11 de junho de 2025
Dhi, com José Cruz e Hélio Tremendani

Aos 60, Dhi Ribeiro pede passagem 

Hélio Tremendani e José Cruz

Perto de festejar 60 anos, Dhi Ribeiro já contou sobre a sua carreira artística dezenas de vezes. Centenas, quem sabe. Contou e cantou, aqui e na Itália, onde morou por três anos. No Brasil, ela se apresentou em programas de audiências nacionais, como no Domingão do Faustão e no saudoso Jô Soares, do qual recebeu um espontâneo “que moça bonita”; e foi aplaudida de pé pela plateia depois de cantar “Dança das Mãos”, de Jorge Aragão. Sem exageros, desde criança Dhi faz sucesso onde se apresenta e, há cinco anos investe, com sua mulher Gisele, em projetos culturais de literatura infantil, com textos que envolvem música poesia.

A entrevista

Mesmo sabendo que repetiria o seu roteiro de artista para a reportagem da Memória da Cultura e do Esporte em Brasília, Dhi chegou disposta para a entrevista: sorridente, falante e andar de modelo que se sobressai num manequim de 1,78m. Dhi é assim, espontânea, antes de tudo, resultado – ou herança – de uma vivência artística que inclui, também, dez anos desfilando em passarelas de lançamentos de modas.

Dhi é o nome artístico de Edilza Rosa Ribeiro, que nasceu em Nilópolis, um dos legítimos berços do samba carnavalesco no Rio de Janeiro. Com Hélio e Adalgisa Rosa Ribeiro, seus pais, e os pais irmãos Helly, Nanny e Lucélio ela foi criada em Salvador, desde criança, e fez do Pelourinho (foto) o seu palco de estreia e apresentações ao som do Axe Music. Aos 27 anos veio para Brasília por livre e espontânea paixão. Aqui ela decolou na sua carreira de cantora, sambista consagrada que tem em Alcione uma das estrelas em quem se inspira.

Dhi tem fortes raízes musicais. Foi criada com rádio e TV tocando os clássicos populares da época, quando o samba começou a cativá-la, desde o estilo romântico ao do Fundo de Quintal, Bezerra da Silva, Cartola, Noel Rosa, Martinho da Vila …

Por parte da família também teve reforços expressivos: o avô, Herondino Ribeiro, o Seu Dino, foi um dos 11 “estivadores” (fundadores) do Filhos de Gandhy – histórico bloco afoxé patrimônio cultural da Bahia. O pai de Dhi, Hélio, destacou-se na percussão. A mãe Adalgisa Rosa “tinha voz linda, mas só cuidava dos filhos”. Essa foi a base de formação musical da garota que cresceu, conquistou o seu público e se tornou internacionalmente famosa.

“Para completar, fui criada no Pelourinho, em Salvador, e sempre atrás da banda Chiclete com Banana”

O início

Quando tinha 10 anos, Dhi cantou em corais infantil e jovem. Tinha um timbre de voz como o de uma cantora de música gospel norte-americana.

Mas, o ponto de partida para “abrir a boca” e se tornar profissional foi através do Axé Music, quando estava com 21 anos. Dhi conheceu um grupo que participava de festivais escolares. Ela ajudava na organização. E, tímida, cantava “só no backstage” (bastidores). Um dia, foi chamada para um ensaio, quando encontrou amigos e deu uma canja, com música do axé, claro. Cantou “Alegria da Cidade”, consagrada por Ara Ketu, à época. Quem estava por perto sentenciou: “Surge uma voz”…

Desfiles de moda

Porém, os primeiros aplausos na carreira artística de Dhi vieram das passarelas, onde começou quando tinha 16 anos. “Ali, eu não precisava abrir a boca para cantar”, afirma, revelando inibição, ainda na adolescência.

Negra, bonita, elegante e com muito charme ela exibia as novidades da grife Benetton, confecção italiana que usava cores vibrantes em suas criações e promovia campanhas com mensagens sobre a diversidade. Em 1985, Dhi veio participar de um desfile na festa de dois anos do ParkShopping, com a banda Paralamas do Sucesso, quando se apaixonou por Brasília.

“Jamais imaginei que, um dia, viria morar em Brasília”

Discriminação

“Trabalhei num meio predominantemente branco”, recorda. E foi aí que começou a observar o que era discriminação.

