Por José Cruz
Entre os anos 1990 e 2000, o bicampeão mundial Nilton Santos morou em Brasília, quando dirigiu uma escolinha de futebol no estádio Mané Garrincha.
Em uma das salas do velho estádio, demolido para dar lugar a um superfaturadíssimo elefante branco para a Copa do Mundo de 2014, ficava a sede da Associação Brasiliense dos Cronistas Desportivos, ABCD. Ali, Nilton batia ponto diariamente e conversava com os jornalistas sobre os jogos do dia anterior e contava histórias de sua vitoriosa carreira de craque do futebol.
Foi assim, em um convívio diário de conversas sempre muito alegre e descontraídas, boa parte acompanhada por outros colegas da crônica esportiva da Capital, que nos tornamos amigos. O bate-papo se fortaleceu quando Nilton passou a ter uma crônica semanal no Correio Braziliense, onde eu trabalhava na editoria de Esportes, à época com o companheiro Paulo Rossi como editor. Seguidamente dava carona para “Niltão”, como o chamava, em homenagem a exemplar carreira de craque que cumpriu. Nilton não dirigia e caronas não lhe faltavam.
Naquela época, o jornalista Jorge Martins era o presidente da ABCD. Carioca, botafoguense, era o “irmão” por Nilton Santos. E, com certeza, Jorge foi o melhor amigo e conselheiro dele. Os dois deixaram saudades. Mas, como dizia o jornalista João Saldanha, que dirigiu Nilton Santos, no Botafogo, “vida que segue”….
“GANHEM O JOGO”
Nilton teve boa relação com Saldanha. Contava que o treinador era amigo e dava força junto à diretoria. Falava uma linguagem simples – era assim também em seus comentários na rádio e na TV. E quando terminava a preleção no vestiário, antes de mais um jogo, dizia mais ou menos o seguinte:
“Vão lá, façam o que vocês sabem fazer, ganhem o jogo e depois vão comemorar”. Foi assim que montou um time que ganhava todas.
Nilton Santos nasceu em Flexeiras, um bairro de gente humilde na Ilha do Governador. E assim, esse bicampeão mundial manteve-se ao longo de sua vida, humilde. Tinha a malandragem carioca ao conversar e um sorriso maroto ao encerrar os “causos” que contava. Ao longo da carreira observava mais do que opinava. E assim foi na pós-carreira, sempre discreto.
NA SELEÇÃO DO MUNDO
Na Copa do Mundo da França, 100 jornalistas de todo o mundo foram convidados pela Fifa para eleger a Seleção do Século, da qual constaram quatro brasileiros: Pelé, Garrincha, Carlos Alberto Torre e Nilton Santos. A Seleção do Mundo foi assim escalada:
Yashin,
Carlos Alberto, Bobby Moore, Beckenbauer, Nílton Santos
Cruyff e Platini
Garrincha, Pelé, Di Stefano e Maradona.
QUE TAL?
O ARTISTA OCULTO
De volta a Brasília como seu “Troféu Fifa”, que recebeu com os outros craques na abertura da Copa da França, 1998, fui ao apartamento de Nilton Santos para entrevistá-lo. E me orgulhei de ser recebido, mais uma vez, pelo maior lateral esquerdo do mundo.
Ao nos dirigirmos ao escritório observei que vários quadrinhos entalhados em madeira enfeitavam o apartamento. Curioso, indaguei se ele gostava de colecionar essa arte de desenho, entalhe e pintura. Com o seu sorriso maroto ele me disse que aqueles quadros eram de sua autoria. Surpreso, observei que estava, também, diante de um anônimo artista. imediatamente, mudei a pauta, esquecendo o troféu que havia recebido na França e passei a entrevista-lo sobre aquele achado.
Nilton praticava aquela “terapia” há muitos anos. Tinha os instrumentos de entalhes numa bolsinha de couro, já bem desgastada pelo tempo, que ganhou de presente de uma sobrinha, quando ainda morava no Rio de Janeiro. E, em pedaços de madeiras, cortadas de forma padronizada, que ele pegava na sede do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), em Brasília, divertia-se fazendo o desenho, seguido do entalhe e a pintura, por fim. Imagens da natureza, flores, Pato Donald e ouros personagens das histórias em quadrinhos, paisagens, eram motivos para o que Nilton chamava de “diversão”, numa arte que desenvolvia no silêncio de seu escritório e onde predominavam as cores fortes …
SEM DIVULGAÇÃO
Conversa daqui e dali sugeri fazer uma exposição daquele trabalho, inédito por se tratar de um craque do futebol e que nunca havia divulgado. E propus que o próprio Correio Braziliense, incentivador e divulgador da arte em geral, se encarregaria de promover esse trabalho. Não houve jeito. Nilton recusou todas as sugestões. Dizia que artista era o Carlos Alberto Parreira, ex-técnico da Seleção Brasileira, famoso também na pintura e por expor os seus quadros em casas famosas do país.
Diante da resistência de dar divulgação àquele achado, escrevi uma reportagem de página inteira e que começava assim:
“O craque que conquistou o mundo por sua habilidade com os pés é humilde na hora de mostrar a sua arte com as mãos”
Grande Nilton, na classe de jogar e no seu estilo de vida simples e humilde, como nos seus tempos de oculto peladeiro, lá em Flexeiras…