Há nomes no esporte que têm vínculo tão forte com certa modalidade que se tornam uma espécie de referência para o segmento. No handebol, por exemplo, uma dessas “marcas registradas” é a do ex-atleta, técnico, graduado em Educação Física e gestor Abelardo Lopes Monteiro Filho. Para muitos, “o Abelardo do Handebol”, carioca, mas também ardoroso brasiliense.
Filho de pai militar do Corpo de Bombeiros, Abelardo veio para Brasília em 1964. Ele tinha seis anos e o Setor Leste, um dos mais conceituados da cidade e forte no esporte, foi o seu primeiro colégio.
Como todo garoto, Abelardo jogou futebol e era bom de bola, mas “muito violento” para a idade, reconhece. Assim, foi para o handebol, amplamente praticado na rede de ensino. Ali, se “doutrinou”, evoluiu e se fixou na modalidade.
Hoje, aos 65 anos, aposentado, Abelardo ainda se emociona ao contar a sua trajetória no esporte em geral e no handebol em particular. E, indagado sobre a grande diferença “daqueles tempos” e os dias atuais ele resume: “Tudo era feito com muita paixão”.
O início
“Comecei como jogador. Depois de algum tempo me tornei técnico e o Cota Mil foi o primeiro clube que dirigi. Mais tarde, assumi o time da ARUC, onde cresci, também, como gestor e cheguei à presidência do clube, de 2002 a 2004”
Foi assim, estudando e vivendo na quadra da competição, que ele cresceu na modalidade. No início dos anos 1990 foi convidado para ser o auxiliar técnico da Seleção Brasileira de Handebol Júnior, categoria masculina, sob o comando do gaúcho Celso Jacomini, até hoje reconhecido como uma das “feras” da modalidade no país.
Abelardo também dirigiu a Seleção Junior, que disputaria o Campeonato Sul-Americano, cuja base era o time da ARUC.
“Fizemos uma composição com alguns atletas do Rio de Janeiro e nos preparamos para o evento, mas a Confederação Brasileira de Handebol acabou nos frustrando quando cancelou a viagem da delegação para o Sul-Americano Júnior”, contou Abelardo.
Nessa época, Abelardo já estudava Educação Física na Faculdade Dom Bosco que, com a faculdade da Universidade de Brasília eram as únicas na cidade. “A Dom Bosco, inclusive, foi a primeira a comprar o aparelho “Apolo”, à época a maior modernidade para exercícios de musculação, com dez funções, e que foi adquirido com recursos da SEED MEC”.
A elite acadêmica
A Dom Bosco, ainda em atividade, foi centro de formação e laboratório de pesquisa de vários profissionais que se destacaram em diferentes modalidades do esporte.
“Tive o privilégio de ter professores de um gabarito excepcional, como Ary Façanha de Sá, que foi saltador classificado em quarto lugar nas Olimpíadas de Helsinque, 1952, os professores Domingos Guimarães, o Mingo, e Antônio Carlos Feijão, ambos do atletismo, o Pedro Rodrigues, no basquete, e quem trouxe o handebol para Brasília.
Foi nessa faculdade que Abelardo também foi aluno do Professor João de Oliveira, pai de dois atletas de alto rendimento em nível de Brasil, Ricardo e Leonardo Oliveira. “A Faculdade Dom Bosco reunia a elite da academia em Brasília, todos imbatíveis”, reafirmou Abelardo.
Além desse depoimento de Abelardo, há outros que confirmam que esse quadro acadêmico de ensino da Dom Bosco foi o responsável pelo surgimento de várias gerações de bons atletas em diferentes modalidades, que se destacaram nacionalmente, que na prática esportiva quer como técnico quer como dirigente.
“A Dom Bosco tinha ótimas equipes em todas as modalidades, algumas imbatíveis. Anualmente, éramos campeões nos Jogos Universitários de Brasília”.
Apoios
Sobre essa realidade é oportuno lembrar que produção de bons atletas e equipes ocorria sem qualquer tipo de apoio financeiro como os que se dispõe há algum tempo, entre eles a Bolsa Atleta, por exemplo, a Lei de Incentivo ao Esporte, verbas de loterias e patrocínio de estatais, como o Banco do Brasil, os Correios, Caixa Econômica, Petrobras etc.
