21 de novembro de 2024

Arnaldo Gomes: Craque no futebol e na gestão do esporte

A ainda recente história do esporte em Brasília tem um personagem que atuou em várias frentes desde a construção da capital da República: é o carioca Arnaldo Gomes, que chegou com a família, ainda jovem, no final de 1960.

A capital tinha apenas oito meses de inaugurada e continuava com dezenas de construtoras abrindo canteiros de obras e empregando candangos.

Bom de bola, como zagueiro ou ponta esquerda, e hábil nas jogadas do futebol de salão – hoje futsal –, Arnaldo logo se envolveu com a vida esportiva da cidade e, aos poucos, assumiu cargos de gestor. Fato é que os seus feitos ao longo dos últimos 60 anos o credenciam a integrar a galeria da Memória da Cultura e do Esporte em Brasília. Confira:

Num certo dia de 1975, já diretor da Gráfica do Senado, Arnaldo Gomes foi chamado para uma conversa no gabinete do diretor geral da Câmara dos Deputados, Luciano Brandão. Para a surpresa dele, na sala de reuniões estava Oscar Niemeyer, o artista da moderna arquitetura de Brasília. O assunto seria sobre a impressão da capa do volumoso livro com a biografia dos deputados da legislatura 1975-1979.

 “O miolo do livro já estava impresso, só faltava a capa, que havia sido criada por Niemayer e tinha o desenho do Congresso Nacional como imagem principal”, lembrou Arnaldo, sem esconder, no olhar e na fala, o saudosismo daqueles tempos.

Niemayer já havia consultado uma gráfica de São Paulo para a tal impressão a cores, mas fora aconselhado por Brandão a fazer o trabalho na Gráfica do Senado, onde também teria produto de qualidade. E foi naquela reunião que Niemayer viu a prova, levada por Arnaldo. Olhou, comentou e ficou ali, por alguns segundos, analisando o que recebera. De repente, perguntou:

– Qual é o seu nome?

– Arnaldo Gomes, respondeu o diretor da Gráfica do Senado.

– Gostei da capa. Tá muito boa essa impressão, resumiu Niemeyer.

E foi assim que saiu o “aprovo”, inclusive na forma de dedicatória no verso da capa, que ainda era modelo, mas com a assinatura do artista internacionalmente consagrado. Exatamente assim:

“PARA ARNALDO GOMES, MEUS AGRADECIMENTOS. ESTÁ ÓTIMA A CAPA”.

              OSCAR NIEMEYER

Relíquia

Arnaldo guarda até hoje a capa autografada como se fosse uma relíquia, um troféu conquistado num dos tantos torneios de futebol, modalidade na qual ele também se consagrou como atleta, antes de migrar para o tênis de mesa e o de quadra, mais tarde.

Arnaldo Gomes foi um profissional polivalente nos gabinetes do Legislativo e fora deles. Presidiu a Associação de Garantia do Atleta Profissional (AGAP) e a Federação Brasiliense de Tênis por oito anos divididos em dois mandatos.

Agora, aos 81 anos, ele se delicia com as lembranças que estão em centenas de reportagens e fotografias que guardou, cada uma contando sobre um pouco das jornadas profissionais que cumpriu. São registros de jogos, de pódios, reuniões, ofícios e mensagens, feitos nos quais também foi um dos atores.

Nessas andanças, Arnaldo conviveu com astros do futebol, seus ídolos, entre eles Pelé, Zico, Gerson, Garrincha…

Arnaldo, Gerson, Platini, Zico, Rivelino e Adilson Peres, que era o presidente da Federação de Futebol de Brasília

O início

Arnaldo chegou em Brasília quando tinha 18 anos. Trouxe do Rio de Janeiro a experiência de atleta juvenil do Confiança, time de uma indústria de fiação e tecidos, no bairro de Vila Isabel. “Eu jogava no mesmo campo onde o Botafogo treinava. Foi ali que conheci Garrincha”, lembra Arnaldo. Nessa fase, chegou a ser aprovado para atuar na ponta esquerda da categoria de base do Vasco da Gama, que era treinado pelo técnico Juvenal Amaso Amarijo, que fora zagueiro titular da Seleção Brasileira no trágico Mundial de 1950. Porém, a mudança para Brasília frustrou os planos de Arnaldo vestir a camisa vascaína, o seu clube de coração, e, quem sabe, se tornar profissional.

