29 de abril de 2025

Luís Carlos

Por Hélio Tremendani e José Cruz

O carioca Luís Carlos dos Santos Silva tinha 10 anos quando veio morar em Brasília. Aqui, praticou esportes e sambou no bom embalo carnavalesco, mantendo as tradições de sua origem, o Rio de Janeiro.O diretor da Aruc, Hélio Tremendani, que participava desta entrevista, lembrou que foi disputar o Campeonato Brasileiro de Futebol de Salão em Fortaleza. Num dia de folga, ele foi à praia, quando levou um papo com outros jogadores da cidade.
“Lá pelas tantas, quando o pessoal soube que eu era de Brasília, começou a fazer elogios a um jogador que atuava pelo Ceará. O tal cara era demais, jogava “pra caramba”, na avaliação deles. Eles estavam se referindo a Luís Carlos, que já havia espalhado a sua fama de craque naquele estado”, lembra Hélio (Na foto, Hélio e Luís Carlos, na sede da Aruc).

Barra pesada

Quando parou de jogar, no início dos anos 1990, Luís Carlos enfrentou momentos difíceis. Não bastasse o afastamento dos clubes, dos gramados e das competições, ele sofreu, como milhões de brasileiros, o “confisco do Plano Collor”.

Recém eleito, o então presidente da República, Fernando Collor de Mello, confiscou as economias dos brasileiros, acumuladas com muito sacrifício. Foi uma espécie de “roubo legalizado”, mas que fez um estrago enorme na vida de quem guardava um dinheirinho mensalmente.

“Eu morava em Brasília. Aquela medida presidencial agravou uma depressão horrível que eu tinha e durou dois anos”, conta Luís Carlos.

“Perdi as minhas economias. Foram duas porradas grandes, o confisco de minha poupança e a depressão, tudo agravado com o afastamento dos gramados”, conta ele.

Projeto acadêmico

Dois anos depois dessas “tragédias”, Luís Carlos conseguiu se reerguer e, para isso, contou com a formatura nos cursos de Educação Física e História.

Na academia, Luís Carlos participou “de um projeto legal”, na Upis, tradicional universidade de Brasília, onde ele estudou História. Lá, ele dirigiu o time de futebol universitário, formado por estudantes-bolsistas, que integravam uma Seleção permanente. O time, representando a comunidade do Paranoá, não conseguia jogar torneios profissionais em Brasílila, masconquistou o bicampeonato brasileirouniversitário.

“Foi assim que comecei a virar técnico, primeiro na Seleção Permanente da Upis, depois na Aruc, no Cruzeiro Sub  20 e no Brasília”, recorda Luís Carlos.

Atuando como técnico do Brasília, Luís Carlos levou o time ao primeiro título de Campeão da Copa Verde, em 2014.

A Copa Verde de Futebol é uma competição regional organizada pela CBF e disputada entre equipes da Região Norte e Centro-Oeste, além do Espírito Santos.

Na primeira competição, o Brasília, sagrou-se campeão com vitória final sobre o Paysandu, de Belém. Como o primeiro jogo foi vencido pelo adversário, a decisão foi para os pênaltis, com vitória do Brasília.

E agora?

Luís Carlos não esconde que é apaixonado por Brasília. E foi nesse embalo que ele se tornou mais íntimo da capital que o acolheu ao dirigir o time do Gama, que amargava sete anos sem conquistar o título de campeão brasiliense.

“Acabei de ser campeão com o Gama, numa final contra o Capital. Vencemos nos pênaltis”, comemora ele, ainda eufórico com o resultado.

“Eu comandava times que jogavam contra o Gama, mas nunca havia trabalhado nessa agremiação”, contou. E fiquei impressionado como a cidade do Gama torce e se une em torno da agremiação. Eu não tinha essa dimensão do que é a paixão clubística no Gama, com torcedores por todos os cantos da cidade e comparecendo, inclusive, aos treinos da semana”, revelou.

O trabalho da atual diretoria é no sentido de que a Sociedade Esportiva do Gama se torne uma SAF (Sociedade Anônima do Futebol), isto é, recebendo investimentos empresariais que tornariam o futebol daquele clube mais forte para buscar vagas em competições nacionais. Para isso, Luiz Carlos diz que a agremiação faz uma “administração participativa”, conta com bom estádio e tem boas categorias de base, sendo o atual campeão da Sub-20.

“Se montarem um time legal, pela força que tem regionalmente, o Gama poderá ir alcançando os objetivos. Em termos de engajamento nas redes sociais naquela região o clube de Brasília só perde para o Vila Nova (de Goiás).

Mesmo com o título que conquistou, Luís Carlos ainda não renovou contrato com o Gama. “Vamos ver, vamos aguardar”, diz ele. O atual presidente do Gama é Wendel Lopes, que assumiu em 2022 e tem mandato até 2028.

