Quando alguém quer insinuar alguma intimidade com o mais celebrado arquiteto brasileiro de todos os tempos, trata-o pelo prenome, como fazem os amigos especialmente os dos encontros ao fim do expediente no escritório do Edifício Ypiranga nº 3940, Av. Atlântica, Rio de Janeiro.
“Minha vida com Oscar” seria ótimo título de uma crônica ou de um livro, mas seria pura bazófia minha. Meus contatos com Niemeyer foram poucos e na maioria das vezes infrutíferos ou infelizes. Numa das vezes, repórter animada com o fato de ele ter me procurado em telefonemas à Redação do Correio Braziliense, uma ou duas vezes, estimulada por tamanha reverência consegui convencer meus editores a ir ao Rio para tentar uma exclusiva com Oscar. Eu devo ter acertado vagamente alguma coisa com um secretário dele, moço muito gentil.
Parei no térreo do Edifício Ypiranga, me identifiquei pelo interfone e fiquei mais de hora, não me lembro ao certo, antes de desistir e ir tomar um banho de mar, que me recebeu generosamente. De outra vez, ele já perto dos 90 anos, fomos eu e a repórter fotográfica Tina Evaristo, entrevistá-lo numa de suas vindas a Brasília. Pensamos em percorrer alguns de seus projetos na cidade. Nos encontramos na entrada da Catedral, ele, sozinho e nós, as duas repórteres, temerosas ao vê-lo descer com muita cautela a rampa preta da igreja.
No começo da noite o diretor de Redação, Ricardo Noblat, me chamou ao telefone e pediu para ver uma cópia da matéria já pronta. Niemeyer estava no jornal e queria conferir o que eu escrevera.
O arquiteto comunista costumava dizer que a arquitetura não era importante, importante era a vida. Quem o conheceu mais de perto sabe que esse era um disfarce para o que de fato importava a ele nos seus 105 de existência: a arquitetura, seus projetos, suas obras em execução.
Quando Brasília fez 44 anos, mandei um email a ele perguntando por que não viera à inauguração da capital que havia ajudado a construir. “Prezada Sra. Conceição, não fui à inauguração de Brasília porque era muito luxo para mim. Obrigado, Oscar Niemeyer”.
Meu filho já disse pra eu pôr a cópia do email num quadro, mas eu, do fundo do coração, acho uma tolice sem tamanho. Se não tenho nem mesmo o fetiche dos autógrafos, embora a letra de um autor(a) tenha uma carga simbólica forte, por que iria guardar a cópia de um email de com 16 palavras quase indiferentes, e, é de se supor, contendo uma versão que não deve corresponder ao que de fato aconteceu?
No fim da tarde de 5 de dezembro de 2012, meu tímpano direito estourou e perdi para sempre um pouco da audição. Suponho, apenas suponho, que foi uma reação emocional a uma longa espera. Eu era responsável pelo caderno especial da morte do arquiteto, e mexi nesse caderno durante duas décadas. As férias, os fins de semana, os passeios mais longos, eram sempre acompanhados da apreensão: “E se Niemeyer morrer?”.
Quando ele foi internado, aos 105 anos, parecia que eram seus dias derradeiros. E eu senti o baque no corpo. Meu filho, que àquela altura estava com 20 anos, me disse:
— Mãe, eu espero a morte do Niemeyer desde que nasci.
Sobre o autor
Conceição Freitas
Amazonense, filha de negro com indígena mora em Brasília há 34 anos. Repórter de tudo quanto há, cronista com mais de quatro mil textos publicados, ganhou 12 prêmios de reportagem, entre eles o Esso Nacional, por uma série de histórias de amor entre excluídos. Atualmente, está entre os selecionados para uma coletânea de crônicas do Prêmio Off Flip 2023.