Por José Cruz
Foi pequena a manifestação nos estádios, mas não passou despercebida a data de 29 de outubro, quando Mané Garrincha completaria 90 anos. Manoel Francisco dos Santos, o Mané, morreu muito cedo, em 20 de janeiro de 1983, aos 50 anos de idade.
Bicampeão
Não é demais lembrar que o endiabrado ponta direita, eterno craque do Botafogo, sagrou-se bicampeão mundial, em 1958, na Suécia, e em 1962, no Chile, a sua maior Copa. Jogou com outros craques, como o capitão Belini, o lateral Nilton Santos e os atacantes Didi, Vavá, Pelé, Zagallo e Amarildo.
Amarildo, assim como Garrincha, Didi e Zagallo era do Botafogo. Ele entrou no lugar de Pelé que, já no segundo jogo, contra a Tchecoslováquia, sentiu um estiramento na coxa. A recuperação foi lenta e não foi possível que voltasse a campo naquela competição.
Foi assim que Garrincha chamou a si a responsabilidade pelas jogadas do ataque brasileiro. Jogou muito e acabou eleito o melhor jogador do Mundial do Chile, terminando a competição como artilheiro, ao lado de Vavá, com quatro gols.
Amigos
Nas histórias que contava aos jornalistas, quando morava em Brasília, Nilton Santos dizia que ele e Mané Garrincha eram muito parecidos. Ambos tinham origem de locais humildes, simples, não viam maldade nas pessoas, eram ingênuos, até. E gostavam, antes de tudo, de uma atividade só: jogar bola. Nilton era do distante bairro da Ilha do Governador e Mané Garrincha do município de Pau Grande, interior do Estado.
“O Rio de Janeiro era uma cidade grande e éramos carentes. Toda pessoa que se aproximasse era bem-vinda. O que queríamos era ajuda. Todas essas características comuns serviam para nos aproximar cada vez mais”.
O texto acima é de Nilton, em seu livro, “Minha Bola, Minha Vida”. A convivência dos dois no Botafogo se fortaleceu e Mané, inclusive, transformou Nilton no padrinho de sua sexta filha, Maria Cecília. Eram “compadres” e assim chamavam um ao outro.
Homenagem
Enquanto teve saúde, Nilton homenageava Garrincha, depois de sua morte, todos os anos, no dia 29 de outubro. Nessa data, ele ia para a sua chácara, em Brasília. Acordava às 6 horas e se isolava num canteiro com flores, onde acendia uma vela e ali ficava, por até uma hora, em oração e lembranças silenciosas. Naquelas datas era visível a tristeza do amigo. Era dia em que falava pouco, demostrando que estava mesmo concentrado na lembrança do amigo que tinha partido tão cedo, aos 50 anos.
O último jogo
A despedida de Garrincha dos gramados foi melancólica. Em um jogo promocional que lhe rendeu algum dinheiro, iniciativa de outro amigo, Manoel Esperidião, à época presidente da Associação de Garantia do Atleta Profissional (Agap), de Brasília, Garrincha entrou em campo pela em 25 de dezembro de 1982, no estádio Adonir Guimarães, em Planaltina, com cerca de 12 mil pessoas presentes.
O jogo foi num sábado de Natal, chuvoso, e Garrincha jogou com a camisa azul e branca do Londrina, time local que enfrentou a Seleção da Agap.
Mesmo com marcação facilitada, Garrincha nada lembrou do ponteiro direito que se consagrou mundialmente durante os 60 minutos em que ficou em campo. Os problemas do alcoolismo já faziam grandes estragos no corpo do “Anjo de Pernas Tortas”. A homenagem, porém, foi o mais importante ao grande craque e ser humano que foi. Um mês depois, em 20 de janeiro de 1983, morria Garrincha, num hospital do Rio de Janeiro.
Despedida
Em seu livro, Minha Bola, Minha Vida (Editora Gryphus – Rio de Janeiro – 1998), o amigo Nilton Santos escreveu:
“Garrincha veio para nos ensinar a simplicidade, a beleza, a humildade. Veio para se doar e, através do futebol, ser amado e sentido, e não questionado e explicado, como uma regra de matemática em que dois mais dois é sempre igual a quatro. É assim que eu prefiro vê-lo e é assim que o sinto”.