Naquela época, com a cidade ainda sem atrativos de lazer, o futebol era a melhor saída para congregar a pequena população, atletas e torcedores em volta aos campos de pelada. Os clubes, contou Arnaldo, eram financiados pelas principais construtoras aqui instaladas e delas herdavam o nome: Rabello, Defelê (Departamento de Força e Luz), Central Clube Nacional, Guará, Cruzeiro do Sul, Colombo… E tinha o Guanabara, que era formado por servidores da Câmara dos Deputados.

“Marco Paulo Rabello era mineiro, dono da construtora que tinha o seu nome, foi quem construiu o prédio do Congresso Nacional e a Rodoviária”, lembra Arnaldo. “E o time que criou com o seu nome sempre foi forte e chegou a conquistar o tetracampeonato da cidade, de 1964 a 1967. E contava com um atacante, Nilo, que para mim era o melhor jogador daqueles primeiros tempos do futebol em Brasília”.

E tem mais histórias desse time, como o amistoso com o América, de Minas Gerais, em 1961. Para Arnaldo, esse jogo tem um valor histórico, pois o pontapé inicial foi dado pelo ex-presidente da República, Juscelino Kubitschek.

1961 – O ataque do Rabello era formado por Paulo Roberto, Zé Paulo, Nilo, Calado e Arnaldo

Entre os recortes de jornais e fotografias do arquivo de Arnaldo, tem uma histórica. Em 21 de abril de 1962 o Vasco da Gama veio jogar com a Seleção Brasília, em jogo comemorativo ao segundo aniversário da Capital. E trazia astros como o Mestre Zizinho, cracaço. Jogo foi no campo da Metropolitana e terminou 1 x 1. “Marquei o gol da Seleção de Brasília”, orgulha-se Arnaldo, ainda hoje.

Espaço para o futsal

Ainda universitário, Arnaldo jogou futebol de salão – o futsal de hoje. Ele era do time do Instituto de Ciências Humanas da Universidade de Brasília (UnB), que se tornou campeão do torneio do terceiro aniversário da cidade, em 1963. “A final foi contra o Instituto de Artes e jogamos numa quadra improvisada, armada palco da Sala Vila Lobos, no Teatro Nacional, que ainda estava em construção”, contou Arnaldo Gomes. “Tínhamos um time muito bom, que ficou famoso: Waltinho ou Alcides eram os goleiros; Axel, Arnaldo, Guará e Otávio completavam o quinteto”.

“Móveis e utensílios”

Mesmo sendo tratado de forma amadora, o futebol de Brasília já oferecia algum ganho para os melhores assinarem os seus contratos. Mas, ainda com pouco dinheiro, as “luvas” (primeira parcela do contrato) dos jogadores eram pagas com móveis ou utensílios, oferecidos pelos donos das próprias lojas, que ajudavam a sustentar o futebol naquela época. “Era assim mesmo, uma cama, uma mesa com quatro cadeiras, até uma geladeira valia”, recorda Arnaldo, ator dos primórdios do futebol na capital da República. “A Solomaq, uma loja grande na W3 Sul era uma das que ajudava o futebol doando móveis e utensílios”.

Rabello, o primeiro tetracampeão da

Capital Federal, 1964, 1965, 1966 e 1967.

Foi quando começou o profissionalismo em Brasília.

Já o Defelê foi o primeiro clube a ter

campo com gramado e iluminação

Em 1964, Arnaldo assumiu como auxiliar legislativo no Senado Federal. No concurso realizado em 1963 ele foi aprovado em 11º lugar, concorrendo com mais de três mil candidatos. “Essa colocação parece que foi uma homenagem, pois 11 era a camisa que eu usava jogando na ponta esquerda”.

