Por Hélio Tremendani e José Cruz
Ronaldo Pacheco de Oliveira Filho é carioca, mas mora em Brasília desde 1960. É um apaixonado pela capital da República, pelo ensino acadêmico, pelo esporte, em geral, e o basquete, principalmente.
Lembranças
No esporte, Ronaldo teve uma “juventude de luxo”: ele treinou e jogou ao lado de um craque campeão panamericano (1987) e um dos destaques mundiais na modalidade, Oscar Schmidt, que aqui morava.
Maior pontuador da história do basquete (49.737 pontos) e cestinha dos Jogos Olímpicos (1.093 pontos), Oscar foi consagrado com o seu nome gravado no Hall da Fama da Federação Internacional de Basquete, na cidade de Springfiel, Massachusetts (EUA).
Comecei a jogar com Oscar, éramos infantis, e isso deu rumos à minha vida. Oscar era um alucinado. Com 14 anos, já tinha um metro e noventa e poucos de altura. Ele treinava muito, arremessava sem parar. Não tinha nada de mão santa, era mão treinada, mesmo!
Ronaldo, por sua vez, poderia ter evoluído como jogador profissional na geração de Oscar. Ele fez parte de todas as seleções de Brasília, desde as de base, e jogou nos principais times da cidade: Vizinhança, AABB, AEB (hoje Apcef) e Motonáutica. Cuidou de escolinhas de basquete e se apaixonou por orientar garotos na iniciação do esporte e dar treinos, quando ganhou os seus primeiros salários no basquete.
Ronaldo parou de jogar aos 30 anos, tomou o rumo da academia e das quadras escolares, inicialmente como professor concursado do Governo do Distrito Federal, e universitário, adiante, mas sempre vinculado ao basquete.
O currículo de Ronaldo inclui mestrado em Educação Física pela Universidade Católica de Brasília, especialização em Psicologia do Esporte, pela UnB, e registros de uma longa atuação como técnico e coordenador técnico, e auxiliar técnico campeão brasileiro, numa carreira que o capacitou a dividir espaço em comissões técnicas que se consagraram na cidade.
Projeção
Porém, foi respondendo ao desabafo de dois atletas, que o Professor Ronaldo Pacheco de Oliveira Filho se tornou conhecido nacionalmente, quando listou 28 pedidos de desculpas aos atletas brasileiros (texto mais abaixo).
A mensagem em questão saiu depois que o ginasta brasileiro, Diego Hypólito, sofreu uma queda na prova final de solo, nos Jogos Olímpicos de Pequim, em 2008.
Decepcionado com o seu desempenho, Diogo chorou. Ele era uma das esperanças de medalhas na competição. Na entrevista final, ainda abalado, Diego surpreendeu em humildade:
“Peço desculpas aos brasileiros. Treinei muito bem, tudo certo, e não sei o que aconteceu… Mais do que ninguém, eu queria essa medalha”
No mesmo evento, o judoca peso médio (90kg), Eduardo Santos, também não foi ao pódio, chorou e se desculpou:
“Peço desculpas a meu pai e minha mãe por não ter sido competente o suficiente para derrubar os adversários”
Resposta
Surpreso com o que ouvira e conhecendo a realidade brasileira, Ronaldo traçou uma radiografia do esporte na forma de “desculpas”, identificando as falhas de nossas estruturas física, humana, técnica, educacional, etc, relembrando os desmandos do setor em nível de governos. O rosário de desculpas é uma triste realidade, mas uma preciosidade para reativar memórias. E foi isso que tornou o professor Ronaldo conhecido nacionalmente. Confira:
“Desculpem pela falta de espaços esportivos nas escolas”;
“Pela falta de professores de educação física nas séries iniciais;
“Pelas escolinhas mercantilizadas que buscam quantidade de clientes e não qualidade de aprendizagem”;
“Desculpem pela falta de incentivo na base”;
“Desculpem pela falta de praças esportivas”;
“Desculpem pelo discurso de que “o esporte serve para tirar a criança da rua” (é muito pouco se for só isso!)”;
“Desculpem pela violência nas ruas que impede jovens de brincar livremente, tirando deles a oportunidade de vivenciar experiências motoras”;
“Desculpem se muito cedo lhe tiraram o “esporte-brincadeira” e lhe impuseram o “esporte-profissão”;
“Desculpem pelo investimento apenas na fase adulta quando já conseguiram provar que valia a pena”;
“Desculpem pelas centenas de talentos desperdiçados por não terem condições mínimas de pagar um transporte para ir ao treino, de se alimentar adequadamente, ou de pagar um “exame de faixa”;
“Desculpem por não permitirmos que estudem para poder se dedicar integralmente aos treinos”;
“Desculpem pelo sacrifício imposto aos seus pais que dedicaram seus poucos recursos para investir em algo que deveria ser oferecido gratuitamente”;
“Desculpem levá-los a acreditar que o esporte é uma das poucas maneiras de ascensão social para a classe menos favorecida no nosso país”;
