20 de maio de 2025

Luís Carlos dos Santos Silva

Por Hélio Tremendani e José Cruz

O carioca Luís Carlos dos Santos Silva tinha 10 anos quando veio morar em Brasília. Aqui, praticou esportes e sambou no bom embalo carnavalesco, mantendo as tradições de sua origem, o Rio de Janeiro.

No atletismo e no futebol, principalmente, construiu carreiras vitoriosas, tudo ao seu tempo. Aos 62 anos, o seu mais recente pódio é o de campeão brasiliense pela Sociedade Esportiva do Gama, time de futebol que comandou no Campeonato Candango de 2025, cuja medalha do título ele exibe, na foto. A história de mais um carioca “com alma brasiliense” ele contou com detalhes. Confira, a seguir.  

Samba em família

Na música, Luís Carlos teve escola doméstica desde a infância. O seu pai, Cecílio de Azevedo Souza, tocava cuíca com maestria e integrou a bateria da vitoriosa Escola de Samba Império Serrano, do Rio de Janeiro, origem da família.

Quando veio para Brasília, Cecíclio manteve o pique da música e tocou no SamBrasil, tradicional grupo de sambistas. “Reuniões, churrascos, festas… tudo que tinha samba no meio a gente estava junto”, diz Luiz Carlos que acompanhava as andanças do pai, na música, em especial. “Papai foi um dos precursores dos grupos de samba em Brasília”, destaca, com orgulho. “Ele era bom de samba e de baile”.

O início

Antes da música e ainda na época escolar, Luiz Carlos destacou-se no esporte, o atletismo, em especial, que já teve projetos maravilhosos em Brasília. Mas sem desprezar a companheira de sempre, a bola de futebol.

“Mas, também joguei bola, desde menino, sempre. Eu era daqueles que jogava todos os dias”

Em 1976, o pai de Luiz Carlos, militar, retornou ao Rio de Janeiro para participar de um curso. O garoto, então com 13 anos, aproveitou para jogar nas categorias de base da Portuguesa de Desportos, já nas primeiras manifestações de que queria ser um profissional. Dois anos depois, a família retornou a Brasília, mas a Portuguesa não liberou Luís Carlos, então com 15 anos. “Eles não acreditavam que eu voltava para Brasília para acompanhar a família, mas para jogar em outro time. Assim, fiquei preso por dois anos ao clube e precisei cumprir estágio”, conta ele. Enquanto isso, voltava às pistas do Cief, mas sem perder de vista o futebol.

Atletismo

Nesse retorno, Luís Carlos envolveu-se mais a sério com o atletismo, no Centro Interescolar de Educação Física (Cief). No passado ainda recente, esse Centro reunia o que havia de melhor na teoria e na prática do esporte. No atletismo, a intelectualidade de Brasília era formada por Mário Cantarino Filho (1930-2012), Maria Terezinha Tofoli – a Professora Teia, Antônio Carlos Feijão, Domingos Guimarães – Professor Mingo –, Luiz Alberto de Oliveira, que treinava o futuro campeão olímpico Joaquim Cruz, entre outros.

“Quando tinha 15, 16 anos, eu estudava no Colégio Elefante Branco. Acabei participando do projeto Coca-Cola, no Cief, onde comecei no pentatlo”, lembra Luiz Carlos.

Medalha de ouro

Sob o comando do paulista Professor Mingo (Domingos Guimarães), Luís Carlos praticou os 100 e os 200 metros rasos. E ganhou a medalha de ouro na prova de revezamento  4x400m, nos Jogos Escolares Brasileiros (JEBs), no Pará, quando teve o privilégio de integrar a equipe em que corria o brasiliense Joaquim Cruz, que, em 1984, viria a se tornar campeão olímpico dos 800m, nos Jogos de Los Angeles.

“Nos JEBs do Pará, lembro que o quarteto de revezamento de São Paulo do 4x400m era fantástico, era o favorito. Joaquim Cruz (na foto, treinando) nos reuniu e pediu que entregássemos o bastão o mais próximo possível. Era uma estratégia. Ele fechou aquele revezamento, correu de forma fenomenal e ganhamos do time paulista”.

Em outra formação do 4x400m, mas sem Joaquim Cruz, ganhamos a medalha de bronze na Gymnasiade de Turim (Itália), competição esportiva organizada a cada quatro anos pela Federação Internacional de Desporto Escolar.

                      Professor Mingo, uma das referências no ensino do atletismo, paralímpico, inclusive 

“No Cief, treinado pelo Professor Mingo (foto), participei de um dos projetos mais sensacionais no esporte”

 

Mudança de rumos

Nessa época em que frequentava o Cief, Luiz Carlos e a “molecada do atletismo” disputaram uma pelada de futebol contra o time do Unidade Vizinhança. “Quando o Professor Mingo me viu jogado, correndo pela ponta esquerda, ficou encantado e disse que o meu esporte era o futebol e não o atletismo”, lembra Luís Carlos. “Eu corria muito e driblava bem”, relembra sobre as suas características no futebol.