 Certa vez, por ser negra, a loja que havia contratado o grupo de desfile não admitia que ela vestisse os lançamentos. O coreógrafo Diógenes Magalhães protestou alegando que as modelos eram as suas contratadas. Os argumentos e a insistência de Diógenes foram mais fortes e o desfile ocorreu com Dhi vestindo a tal grife sobre a passarela.

Dhi Ribeiro já conhecia histórias de discriminação contadas por sua avó. E guarda lembranças nada agradáveis, como os chutes no estômago que recebeu na infância, enquanto usava um bebedouro exclusivo para brancos… “Eu estava no 2º ano escolar e minha mãe, mais uma vez, foi uma leoa naquela ocasião”

“A situação, hoje, é pior. Quanto mais negros na sociedade maior é a discriminação. Os brancos mandam. Antes, as agressões eram às escondidas; hoje, são na cara, são explícitas”

A mudança

Em 1993, Dhi recebeu o título de Cantora Revelação do Carnaval Baiano. A música crescia em sua agenda. No mesmo ano, Dhi voltou a Brasília para nova apresentação musical, dessa vez a convite da Banda Mel. Os convites para se vincular a grupos musicais surgiram e a mudança de Salvador para Brasília foi inevitável.

Aqui ela se casou e teve uma filha, Luna Vitória, hoje com 26 anos. “Luna seguiu para a área da saúde, é farmacêutica. Mas, como desenha muito bem, está entrando no segmento da tatuagem”, diz a mamãe, orgulhosa.

Aos 59 anos, Dhi demonstra emocionante entusiasmo pelo que faz, agora “ao lado de minha mulher”, Gisele Gama, com a qual tem um projeto poético-musical, contado em detalhes, mais adiante.

Vida no circo

Convidada por um grande circo europeu, a sambista foi para a Itália, em 2000. Viajou com a trupe de norte ao sul daquele país cantando em vários idiomas, entre eles o português. Era um misto de circo e teatro, dança e música, com repertórios da nossa MPB, inclusive. A estrutura era enorme, com duas pistas – uma de gelo – para a apresentação dos artistas.

“Morei três anos na Itália. Viajava num trem de circo ou em caminhões. Era bom demais! Certa vez, numa dessas mudanças de cidade, fui atropelada por um camelo. Em outra ocasião dei de cara com um leão”, recorda Dhi, rindo de suas aventuras circenses.

Cantando em vários idiomas, Dhi diz que se tornou “cidadã do mundo”. E não cansa de elogiar a sua convivência com a trupe.

“O povo de circo é fantástico. São pessoas que não desistem nas dificuldades. Criam os seus figurinos, novos números para as apresentações dos espetáculos, ensinam as crianças que crescem artisticamente no próprio circo. Eu não posso dizer que sou uma pessoa de circo, mas estive naquele ambiente e foi uma grande lição na minha vida. Eu mesmo fazia a minha maquiagem teatral. Também trabalhei como costureira, fazia reparos nas roupas dos artistas, fiz até novos figurinos”.

A pátria do samba

Na avaliação de Dhi, “a pátria do samba em Brasília é o bairro do Cruzeiro”. Ela recorda os primeiros tempos na cidade.

“O Cruzeiro é um reduto bem carioca, teve influência muito forte do Rio de Janeiro. Havia muitos shows e rodas de samba por lá, onde conheci músicos como Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz e outros, que vinham a Brasília e cantavam na Aruc”.

Ontem e hoje

Comparando com os espaços existentes na cidade na virada do século para apresentações em shows noturnos, agora há menos palcos para os artistas.

“Estamos com menos palcos, mas em compensação abriram outros espaços, como a música no Eixão, aos domingos, executada durante o dia, não é mais só à noite. Há novos hábitos do público. Também há uma geração que gosta de novos estilos. Gosto dessa movimentação, pois é onde surgem novos ritmos. Mas o samba… esse nunca será ameaçado”.

Dhi continua a sua avaliação:

“Antes, a música era muito autoral, quando se tocava samba eram os clássicos de grandes intérpretes, como Jorge Aragão, por exemplo. A família se reunia para ouvir. Tinha a boemia, coisa gostosa e saudosa. Mas, não acho errado o que acontece hoje. Se tem novos nomes e grupos se destacando em nível nacional e rodas muito jovens surgindo é porque tem público e uma renovação acontecendo. Isso é muito bom. O certo é que temos excelentes músicos em Brasília graças, também, à Escola de Música e ao Clube do Choro. São bandolinistas, cavaquinistas, pandeiristas, violonistas e as revelações vão surgindo”.

