempenhos também no esporte. Nesse caso, o diálogo fica mais fácil, não só pela idade dos filhos, mas porque eles praticam o handebol e outros esportes.
É dela o depoimento a seguir:
“Sempre conciliei a maternidade, medicina, família, treinos, viagens e competições. A maternidade foi um marco na minha trajetória de mãe e jogadora de handball. Compartilhar a vida desportista com meus filhos sempre foi prazeroso, pois o esporte é educador e transformador e levamos as experiências das viagens e dos campeonatos para o dia a dia com eles”
Médica radiologista, Cláudia trabalhou por 17 anos no hospital Sarah, em Brasília. Atualmente, mora em Maceió, mas sempre que pode vem treinar com suas colegas da ARUC, principalmente em época de competições importantes. “Sou uma candanga nata”. E conclui, orgulhosa:
“Filhos são a melhor bênção que podemos ter. A segunda é o handebol”.
MAKELLY OLIVEIRA
Makelly Oliveira, de 39 anos, é mãe de Anna Carolina, de 14 anos, e Davi Wilker, de 4.
Princesa da Bateria da ARUC, Makelly tem uma rotina super corrida, dividindo o tempo de trabalho na área comercial, com o de especialista em investimentos, prática de musculação e treinos de muay thai.
“Carolina me acompanha desde os três anos, quando eu era passista da Império do Guará. Minha fã número 1, ela fica toda vaidosa quando me apresenta para os amigos como princesa da bateria. Ela também é a minha incentivadora a não desistir, mesmo com as dificuldades que tenho de arrumar tempo para fazer o que amo, sambar”!
Davi, por sua vez, é um apaixonado por instrumentos. Desde bebê, ele tem contato com a música e o samba, com incentivos da mamãe e do papai.
“Ele (Davi) fala assim: ´Mamãe vamos para o samba? Mamãe, você é a minha princesa. É a coisa mais linda!”
Natural de Santarém (Pará) Makelly participava, ainda criança, de grupos de apresentação de danças folclóricas, como Boi-Bumbá, Sairé e Carimbó.
“Com a minha mudança para Brasília, em 2000, passei uns anos sem contato com a dança, mas, em 2005, comecei a frequentar o Bar do Calaff. Alguém me viu sambar e me convidou para ser passista da Escola de Samba do Guará, e foi aí que tudo começou”, revela Makelly a sua trajetória no samba.
Integrada ao samba, Markelly desfilou em Manaus na escola de samba “A Grande Familia”. Depois saiu como Musa da Águia Imperial.
“Já no ano passado, fui convidada para assumir o espaço de Princesa da Bateria da ARUC”.
CARMEM DE OLIVEIRA
Quando começou a carreira de atleta, em 1982, aos 17 anos, Carmem de Oliveira já era mamãe de Cristiane, sua primeira filha. Depois, veio Nathalia.
E foi assim, literalmente “correndo”, que essa brasiliense de Sobradinho não teve dúvidas de que as competições eram uma forma de ela se tornar atleta e fazer das corridas um meio de subsistência.
“Correndo, eu podia ganhar prêmios. O esporte se transformou numa forma de trabalho”
Com esse pensamento, Carmem foi à luta. Ou, melhor: às corridas. Atleta disciplinada teve dois expressivos resultados na sua carreira: foi a primeira brasileira a ganhar a Corrida de São Silvestre, em 1994, ano em que também se tornou a primeira sul-americana a correr a maratona abaixo das 2h30. Ela fez 2h27min na centenária Maratona de Boston, Estados Unidos.
“Porém, na relação mãe e filhas pode até parecer que não se tinha coração. Houve aniversários delas que eu estava em outro país. Eu cantava parabéns a distância. Não foi fácil enfrentar essa realidade, mas era preciso, eu estava trabalhando”, repete.
Se disserem que hoje Carmem é uma supermãe, não duvidem. É como se ela tivesse a família sob a sua proteção. Para isso, ela cultiva a tese de que precisa estar bem, antes de tudo, para que os demais se beneficiem de sua energia.
“Cuido de mim, primeiramente, da minha saúde. Também cuido das crianças, ofertando um pouco de lazer, brincadeiras, coisas que os pais, muitas vezes cansados, não conseguem fazer. Com isso, estou cuidado das filhas, indiretamente. E cuido, sobretudo, dos meus pais mostrando que ainda são fortes, incentivando-os a cada dia. Minha Mãe, Maria, está com 83 anos. Meu pai vai fazer 90”.
Politicamente bem definida na luta por uma sociedade mais justa e de oportunidades iguais para todos, Carmem conclui que 42 anos depois do início de sua carreira “as coisas não mudaram. Meus filhos têm as mesmas dúvidas que eu tinha”.
E conclui:
“Nesse sistema capitalista é preciso dar o sangue para comer, para vestir, para transitar, para estudar. As coisas não mudaram! Crianças e idosos, principalmente, continuam sem assistência médica. Os mais pobres com poucas oportunidades de estudo e de trabalho. Os problemas de antes continuam sendo os de agora. Tristemente, o Estado continua muito ausente das nossas vidas”.