Luís Carlos, nos tempos do atletismo

Surpresa!

Foi assim que o Professor Mingo se encarregou de encaminhá-lo no novo esporte, acionando amigos, em Campinas e conseguindo um teste no Guarani Futebol Clube, uma potência, à época.

“Cheguei em Campinas numa terça feira pela manhã e à tarde já treinava com o time profissional”, recorda.

Naquele primeiro contato com um clube com estrutura forte, o técnico Zé Duarte (foto) parou o treino em determinado momento e chamou Luís Carlos para uma conversa rápida à beira do gramado, mais ou menos assim:

“Menino vem até aqui. Quem é você”?

Ele queria saber quem era aquele ponteiro que surgiu entre titulares e agradava em cheio, como se já fosse gente grande.

“Eu era um ponta esquerda abusado, que corria muito, driblava, cruzava. Corrida era comigo. No atletismo, fazia os 100 metros rasos em menos de 11 segundos, o que já havia chamado a atenção do Professor Mingo, que me encaminhou para o futebol”, conta Luís Carlos.

Luís Carlos soube, depois, que ao final do treino Zé Duarte foi à direção do Guarani e falou: “Aquele menino (Luís Carlos) tem que jogar. O que ele fez no treino profissional impressiona. Tem que jogar aqui no clube”, insistiu.

A estreia de Luís Carlos no Guarani foi contra a Ponte Preta, num jogo em que entrou em substituição a um companheiro e atuou pela ponta direita ao lado de craques como Neto e Evair. O Guarani venceu o jogo, 1×0, gol de Luís Carlos. Depois desse desempenho, em duas semanas Luís Carlos já se firmava no time profissional.

Craques

Foi assim o ingresso desse carioca-brasiliense na carreira de futebolista, sob a orientação do técnico Zé Duarte, que gostava do estilo do ponta veloz que chegava.

Na época, Luís Carlos estreava ao lado de craques consagrados. No time do Guarani estavam, entre outros nomes de expressão, Careca, Jorge Mendonça, Ailton Lira, Júlio César, Mauro, Jaime. “Era um timaço”, resume Luís Carlos.

Despedida

A mudança de Brasília para Campinas foi no início dos anos 1980, perto de Luiz Carlos completar 18 anos. Hoje, ele confessa que ficou saudade dos tempos em que morou na rua 113 do Cruzeiro, sua referência na adolescência, e dos bailes da Aruc que ele frequentava,

“O envolvimento de minha família com o Cruzeiro sempre foi bem forte. Meu irmão Antônio César gostava muito de carnaval e chegou a ser mestre-sala da Escola de Samba da Aruc. E eu também desfilava, foi um período legal”.

Andanças

Ao final da temporada no Guarani, Luís Carlos veio jogar no Taguatinga, aqui conquistando um Campeonato Candango nos anos 1980, numa final contra o Brasília. Em seguida, ele voltou para o Guarani, depois para o Comercial de Ribeirão Preto e dali seguiram-se transferências ao longo da carreira, que durou até os 31 anos.

“Dos 18 aos 31 anos Joguei em vários times, como o América, do Rio de Janeiro, o Atlético Goianense, a Portuguesa de Desportos, o Ceará, São Carlense, Novo Horizontino, Sport Recife (foto) e Ferroviária de Araraquara. Meu último time foi o São Carlense, porque me machuquei e vi que era hora de parar”.

No Ceará

O diretor da Aruc, Hélio Tremendani, que participava desta entrevista, lembrou que foi disputar o Campeonato Brasileiro de Futebol de Salão em Fortaleza. Num dia de folga, ele foi à praia, quando levou um papo com outros jogadores da cidade.

“Lá pelas tantas, quando o pessoal soube que eu era de Brasília, começou a fazer elogios a um jogador que atuava pelo Ceará. O tal cara era demais, jogava “pra caramba”, na avaliação deles. Eles estavam se referindo a Luís Carlos, que já havia espalhado a sua fama de craque naquele estado”, lembra Hélio (Na foto, Hélio e Luís Carlos, na sede da Aruc).

Barra pesada

Quando parou de jogar, no início dos anos 1990, Luís Carlos enfrentou momentos difíceis. Não bastasse o afastamento dos clubes, dos gramados e das competições, ele sofreu, como milhões de brasileiros, o “confisco do Plano Collor”.

Recém eleito, o então presidente da República, Fernando Collor de Mello, confiscou as economias dos brasileiros, acumuladas com muito sacrifício. Foi uma espécie de “roubo legalizado”, mas que fez um estrago enorme na vida de quem guardava um dinheirinho mensalmente.

