Por José Cruz
“O craque que usou os pés para se consagrar mundialmente como o melhor lateral esquerdo do século foi humilde na hora de mostrar a sua arte com as mãos”
Assim começava a reportagem que publiquei no Correio Braziliense, em 29 de março de 1999, há 24 anos, portanto. E o craque em questão era Nilton Santos, que morou em Brasília por 20 anos, retornando depois à sua cidade natal, o Rio de Janeiro, onde morreu em 2013, aos 88 anos.
Lateral do século
Sempre que possível, falo sobre Nilton Santos ou escrevo sobre esse exemplar jogador que se sagrou bicampeão mundial (1958 – 1962) e foi eleito o lateral esquerdo do século, por um colégio eleitoral de 100 jornalistas de todo mundo. A homenagem, junto aos demais eleitos, entre eles mais três brasileiros, Carlos Alberto, Pelé e Garrincha, ocorreu na abertura da Copa do Mundo da França, em 1998.
Contrato em branco
Para quem não o conheceu, Nilton Santos vestiu a camisa de um só clube, o Botafogo de Futebol e Regatas, além da Seleção Brasileira. Ele assinava contratos em branco, pois confiava que seriam honrados. Era um apaixonado pelo jogo da bola, de tal forma que escreveu em seu livro – “Minha Bola, Minha Vida” – o motivo pelo qual assinava contratos em branco:
“O que eu mais gostava de fazer na vida era jogar futebol e isso eu estava fazendo e eles ainda me pagavam. Era unir o útil ao agradável”
Escolinha em Brasília
Nilton tinha uma escolinha de futebol em Brasília. Nas horas de folga, ele ia à sede da Associação Brasiliense de Cronistas Desportivos, que ficava numa sala do antigo estádio Mané Garrincha. Ali, ouvia histórias dos jornalistas e contava “causos” do seu tempo de jogador, quando integrou a Seleção que conquistou o bicampeonato mundial, ao lado de Pelé, Zagallo, Garrincha, Didi, Amarildo… Mas, pouca gente sabe sobre a sua outra “arte”.
Entalhe em madeira
Certo dia de março de 1999, fui pautado pelo meu editor de Esporte, Paulo Rossi, para fazer uma reportagem sobre as medalhas e troféus conquistadas por Nilton Santos. Entrevista combinada, fui à casa dele e me surpreendi com uma série de pequenos quadros de madeira enfeitando a parede, todos entalhados e pintados com cores fortes. Na conversa, Nilton revelou que aquela arte era de sua autoria e que eram feitas em seus momentos de lazer. Tratava-se de uma prática que ele mantinha em segredo, pois não gostava de se “exibir”, como afirmou. Avisei ao “chefe” sobre o que estava vendo, pois a pauta mudara diante do que encontrei. Esqueci os troféus e conversei sobre o seu lado de artista do entalhe e da pintura.
O início
Quando ainda era profissional e morava no Rio de Janeiro, Nilton Santos foi solicitado a ajudar a pequena Luciana, sobrinha de sua mulher, Célia. Na reportagem que fiz, publiquei o que ele me disse: “Gostei de trabalhar com aquele material, que me pareceu uma coisa divertida. Mas, ao contrário do futebol, onde fui profissional, nas artes eu sou mesmo um amador e não quero saber de exposições”.
Personagens
Os quadros refletiam, também, a infância e juventude de Nilton Santos, com torres de igrejas, morros, natureza, homenagens ao Botafogo e, é claro, passarinhos, uma de suas paixões. E desenhos de personagens de histórias infantis, entre eles Garfield, o gato que odeia segundas-feiras… Nilton também esculpiu em madeira frases de efeito, como essas: “Seja bem-vindo, mas não fale mal do Botafogo”. E uma, que expressava a malícia carioca, dizia o seguinte: “Se você me ver abraçado com mulher feia pode apartar que é briga”.
Grande Nilton! Muita saudade desse grande campeão!