Por José Cruz
O fechamento do Feitiço das Artes – Feitiço Mineiro, na origem – é mais um ambiente de referência da cultura e da boemia da cidade que se vai. Marca registrada da boa música, agora vazio e silencioso, o Feitiço encerra 34 anos de noitadas de grandes apresentações.
Último show
Dois encontros marcaram esse final. O primeiro em 30 de dezembro passado, com o bandolinista Ian Coury ocupando o tradicional palco do espaço interno.
A segunda despedida foi no último sábado de janeiro, quando a paulista de Santo André, Kathiely Santos, desde 2016 em Brasília, promoveu um “Abraço ao Feitiço”, reunindo no espaço externo “frequentadores, entusiastas, artistas, cujas histórias se entrelaçaram à do Feitiço”.
Ali compareceram os artistas que todas as segundas-feiras se revezavam no programa “Música e Poesia para Todos”, espaço aberto para os talentos da cidade e arredores.
“Era um projeto muito querido que se unia pela arte e, agora, se uniu para a despedida”, disse Kathiely.
“Ela me fez essa surpresa musical”, afirmou Joel de Oliveira, um dos três sócios do Feitiço das Artes; os outros dois eram Jerson Alvim e Djalma Queiroz.
Sem dúvidas, a Comercial da 306 Norte ficou culturalmente mais escura, sem as luzes daquele reduto de sambistas, intelectuais, jornalistas, políticos, boêmios, amantes da MPB, do bom samba, do blues, da música latina, enfim. E fica, também, a saudade do tempo em que Jaguar e Ziraldo faziam daquele espaço o reduto de lazer nas suas vindas a Brasília.
O início
O Feitiço foi criado em 1989, por Jorge Ferreira. Mineiro, professor, poeta, sociólogo, músico e amante do Clube da Esquina, Jorge também criou o Bar Brasil, o Bar Brasília, o Armazém do Ferreira, Mercado Central, Bar Brahma e o Feitiço Mineiro. O Feitiço, em especial, fazia parte dessa rede voltada para a gastronomia, o incentivo e a difusão da cultural musical.
De tal forma, que nos anos 2000 o melhor da Velha Guarda e estrelas maiores do samba nacional desfilaram naquele pequeno, mas embalado palco, em programações de Jerson Alvim: Jorge Aragão, Baden Powell, Nelson Sargento, Elton Medeiros, Monarco, Nei Lopes, Wilson das Neves, Wilson Moreira, João Bosco, Dona Ivone Lara…
Em outras épocas foram Paulinho Tapajós, Clodo Ferreira, Mart´nália, Claudete Soares, Maria Alcina, Cláudia Telles…
Quando o Feitiço completou 25 anos, em 2014, Jerson também produziu shows também inesquecíveis: Lô Borges, Beto Guedes, Toninho Horta, Wagner Tiso e Flávio Venturini. Tavinho Moura e Fernando Brant e por aí vai…
Jerson, agora com 83 anos, pediu um tempo para conversar sobre esse assunto triste do seu ambiente por décadas. Mas, o profissional que comandou o Canecão por 27 anos, em duas etapas, antecipa que, para ele, a “Era Feitiço” acabou.
Joel, por sua vez, vai insistir no projeto e afirma que poderá haver “surpresas”, pois está procurando novo local para que o Feitiço das Artes ressurja.
Entrevista
Há um ano e pouco, entrevistei Jerson Alvim sobre os tempos em que ele dirigiu o Canecão, por 27 anos, a mais famosa casa de espetáculos musicais do país, fechado em 2008, no Rio de Janeiro. O papo foi reforçado com a presença do companheiro Hélio Tremendani, carnavalesco, ex-presidente da ARUC e grande conhecedor do roteiro histórico, musical e artístico de Brasília. Naquela ocasião, Gerson terminou a entrevista com a seguinte declaração:
“Vou viver o meu dia a dia. Eu gosto é de samba”
Jerson, em entrevista ao Memória da Cultura e do Esporte em Brasília
Naquela conversa, já ficava claro que os tempos do Feitiço eram outros e surpresas não seriam novidades. A Covid foi o ponto de partida para esvaziar os espaços musicais em geral e, no caso, quem sofreu o prejuízo foi, também, a cultura brasiliense.
A entrevista com Jerson Alvim para o “Memória da Cultura e do Esporte em Brasília” está neste link.