Depoimentos e desabafos

Luís Carlos é crítico no quesito da triste realidade do nosso futebol pentacampeão mundial, que registra a ausência de novos craques e a fartura de estrangeiros nos clubes. O misto de depoimento com desabafos, a seguir, resumem o pensamento do técnico campeão brasiliense de 2025:

“Quando eu era menino, no Rio de Janeiro ou aqui em Brasília, havia campinhos de futebol por todos os lados. Hoje não se vê mais isso. Brasília ainda é um lugar fora da curva, pois aqui tem espaços dentro das quadras. As escolinhas ocuparam o espaço dos campinhos, o futebol está elitizado”.  

“Não se vê mais garotos jogando nas ruas, onde, antes, se enfrentava dificuldade, mas era assim que se aprendia a driblar os obstáculos a se ganhar habilidades, ponto de partida para se tornar grande jogador. Uma das coisas para isso é mesmo a falta de locais para a garotada brincar de jogar bola e isso muda a nossa realidade no futebol profissional, pois nele chegam menos talentos”.

“Lembro da minha infância, quando eu jogava na rua estreita, com ladeira, postes de luz que também driblávamos, calçamento de paralelepípedo, espaços com areia… tudo era obstáculo que ajudava a garotada a crescer superando dificuldades, enquanto se divertia. Eu fui usar uma chuteira quando estava com quase 13 anos… Hoje, a preocupação é pintar o cabelo, é com o visual, com as redes sociais…

“Sou flamenguista e fui torcedor na geral do Maracanã. Hoje não tem mais geral, não tem mais ingresso barato, o ingresso é caro e afasta os meninos dos campos dos estádios. O futebol profissional está elitizado também na torcida”

Trabalho com crianças

Luís Carlos tem um trabalho de iniciação com meninos e meninas que querem jogar futebol.

“Faço exercícios de repetição, como dominar, driblar e passar a bola, que considero os três principais fundamentos básicos para quem quer crescer no futebol. Se quer ser jogador tem que saber fazer isso, é fundamental! É um trabalho que começou com a hoje estrela do futebol feminino mundial, Catarina Macario, maranhense que morou em Brasília, mas que em 2011 se mudou para os Estados Unidos, onde se tornou cidadã norte-americana. Ela foi eleita duas vezes a melhor jogadora dos Estados Unidos (2019 e 22020). Desde 2003, Catarina joga no Chelsea, da Inglaterra. “Catarina Macário foi minha primeira aluna mulher nesse trabalho que mantenho até hoje, na AABB”, disse Luís Carlos.

Futebol em Brasília

Brasília já formou e exportou excelentesjogadores. Se formarmos uma Seleção de Brasília de todos os tempos teremos pessoal de muita qualidade, como o goleiro Vaná, de Planaltina, atualmente no futebol português; o zagueiro Lúcio, Jairo, o artilheiro Túlio, Carlos Alberto Dias, que jogou nos quatro grandes times do Rio de Janeiro, Hilton, que fez sucesso na França, Amoroso, com passagens pelo Parma e Udinese, Kaká (foto), ídolo do Milan, Washington Coração de Leão, artilheiro no Fluminense e no São Paulo, Endric, campeão brasileiro pelo Palmeiras, Bob, o goleiro Paulo Victor, Edmar Ernani Banana, Lira, Joãozinho… e por aí vai, todos de ótima qualidade”

Passista e sambista

Wellington Campos, o Vareta, Mestre de Cerimônia da Aruc e histórico carnavalesco brasiliense, acompanhou a entrevista com Luís Carlos, de quem é amigo há décadas. Assim Vareta resumiu o personagem entrevistado:

“Luiz Carlos foi um passista que deu show, na Aruc, no Carnaval de Brasília. Ele e a rapaziada dos anos 1977, 1978… dos tempos bons. É excelente dançarino de samba, o que vem de família, diz Vareta, com a concordância de Hélio Tremendani. Seu pai foi bom de samba e de baile de gafieira. Seu Cecílio e Dona Lígia foram referências nos bailes do Clube Previdenciário, em Brasília”.

Hélio Tremendani conclui:

“Luís Carlos dos Santos é o melhor dançarino de samba tradicional da cidade, tem até um fã clube. Foi referência para o meu pai e para a minha mãe, nas reuniões dançantes do Clube previdenciário”.

Declaração a Brasília

Sou carioca porque nasci no Rio de Janeiro, de onde guardo o sotaque e boas lembranças. Mas, a minha referência é Brasília, onde estou desde os 10 anos. Tenho irmãos, netos, filhos, tenho uma geração brasiliense”.

Tem mais:

Luís, nos pagodes da vida, no samba de mesa, na roda de samba, toca, canta e puxa o samba. Se está tocando com o pessoal é ele quem conduz as mudanças na maioria dos casos. Eu (Hélio) e Luís Carlos, somos fãs incondicionais do Reinaldo. Ele faleceu recentemente. Foi o melhor “príncipe do pagode”, em nível de Arlindo Cruz. O grupo do Reinaldo não dava porrada em instrumento, era no ritmo. (Depoimento final de Hélio Tremendani)

   Vareta, Hélio, Luís Carlos e José Cruz com o entrevistado