Por José Cruz
A falta de visão de três irmãos brasilienses, Leandro, Leonardo e Leomon da Silva, os motivou, desde cedo, a buscar a inserção social. Praticaram esporte e, assim, cresceram apoiando um ao outro. O caçula, Leomon, teve exemplos dos irmãos e a partir dos 14 anos ele investiu para se tornar um profissional no goalball.
A proposta vingou. Leomon Moreno se tornou atleta paralímpico internacionalmente reconhecido. Atleta do Santos F.C, ele se sagrou bicampeão mundial (Finlândia, 2014 e Suécia, 2018), ganhou as medalhas de ouro, prata e bronze em Paralimpíadas e foi considerado o melhor no Campeonato Mundial de Goalball da Suécia, em 2018, na avaliação da imprensa, dos organizadores do evento e espectadores.
“Eu enxergava pouco até os sete anos, quando passei a ter estimulação precoce de meus irmãos,
no Centro de Ensino Especial, e fui me interessando por esportes.
Pratiquei atletismo, natação, judô e xadrez.
Sempre fui competitivo, me dedicava muito ao que eu fazia.
Com 12 anos, me decidi pelo goalball”
Filhos de Damião Moreno da Silva, falecido, e Maria José do Carmo da Silva, Leomon, tem 30 anos, Leandro, 36 e Leonardo 40. Eles nasceram no Riacho Fundo, a 20km do centro de Brasília. Os três vieram ao mundo com “retinose pigmentar”, uma patologia hereditária que provoca a perda de visão. Leomon foi apresentado ao goalball pelos irmãos. É uma modalidade paralímpica praticada exclusivamente por atletas sem visão.
O goalball
O goalball é a única modalidade paralímpica que não foi adaptada de um esporte olímpico. Criado em 1946 por um austríaco e um alemão, especificamente para os soldados que retornavam da guerra, sem visão, esse esporte incentiva o uso do tato e da audição, para que os praticantes desenvolvam a concentração e explorem as suas qualidades físicas. A modalidade foi introduzida nas Paralímpiadas de Toronto (Canadá) em 1976. Em 1978, na Áustria, foi realizado o I Campeonato Mundial, que ocorre a cada quatro anos.
Quadra e bola
A quadra para a prática do goalball tem a mesma dimensão de uma de vôlei, 18m de comprimento por 9m de largura. Já a trave tem 9m por 1,30 de altura. São três jogadores em cada time (e três reservas), que defendem o arremesso da bola e atacam o gol adversário. A bola tem 76cm de diâmetro e pesa 1,25kg, com guizos no seu interior para que os jogadores, com olhos vendados, ouçam o barulho e identifiquem o seu deslocamento. Por isso, não pode haver barulho no ginásio durante os arremessos. O jogo dura 24 minutos, em dois tempos de 12 minutos.
Títulos e convite
A partir dos 19 anos, já atleta do Santos F.C, Leomon cresceu na modalidade, quando foi convocado para a Seleção Brasileira e começou a se destacar em eventos internacionais. Ele já tem três medalhas paralímpicas, sendo a última de ouro, conquistada nos Jogos de Tóquio, em 2020. Oito anos antes, em Londres, 2012, ganhou a medalha de prata, numa equipe que tinha a presença de seu irmão, Leandro, e mais os seguintes atletas, entre titulares e reservas: Alexsander Almeida Maciel, José Roberto Ferreira de Oliveira, Romário Diego Marques e Filippe Santos Silvestre. A terceira medalha paralímpica é a de bronze, conquistada nos Jogos Paralímpicos Rio 2016.
Com esse desempenho, Leomon Moreno chamou a atenção de clubes europeus, onde o goalball tem forte mercado devido as valorizadas competições que lá ocorrem. Assim, em 2016 ele recebeu convite para atuar pelo Sporting, tradicional clube de Portugal, o mesmo que projetou o craque Cristiano Ronaldo, no futebol.
Com um poderoso programa de marketing, o clube busca ter um destaque em todas as modalidades que disputa, paralímpicas, inclusive, no mesmo nível do craque do futebol.