“Desculpem pela incompetência dos nossos dirigentes esportivos”;
“Desculpem pelos dirigentes que se eternizam no poder sem apresentar novas propostas”;
“Desculpem pelos dirigentes que desviam verbas em benefício próprio”;
“Desculpem pela falta de uma política nacional voltada para o esporte”;
“Desculpem por só nos preocuparmos com leis voltadas para o futebol (Lei Zico, Lei Pelé, etc.)”;
“Desculpem se a única lei que conhecem ligada ao esporte é a “Lei do Gérson” (coitado do Gérson)”;
“Desculpem pelos secretários de esporte de “ocasião”, cujas escolhas visam atender apenas, promessas de ocupação de espaços político-partidários (e com pouca verba no orçamento)”;
“Desculpem pelos políticos que os recebem antes ou após grandes feitos (apenas os vencedores) para usá-los como instrumento de marketing político”;
“Desculpem por pensar em organizar “Olimpíadas” se ainda não conseguimos organizar nossos ministérios; nossas secretarias, nossas federações, nossa legislação esportiva”;
“Desculpem por forçá-los, contra a vontade, a se “exilarem” no exterior caso pretendam se aprimorar no esporte”;
“Desculpem pela cobrança indevida de parte da imprensa que pouco conhece e opina pelo senso comum”;
“Desculpem o povo brasileiro carente de ídolos e líderes por depositar em vocês toda a sua esperança”;
“Desculpem pela nossa paixão pelo esporte, que como toda paixão, nem sempre é baseada na razão”;
“Desculpem por levá-los do céu ao inferno em cada competição, pela expectativa criada”;
“Desculpem pelo rápido esquecimento quando partimos em busca de novos ídolos”;
“Desculpem pelas lágrimas, na derrota ou na vitória, pois é a forma que temos para extravasar o inexplicável orgulho de ser brasileiro e de, apesar de tudo, acreditar que um dia ainda estaremos entre os grandes”.
Repercussão
A repercussão das “desculpas” surpreendeu. Houve até quem se apropriasse do texto e, abusadamente, assumisse a autoria. Porém, o atento jornalista Juca Kfouri encarregou-se da dar, ao vivo, crédito ao real autor. Foi assim que Ronaldo Pacheco foi parar na bancada do programa “Juca Entrevista”, da ESPN, cujo bate-papo pode ser acompanhado nesse link:
Carreira
Ronaldo Pacheco chegou a estudar dois semestres na faculdade de Direito do Uniceub. Mas, mudou os rumos em 1976 e foi para o curso de Educação Física, na Universidade de Brasília (UnB) transferindo-se posteriormente para a faculdade na Dom Bosco, onde se formou. Em 1980, concursado, assumiu o cargo de professor na Secretaria de Educação. Foi contratado pela Universidade Católica de Brasília (UCB), onde atuou durante 22 anos como professor de várias disciplinas como Metodologia do Basquetebol, Metodologia do Ensino da Educação Física, Prática de Ensino, entre outras. Também foi requisitado ao GDF pela Universidade de Brasília, onde lecionou disciplinas ligadas ao Basquetebol.
Para esse desempenho educacional valeram, também, anos como jogador de basquete.
“Fiz parte de todas as seleções de Basília, desde as de base, como o Vizinhança, a AABB e a AEB, hoje APCEF. Em seguida me tornei técnico, me apaixonei por dar treino. Assim, próximo dos 30 anos, parei de jogar e só fiquei dirigindo equipes”.
Tem mais:
“Atuei como técnico de basquetebol por 46 anos, em categorias de base masculina e feminina, de seleções do Distrito Federal, inclusive. Na temporada 2006-2007 fui auxiliar técnico da equipe Universo-BRB, adulta, que se sagrou campeã brasileira”.
Atleta especial
Ronaldo jogou com a maioria dos melhores atletas de basquete que por aqui já atuaram: Zé Mauro, Pipoka, José Vidal…
“Brasília sempre foi um celeiro no basquete”, avalia Ronaldo. E cita alguns destaques, como Arthur, Cláudio Brasília, Tonico e tantos outros que jogaram em clubes de expressão pelo país. “Todos jogavam em nível muito alto”.
Mas um se destacou e conquistou o mundo do basquete, Oscar. O fato de Oscar ter se consagrado mundialmente não foi ao acaso, segundo Ronaldo: “Desde cedo ele se preparou para ser um grande atleta. Era impressionante a dedicação dele”!
Depoimento
Hélio Tremandani, que, participava da entrevista com Ronaldo, contou que vivia intensamente o ambiente cultural e esportivo de Brasília, naqueles tempos:
“Eu vi isso que Ronaldo conta. Eu vi o Oscar treinando. Não tinha tempo ruim. E o Miúra teve muito a ver com a garra de Oscar. Ele treinava mais que um samurai. Laurindo Miúra (1953 – 2021), de origem japonesa, foi um cara que se dedicou muito a ele (Oscar), mais que ninguém. No treino, ele mandava os jogadores driblarem e pularem corda para agilizar a coordenação motora”.