Mais tarde, já formado em Administração e Economia, Arnaldo assumiu a direção geral da Gráfica do Senado, órgão do Legislativo que era conhecido, também, por ter um dos melhores times de futebol de Brasília. Nesse time Arnaldo atuou, em 1968, quando conquistou o campeonato da cidade.

– No seu tempo de jogador, quem foi o melhor no futebol de campo de Brasília?

“Foi o Nilo. Era um meia do Rabello. Jogava muito. Já no futsal é difícil escolher. Tinha o Otávio, o Guará, o Axel. Todos foram grandes jogadores”, avalia Arnaldo.

Nilo Domingos da Paz era mineiro, nasceu em Ubá, em1940. No livro do tetracampeonato da Rabello, tem o seguinte registro sobre esse jogador:

Nilo foi, sem dúvida, um dos maiores artilheiros nos primeiros anos do futebol em Brasília. Nilo era torneiro mecânico e depois trabalhou na Fundação Universidade de Brasília”.

 Gestor esportivo

Já aposentado, Arnaldo levou para os gabinetes a experiência de competidor esportivo. Em 2000, elegeu-se presidente da Federação de Tênis, sendo reeleito para mais um mandato, encerrado em 2008. “Fui o primeiro presidente eleito com voto de atleta”, orgulha-se, ainda hoje.

Arnaldo ri quando lembra que um dia foi “cartola”.

“Dá trabalho, viu? É muito incômodo” …

Durante a sua gestão, ele promoveu o primeiro torneio infanto-juvenil do Centro-Oeste, nas quadras do Iate Clube. “Outro torneio que me traz ótimas lembranças foi o Candango Bowl. As camisas usadas pelos jogadores eram assinadas por Oscar Niemeyer. A TV Globo noticiou e cobriu os jogos. Foi um sucesso”, garante.

A prática no tênis de quadra foi uma extensão do tênis de mesa, modalidade que Arnaldo praticou ainda na adolescência, jogando pelo Sesc de Vila Isabel, no tempo em que morava no Rio de Janeiro.

“Eu treinava com o Biriba, que na sua modalidade era o equivalente a Pelé e a Maria Esther Bueno, um craque no tênis de mesa”, recorda Arnaldo. Biriba era o apelido de Ubiraci Rodrigues da Costa. Ele ganhou projeção nacional ao derrotar os então campeões mundiais Toshiaki Tanaka e Ichiro Ogimura, em partidas de exibição em São Paulo, no final da década de 1950. “Ele jogava muito, mas um dia consegui ganhar um ponto sobre ele”, garante Arnaldo, recordando a ousada façanha.

Os apoios da AGAP

As AGAPs, Associação de Garantia do Atleta Profissional, foram criadas pela Lei 6.269, de 24.11.75, sendo que a de Brasília foi instalada em 1977 e está atuante ainda hoje. Quando presidiu a entidade e para manter a entidade oferecendo cursos e apoio aos ex-atletas, como bolsa de estudos, Arnaldo enviava ofícios aos deputados e senadores pedindo para que a AGAP fosse contemplada com emenda parlamentar.

“A gente fazia muita coisa. Inclusive, o Nando, irmão do Zico, que morava aqui em Brasília, se formou com bolsa paga pela AGAP, revelou Arnaldo.

Fernando Antunes Coimbra, o irmão de Zico, também jogava futebol, mas teve carreira rápida, pois foi perseguido pelos militares do golpe de 1964, porque trabalhava no Programa Nacional de Alfabetização, criado por Paulo Freire, no governo do então presidente João Goulart.

 

Arnaldo e Pelé, nos tempos de presidente da AGAP, e com a camisa do Santos autografada, lembrança do Rei do futebol mundial

Como atleta ou como dirigente Arnaldo conviveu com astros inesquecíveis, entre eles Pelé. O primeiro contato foi em 1961, quando o Santos jogou com a Seleção local, no campo do Guará, que ficava na Candangolândia, comemorativo ao primeiro aniversário de Brasília. Nessa ocasião, Arnaldo atuou na preliminar. Seis anos depois, em novo jogo com o Santos, Arnaldo atuou pela Seleção local.

