Por José Cruz
Numa manhã muito fria e no anonimato de uma quadra esportiva na Ceilândia, no Distrito Federal, Valdeci Morais Santos exerce a sua profissão a céu aberto e com apego profissional, de professor e técnico, incomum.
Há 32 anos ele ensina a prática de handebol para estudantes da rede pública de Brasília, em aulas de duas horas, no contraturno escolar, três vezes por semana. Nessa rotina, Valdeci (foto ao lado) já viu mais de uma dezena de brasilienses se despedirem da família para abraçar a profissionalização dessa modalidade olímpica, amplamente praticada nas escolas brasileiras, mas, sobremaneira valorizada profissionalmente no calendário esportivo da Europa, destino de muitos brasileiros, atraídos por ótimos salários.
História
O handebol chegou ao Brasil na década de 1930, com a vinda de milhares de alemães, refugiados de guerra. Aos poucos, o jogo foi sendo absorvido pelos estudantes, em especial, no contexto das atividades físicas nas escolas.
Em Brasília, o handebol cresceu intimamente vinculado aos Centros de Iniciação Desportiva (CIDs) onde se fixou como um dos esportes mais apreciados e praticados pelos alunos.
Os CIDs, criados pelo Governo do Distrito Federal em 1980, são espaços nas escolas da rede pública que oferecem a estudantes, gratuitamente, a oportunidade de praticar diferentes modalidades esportivas, promovendo o conhecimento técnico e tático. É num dos dois CIDs de Ceilândia que Valdeci trabalha, na Quadra Comunitária da Área Especial da QNP 14.
Orgulho
“É aqui que estou desde 1999”, diz Valdeci, orgulhoso do trabalho que realiza, enquanto dirige mais uma aula para 15 alunos, numa manhã nublada no outono brasiliense.
“O interessante é que nesta quadra já vi muito aluno sair para jogar em outros estados e até no exterior. E os próprios pais que um dia foram meus alunos incentivam os filhos a virem treinar comigo. Isso acontece, também”, diz Valdeci
Formação
Formando na Faculdade Dom Bosco de Educação Física, a mais tradicional de Brasília nesse segmento, Valdeci tem outro orgulho, o de ver prosperar os Centros de Iniciação Desportiva, pois são o ponto de partida para quem busca a profissionalização no esporte. No espaço onde ele treina os seus alunos, também são realizadas atividades de vôlei e futsal. A escolha dos alunos pela modalidade é espontânea.
Ex-atleta escolar, Valdeci começou na carreira de técnico quando fez estágio universitário do Colégio Leonardo da Vinci, uma das referências educacionais de Brasília.
“As atividades de handebol e a de outros esportes, através dos CIDs, têm o objetivo de inserir os alunos no contexto da prática esportiva, além de socializá-los e, para os que desejarem e tiverem aptidão, começar no rendimento”, explicou Valdeci.
Nessa última etapa, ou seja, os que optam pelo esporte de rendimento, exigirá que o aluno se vincule a um clube e se torne federado. Seguindo o princípio de que quanto maior a quantidade melhor para encontrar atletas com qualidade, Valdeci percorre as escolas públicas da Ceilândia a cada início de ano letivo convidando os alunos para se integrarem à prática esportiva.
“O resultado desse convite é sempre muito bom, pois aparecem dezenas de alunos que se interessam pelo handebol”, diz o professor e técnico Valdeci
Destaques
Foi nessa dinâmica que vários alunos de Valdeci começaram a disputar competições nacionais, onde se destacaram e acabaram sendo contratados por clubes de outros estados e até do exterior. “Foi o caso de Mateus Duílio, que atualmente joga por um clube de Portugal. O goleiro William, atualmente no Esporte Clube Pinheiros, também começou aqui em Ceilândia, comigo, nesta quadra”, diz o técnico, orgulhoso de suas crias.
Entre as mulheres, Yasmin, irmã de Mateus Wiliam, foi contratada pelo São Caetano do Sul (SP); E Ana Carolina Gonçalves, atualmente num time de Criciúma (SC), já disputou dois Campeonatos Mundiais, nas categorias Júnior e Juvenil.
“Quando levamos um time daqui da Ceilândia para disputar uma competição nacional é a oportunidade de os melhores mostrarem suas qualidades. Paralelamente, converso com técnicos de outras cidades, trocamos ideias e informações e é assim que surgem os convites para que os nossos alunos se vinculem a uma agremiação com mais tradição no handebol”, explicou Valdeci, sobre a saída de seus alunos para outros centros.
Surpresa
Enquanto contava sobre a “exportação de talentos” surgidos no CID de Ceilândia, Valdeci foi surpreendido por uma visita. A ex-atleta brasiliense, Marina Sousa Leitão (na foto, com Valdeci), aqui visitando os seus familiares, foi à Quadra Pública da 14, onde aprendeu a jogar handebol, para visitar o seu primeiro Mestre. “Comecei aqui nesta quadra quando tinha 11 anos”, disse ela. Valdeci ficou orgulhoso com a lembrança da ex-aluna, atualmente se recuperando de uma lesão. Aos 29 anos, Marina está há 10 anos jogando por um time de Campo Grande, no /Rio de Janeiro, onde ela aproveita para estudar Educação Física.
“Já joguei em Cascavel, Paraná, por dois anos. Me ofereceram estudo em escola particular, moradia, academia etc. Depois, joguei em outros clubes e atualmente estou no da Universidade Rural, no estado do Rio de Janeiro”, explicou.
Sem parar
Valdeci contou que já tem idade para se aposentar. Porém, está sem planos para quando ficar com mais tempo, sem o compromisso de ir à quadra, prática que ele mantém há 26 anos. “O que vou fazer quando essa rotina terminar? Ainda não tenho planos”, confessa. “E me sinto com muita disposição para continuar a jornada. Por isso, quem quiser me encontrar pode vir aqui, meu recanto de referência”, confessa.
Fora desse espaço, o técnico Valdeci comanda a equipe de handebol do Ceilândia Esporte Clube, tradicional agremiação de futebol da cidade, que também desenvolve projetos nos demais esportes olímpicos.
A entrevista
A entrevista com Valdeci foi uma das pouquíssimas que fizemos fora de um ambiente fechado. No melhor estilo de uma aula prática, Valdeci Moreira Santos recebeu a reportagem com muita disposição e conversou durante mais de uma hora, enquanto orientava o treino de uma animada turma de handebol.
O surpreendente nesse Professor, porém, é a sua disposição para continuar trabalhando, mesmo já tendo idade para se aposentar. Comportamentos assim são excelentes, principalmente para quem lida com o esporte, com jovens e adolescentes. Quem ganha muito com isso, além a valorização da Escola, é a sociedade, que deve ser grata ao exemplo desse verdadeiro Mestre da Educação.
Com certeza – e por mérito – o Professor Valdeci Morais Santos é exemplar na sua tarefa de Mestre, que se tornou técnico, contribuindo, pelo esporte, para a formação do caráter da nossa juventude. Por isso, ele merece integrar a Memória da Cultura e do Esporte em Brasília. Bem-vindo à nossa galeria, Professor.