“Depois que fui eleito o melhor do mundo na minha modalidade, fui convidado e aceitei jogar no Sporting. Disputei três temporadas em Lisboa e conquistei três vezes a Champions League de Goalball e ganhei a medalha de prata no Mundial de Clubes, entre 2018 e 2021
Registro
Na seção de goalball do site do Sporting, o nome do brasiliense aparece em destaque, com a seguinte mensagem:
“No Sporting Clube de Portugal desde 2016, Leomon Moreno é considerado um dos melhores jogadores de Goalball do Mundo. A temporada transacta foi de consagração para o atleta paralímpico brasileiro que se notabilizou ao serviço dos Leões com a conquista da segunda Liga dos Campeões consecutiva. A nível interno, Moreno ajudou o Sporting CP a reconquistar o título nacional e a Taça de Portugal. Um atleta com o verdadeiro espírito Leonino”
Entraves e soluções
Nem só de vitórias, pódios e destaque foi a carreira de Leomon, até aqui. Passou por momentos angustiantes, inclusive. É dele o depoimento a seguir:
“Depois que ingressei no goalball, consegui me destacar, até me achar preparado para a Seleção Brasileira. Mas, no último momento, eu não estava entre os selecionados. E me perguntava, afinal quando eu vou entrar? Naquele momento, eu tinha na consciência que já estava igualado aos melhores do Brasil, mas era cortado e isso ocorreu três vezes. Aí tive o pensamento que se não fosse da próxima vez eu iria mudar de rumo, pois já estava com 18 anos. Foi então que tive uma conversa íntima, comigo mesmo. Avaliei sobre a minha evolução, o quanto eu abdicava para me dedicar mais e mais à modalidade, se deveria mudar de esporte… E conclui que continuaria no goalball, que não trocaria a vida de atleta por outra atividade. Com 19 anos, finalmente, consegui ingresso na seleção principal. Foi uma convocação para a Paralimpíadas de 2012 de Londres, onde ganhei a medalha de prata, a primeira das três que coleciono”.
Leomon afirmou que estava determinado a alguma mudança, e até no ônibus, quando ia para os treinos, fazia essa conversa íntima, sempre se questionando sobre os seus erros e como corrigir o rumo da carreira. “Eu sempre fui um cara de muita cobrança. Isso me ajudou na maturidade como atleta, pois evolui na parte mental”. E passa uma lição aos mais jovens:
“O ser humano, na fase da adolescência para a de adulto, é imediatista, mas não é assim que acontece na realidade da vida. Os meus irmãos são os meus ídolos, eles me passaram muitos valores do esporte. Um é ídolo do outro, o outro é sempre motivação para os outros dois e assim vamos nos apoiando uns aos outros”.
Esporte e trabalho
Eu sempre tratei o esporte como trabalho. Mesmo quando iniciei no goalball me dediquei como se fosse um trabalho, pois já cumpria horários de treinos e jogos. Inclusive pelas características que estão na Lei Geral do Esporte. Para mim, é uma profissão vitoriosa, pois passei por todas as fases até chegar ao profissionalismo, e vivi as evoluções na medida em que competida, jogando em quadras de prefeituras, dormindo em alojamento de colégios, joguei em quadras de ótimas condições, tive a melhor alimentação possível e tudo isso ajudou nas minhas avaliações e a fortalecer a minha mente. Essas fases ajudaram a me mostrar o quanto é importante o esporte como apoio ao crescimento da pessoa com deficiência, para inseri-la na sociedade. Tenho colegas que se tornaram advogados, eu estou feliz com a carreira no esporte, tive a chance de viver em igualdade em sociedade. É certo que isso ainda não é totalmente inclusivo para todos, mas a gente sempre luta por essa igualdade”.
Pós-carreira
Desde os meus 26, 27 anos penso como será quando eu parar. Estou pensando na gestão do esporte, onde já estou envolvido, também, como presidente do Conselho de Atletas do Comitê Paralímpico Brasileiro. Quero fazer a transição de atleta para uma atividade dentro do esporte, para algum cargo, quem sabe, onde eu possa contribuir com o esporte. É nesse sentido que estou conduzindo a minha capacitação. Há outros segmentos, pois sou formado em massoterapia estou finalizando a faculdade de Jornalismo, que me ajudou muito, principalmente na parte da comunicação. Assim, não fico dependente só da minha condição de atleta de alto nível, pois um dia não terei mais rendimento, é natural. Dentro do Conselho de Atletas eu levo esse debate para os meus colegas, é uma discussão que não pode faltar”.
Quando esta reportagem foi realizada, o Comitê Paralímpico Brasileiro ainda não tinha convocado a Seleção que vai aos Jogos de Paris – 28 de agosto a 8 de setembro. Confiante na chamada, Leomon diz que o maior adversário do Brasil na atualidade é a China. Os demais são os Estados Unidos, Japão e Ucrânia. Atualmente, Brasil é o primeiro do ranking mundial. E tem o melhor jogador do mundo.