“Conheci e trabalhei com muitos mestres da música e do samba, em Brasília”

Grande saudade

Lembrando os grandes nomes da música brasiliense, Dhi citou Júnior do Cavaco (foto), que morreu num acidente de carro, no início dos anos 1990. “Ele compôs uma música – De mim pra você – que canto em todos os meus shows”, afirmou. Tenho uma amiga que chora todas as vezes que ouve essa música.

Hélio Tremendani, que estudou com o pai de Júnior, Seu Remédio, também músico, afirma: “Júnior foi o maior compositor de samba de Brasília. Outras duas de suas composições são “De mim para você”, com Evandro Barcelos, gravado pelo Negritude Júnior, e “Indefinições, pelo grupo Coisa Nossa. Dificilmente alguém que ouve essas músicas e conheceu Júnior do Cavaco não se emociona com suas letras fortes”

Relação com o público

Já sobre Dhi Ribeiro, Hélio Hélio afirma que ela é unanimidade como cantora. Tem um fã clube fiel e, em recente show de artistas na Esplanada dos Ministérios, em Brasília, lá estavam mais de 100 mil pessoas”.

“Esse carinho que recebo onde me apresento me deixa feliz. São senhoras que me acompanham há muito tempo e jovens. Em ambientes menores, vou às mesas conversar com o pessoal. Eles estão lá me aplaudindo, me prestigiando, é preciso agradecer esse público”.

Em Angola

Em julho, Dhi Ribeiro fará mais uma viagem a Angola, país sul-africano, contratada para cantar num casamento. Em 2019 esteve naquele país para um show no aniversário do então presidente José Eduardo dos Santos (1942-2022).

“O tema central da festa do presidente de motivos gregos. Eu decidi cuidar do meu visual. Comprei uma sandália, linda, maravilhosa, mas… esqueci de colocá-la na mala. Em Angola, fui ao comércio comprar uma, caríssima, paguei preço em dólar”, recorda, rindo muito daquela aventura.

Conquistas

“Toda menina quer ser modelo ou miss, eu fui modelo.

… Toda mulher sonha cantar, eu cantei e canto.

… Eu fiquei apaixonada pela Itália e queria ir para a Europa quando terminei de ler Os últimos dias de Pompéia; eu morei e trabalhei por três anos num circo italiano.

… Um dia estou em casa e o telefone não parava de tocar. Queriam me avisar que a música “Para Uso Exclusivo da Casa”, que gravei, estava tocando como trilha sonora da novela Lado a Lado (Globo), tema do casal Celinha (Isabela Garcia) e Guerra (Emílio de Mello)”.

“Mais calminha”

Com sua mulher Gisele, Dhi desenvolve o projeto “Falando de Amor”, que este ano, sendo exibido em Planaltina para alunos do ensino médio, completa cinco temporadas de apresentações.

“Falando de Amor junta as poesias de Gisele às músicas do meu repertório, com um fundo audiovisual rebuscado que traduz todas as emoções com palavras – união e paz, por exemplo – sintetizando o amor. Na parte musical, temos sucessos de Gilberto Gil e de Fafá de Belém, mas sem deixar de cantar sambas”.

O espetáculo inclui clássicos internacionais, como La Vie em Rose (Édith Piaf) e Gracias a la Vida (Mercedes Sosa).

Dhi fala com carinho sobre Gisele Gama, educadora, escritora e poetisa, com a qual desenvolve vários projetos, literários, inclusive, como o “Sara e sua Turma”, livros infantis já traduzido para seis idiomas.

É nesse ritmo que Dhi Ribeiro, perto dos 60 anos, afirma estar “mais calminha”.

Mas, quem conhece Dhi Ribeiro acredita ver essa Mulher em ritmo de calmaria?

Dhi, com José Cruz e Hélio Tremendani

Para o bem da música – o samba em especial –, ela está feliz, inventiva e pede passagem.

Muito obrigado, Dhi, por sua generosa atenção nos concedendo esta entrevista.

O seu roteiro de vida, o exemplo de artista e a sua contribuição à música, à cultura afro e à literatura, em especial, a colocam na galeria da Memória da Cultura e do Esporte em Brasília.