Depois, quando Pelé se tornou ministro, no governo de Fernando Henrique Cardoso, a convivência se intensificou. “Ficamos tão amigos que ele me convidou para os 70 anos dele, em 2010. Eu e minha mulher, Cecília, ficamos hospedados cinco dias na casa dele, em Santos!

Homenagem a Garrincha

Quando presidiu a AGAP Brasília, no final dos anos 1970, Arnaldo Gomes trouxe Mané Garrincha a Brasília para prestar homenagem ao grande ídolo e bicampeão mundial. Depois da solenidade e diante de grande público no campo de futebol da Associação dos Servidores do Senado Federal (Assefe) Garrincha atuou pela AGAP em jogo contra o time da Imprensa. Mas o grande astro já demonstrava estar debilitado. “Foi um dos últimos jogos de exibição de Garrincha. Já era visível que ele não estava bem”, recorda Arnaldo, com tristeza.

Pouco tempo depois, em dezembro de 1982, Garrincha voltaria a Brasília, novamente convidado pela AGAP, então presidida pelo ex-jogador Manoelzinho. Foi a última homenagem que recebeu em público. Menos de um mês depois, em 20 de janeiro de 1983, morria, aos 49 anos, o grande astro do futebol mundial, Manoel Francisco dos Santos, no Rio de Janeiro.

Arnaldo entregando lembrança da AGAP DF para Garrincha

Sindicado dos Atletas

Arnaldo também lembra de seu apoio à criação do Sindicato dos Atletas Profissionais do Futebol do Estado do Rio de Janeiro.

“Em 1978, Zico era o presidente do Sindicato. Ele precisava de um cara de confianças, aqui em Brasílias que ajudasse a obter a Carta Sindical”, disse Arnaldo. Carta Sindical é, ainda hoje, o documento expedido pelo Ministério do Trabalho que “dá vida”, que autoriza o Sindicato a atuar em nome de determinada categoria.

Para isso, Zico solicitou que Arnaldo acompanhasse o processo junto ao Ministério do Trabalho, para que não demorasse a sair a Carta Sindical. O trabalho por aqui foi eficiente e em 1979 o então ministro do Trabalho, Murilo Macedo, entregava a Carta Sindical em solenidade que Arnaldo presenciou ao lado de craques como Zico, José Mário, Dirceu Lopes, Leão, Paulo César Carpegiani e outros.

Junto ao STF

Em 1981, fervilhavam as desavenças entre os jogadores de futebol e os cartolas dos principais clubes brasileiros. A principal discussão era sobre o “passe”, polêmico instrumento de contrato de um atleta profissional e que consistia no clube fixar um valor por ele arbitrado. Em muitos casos, o alto valor de determinado passe inviabilizava a transferência de determinado jogador para outro clube.

Nessa ocasião, o Sindicato dos Atletas de Futebol do Estado do Rio de Janeiro entrou com um recurso junto ao Supremo Tribunal Federal a fim de evitar o abuso da cartolagem. Para acompanhar o processo, Zico, então presidente do Sindicato, pediu mais um apoio ao amigo Arnaldo, como mostra a carta abaixo.

Carta do Sindicato dos Atletas de 6 de abril de 1981

Mais de trinta anos depois desse episódio, Arnaldo não recorda os detalhes do processo, mas afirma que os atletas saíram vitoriosos.

No campo ou fora dele essa é, em resumo, a trajetória de Arnaldo Gomes, o desportista que ajudou a construir o esporte em Brasília e ainda hoje é atleta master, no tênis, do Iate Clube de Brasília.

Arnaldo com Arnaldinho, André e Flávio, filhos do primeiro casamento. André formou parceria com Alemão e sagraram-se campeões do Circuito Mundial de Vôlei de Praia 1995, com vitória sobre Zé Marco/Emanuel (2X1) Antes, os brasileiros eliminaram os americanos Stocklos/Smith

 

 João Antônio, o caçula Benjamin

e Marília Cecília, completam a

alegria no lar de Arnaldo e Cecília