A SEED MEC
Naquela época, anos 1970, principalmente, os apoios eram de outra forma, vinham da Secretaria de Educação Física e Desporto, a SEED MEC, órgão do Ministério da Educação, que também formulava diretrizes nacionais para o segmento “esporte”, tudo a partir da escola.
Nessa Secretaria estava instalada a “inteligência” do desporto nacional em nível público, com nomes que se destacaram internacionalmente, inclusive, como Ari Façanha de Sá, Giovani Casilo, Azauri Berezowski, Sidnei Castro, Mileno Tonissi entre outras referências ainda hoje lembradas.
Estágios
Para que se tenha uma ideia das atividades então desenvolvidas, o governo federal, via SEED MEC, firmava convênios com órgãos internacionais para propiciar o estágio de profissionais brasileiros, como técnicos de atletismo que passaram seis meses estudando em universidades da Alemanha.
A dimensão desse intercâmbio pode ser avaliada com a prática. Algum tempo depois da volta dos técnicos de seus respectivos estágios, o Brasil deu um salto de qualidade no atletismo, por exemplo, com o surgimento de vários destaques, entre eles Joaquim Cruz (duas medalhas olímpicas, ouro e prata, nos 800m), Eronildes Nunes de Araújo, tricampeão pan-americano dos 400m com barreiras, entre outros.
O segredo
Antes de encerrar a entrevista, quis saber de Abelardo qual, na sua avaliação, o grande negócio, qual o segredo para a qualidade do esporte naqueles anos do início de Brasília. Afinal, qual o motivo para tantos bons resultados?
Sem rodeios, Abelardo repetiu: “Era a paixão. Eu era simplesmente apaixonado pelo que fazia, e assim ia buscando resultados. Vibrava-se muito não só com a conquista de um título, mas com o surgimento de um novo jogador, com o sucesso de um novo técnico, enfim. Tinha prazer em fazer e fazer bem-feito. Não pensava em dinheiro. Queria quadras, bolas, equipes, treinos, espaços para jogar, competições. Tínhamos muitas equipes em todas as modalidades e isso fazia a diferença, como o Caseb, o Setor Leste, Elefante Branco, o CIEF, Cruzeiro, o CEMAB, que era o Centro de Ensino Médio Ave Branca, o Colégio Marista, que sempre foi uma força no esporte. Enfim”…
E hoje?
“Hoje o handebol tem atletas de uma forma análoga às outras modalidades, como o vôlei, o basquete… A fartura de jogadores que tínhamos à disposição fez com que tivéssemos destaques nacionais e muitos em condições de atuar no exterior, como Gilberto Cardoso, Jorge Félix, Leninha, Ana Paula, o goleiro Carlos André, um dos melhores que já vi jogar no Brasil. Eram atletas de alto rendimento que seriam atletas de ponta no exterior, com certeza. Repare, temos um time feminino, da ARUC, que conquistou o Campeonato Mundial Master. São jogadoras daquele tempo, atualmente ainda em atuação nessa categoria. Que apoio elas têm do empresariado para se dedicarem mais ao esporte”?
Depoimento
Ex-atleta e ex-presidente da ARUC, Hélio Tremendani conviveu com Abelardo “naqueles tempos”. Conheceu o “moleque” nas suas origens e acompanhou a sua evolução. Por isso, tem autoridade para prestar este depoimento:
“Abelardo foi jogador, atleta, handebol, futsal, futebol de campo CEUB. Jogou no Humaitá, no Brasília, era lateral, tinha ligações com o Carnaval, desfilava no Barril, anos 1970, 1980… No handebol, foi treinador vitorioso do Cota Mil e criou um time da ARUC, que arrebentou aqui e no exterior. Sagrou-se campeão brasileiro juvenil, adulto quando conquistou respeito nacional. Paralelamente, foi diretor do Departamento de Educação Física no Colégio Objetivo da UPIS e do CEUB, além de ter presidido a ARUC, uma das forças do esporte na cidade, em especial o handebol. Até hoje o pessoal considera o Abelardo a figura mais importante do handebol, pois provocou a mudança na modalidade em Brasília, começou uma geração de federados e conquistou tudo que foi título possível”.