Incentivo
Nas décadas de 1960 e 1970, Ronaldo já era torcedor do Botafogo. E, como todo garoto, apaixonado por futebol. Nessa época, Nilton Pacheco, um baiano que foi da Seleção que ganhou a primeira medalha olímpica do basquete brasileiro (bronze, em Londres, 1948), o incentivava largar o futebol e ir para a quadra de basquete. E assim fez.
“Um dia, Oscar estava batendo bola no Laser, colégio que estudei, e me convidou para ir jogar no Vizinhança. Aceitei e um mês e pouco depois eu já estava disputando o campeonato infantil. Isso mudou tudo na minha vida, o basquete passou a ser minha prioridade, a minha paixão principal”.
Arquitetura e basquete
A paixão se estendeu fora das quatro linhas da quadra de jogo. De tal forma, que nas suas andanças por Brasília ele identificou alguma relação de monumentos da cidade com o esporte que praticou.
Sem exageros, faz sentido, como se mostra, na série de fotos, a seguir, criada e com descrição do próprio professor, ex-atleta, técnico e dirigente. É de Ronaldo o texto, escrito sob a emoção das conquistas nacionais do clube Universo-BRB, bicampeão brasileiro adulto nas temporadas 2006 -2007, de cujo time era o auxiliar técnico. Foi o único time, fora do futebol, que mobilizou a cidade em jornadas noturnas inesquecíveis, de ginásios lotados, até a conquista final.
Lançada por Juscelino, no belo céu de Brasília, uma bola laranja flutua ao pôr do sol. Atravessa de um lado ao outro do horizonte e se deposita aos poucos sobre a catedral, que espera como uma cesta disponível aos arremessos da natureza
Nestes 51 anos de trajetória se repetiu diariamente.
Vimos e admirávamos sem perceber o que se pronunciava.
Era a vocação de uma cidade que se mostrou unida, educada, feliz e resgatada.
Um espore trouxe o nosso orgulho de volta.
Quem diria que seu nome seria citado em todos os jornais não mais por escândalos, mas pela supremacia vitoriosa no esporte nacional.
Quem diria que, um dia, o “enorme” ginásio Nilson Nelson (cuja arquitetura externa é sustentada por tabelas de basquete) seria pequeno.
Não notamos que Brasília e Basquete têm as mesmas oito letras.
Mas, eis que de repente, nos últimos cinco anos a cidade descobriu uma paixão.
Paixão por uma bola laranja que tem as mesmas linhas sinuosas dos desenhos de Lúcio Costa e Oscar Niemeyer (olhando detalhadamente vemos o desenho original do Plano Piloto)
E esta cidade se alegrou, teve orgulho em cantar seu nome.
Ginásio Nilson Nelson lotado
Redescobriu ídolos.
Cenas de jogos do Universo
Se redescobriu
Se mostrou apaixonada, mobilizada, valorizada.
Esse amor entre Brasília e o Basquete já estava escrito nas linhas básicas de sua criação.
A idade se encontrou na coincidência entre o basquete e a sua arquitetura.
Se viu refletida no espelho da paixão, emoção e da bravura.
Parabéns, Brasília!
Obrigado, Basquete!
(2011)
EM PÉ : Ronaldo – Paulão – Pipoka – Luiz Fernando – Alírio – Zé Vidal – Dr. Montenegro
AGACHADOS : Duda – Rato – Alex – Nezinho – Márcio Cipriano – Arthur – Rossi
O esporte que acredito
Ao final dessa jornada de longas convivências em clubes, na escola e na academia Ronaldo acumulou informações e ensinamentos teóricos e práticos que reforçam a tese da importância da atividade esportiva na educação e na formação do caráter dos jovens.
É de Ronaldo Pacheco o texto final:
“O esporte que acredito é movido por paixões internas, que magnetizam outras paixões, mas que mesmo sendo apaixonante (paixões, às vezes, cegam) coloca valores acima de resultados.
O esporte que acredito vê o adversário como espelho do que sou capaz de desempenhar e, por isso, devo ser agradecido pela oportunidade de enfrentá-lo, pois o enfrentando tenho a possibilidade de sabe quem sou e como estou.
O esporte que acredito respeita quem o assiste e, para isso, cada um deve dar o melhor de si para justificar a presença de quem o prestigia.
O esporte que acredito estimula a superação de limites, porém contida nos limites da ética.
O esporte que acredito prioriza a educação e não a ocupação.
O esporte que acredito tem a força filosófica do Professor Jorge Bento, a poesia de Armando Nogueira e a pedagogia de Rubem Alves.
O esporte que acredito permite que cada praticante escreva sua história a partir de experiências e ações que resultaram em vitórias e derrotas, mas que sempre o moveram para a compreensão social.
O esporte que acredito é um microcosmo da vida, e por esta razão só tem sentido vivendo-o, compreendendo-o e, acima de tudo, respeitando-o como um dos maiores instrumentos educacionais”.