“Eu morava em Brasília. Aquela medida presidencial agravou uma depressão horrível que eu tinha e durou dois anos”, conta Luís Carlos.

“Perdi as minhas economias. Foram duas porradas grandes, o confisco de minha poupança e a depressão, tudo agravado com o afastamento dos gramados”, conta ele.

Projeto acadêmico

Dois anos depois dessas “tragédias”, Luís Carlos conseguiu se reerguer e, para isso, contou com a formatura nos cursos de Educação Física e História.

Na academia, Luís Carlos participou “de um projeto legal”, na Upis, tradicional universidade de Brasília, onde ele estudou História. Lá, ele dirigiu o time de futebol universitário, formado por estudantes-bolsistas, que integravam uma Seleção permanente. O time, representando a comunidade do Paranoá, não conseguia jogar torneios profissionais em Brasílila, mas conquistou o bicampeonato brasileiro universitário.

“Foi assim que comecei a virar técnico, primeiro na Seleção Permanente da Upis, depois na Aruc, no Cruzeiro Sub  20 e no Brasília”, recorda Luís Carlos.

Atuando como técnico do Brasília, Luís Carlos levou o time ao primeiro título de Campeão da Copa Verde, em 2014.

A Copa Verde de Futebol é uma competição regional organizada pela CBF e disputada entre equipes da Região Norte e Centro-Oeste, além do Espírito Santos.

Na primeira competição, o Brasília, sagrou-se campeão com vitória final sobre o Paysandu, de Belém. Como o primeiro jogo foi vencido pelo adversário, a decisão foi para os pênaltis, com vitória do Brasília.

E agora?

Luís Carlos não esconde que é apaixonado por Brasília. E foi nesse embalo que ele se tornou mais íntimo da capital que o acolheu ao dirigir o time do Gama, que amargava sete anos sem conquistar o título de campeão brasiliense.

“Acabei de ser campeão com o Gama, numa final contra o Capital. Vencemos nos pênaltis”, comemora ele, ainda eufórico com o resultado.

“Eu comandava times que jogavam contra o Gama, mas nunca havia trabalhado nessa agremiação”, contou. E fiquei impressionado como a cidade do Gama torce e se une em torno da agremiação. Eu não tinha essa dimensão do que é a paixão clubística no Gama, com torcedores por todos os cantos da cidade e comparecendo, inclusive, aos treinos da semana”, revelou.

O trabalho da atual diretoria é no sentido de que a Sociedade Esportiva do Gama se torne uma SAF (Sociedade Anônima do Futebol), isto é, recebendo investimentos empresariais que tornariam o futebol daquele clube mais forte para buscar vagas em competições nacionais. Para isso, Luiz Carlos diz que a agremiação faz uma “administração participativa”, conta com bom estádio e tem boas categorias de base, sendo o atual campeão da Sub-20.

“Se montarem um time legal, pela força que tem regionalmente, o Gama poderá ir alcançando os objetivos. Em termos de engajamento nas redes sociais naquela região o clube de Brasília só perde para o Vila Nova (de Goiás).

Mesmo com o título que conquistou, Luís Carlos ainda não renovou contrato com o Gama. “Vamos ver, vamos aguardar”, diz ele. O atual presidente do Gama é Wendel Lopes, que assumiu em 2022 e tem mandato até 2028.

Depoimentos e desabafos

Luís Carlos é crítico no quesito da triste realidade do nosso futebol pentacampeão mundial, que registra a ausência de novos craques e a fartura de estrangeiros nos clubes. O misto de depoimento com desabafos, a seguir, resumem o pensamento do técnico campeão brasiliense de 2025:

“Quando eu era menino, no Rio de Janeiro ou aqui em Brasília, havia campinhos de futebol por todos os lados. Hoje não se vê mais isso. Brasília ainda é um lugar fora da curva, pois aqui tem espaços dentro das quadras. As escolinhas ocuparam o espaço dos campinhos, o futebol está elitizado”.

“Não se vê mais garotos jogando nas ruas, onde, antes, se enfrentava dificuldade, mas era assim que se aprendia a driblar os obstáculos a se ganhar habilidades, ponto de partida para se tornar grande jogador. Uma das coisas para isso é mesmo a falta de locais para a garotada brincar de jogar bola e isso muda a nossa realidade no futebol profissional, pois nele chegam menos talentos”.

“Lembro da minha infância, quando eu jogava na rua estreita, com ladeira, postes de luz que também driblávamos, calçamento de paralelepípedo, espaços com areia… tudo era obstáculo que ajudava a garotada a crescer superando dificuldades, enquanto se divertia. Eu fui usar uma chuteira quando estava com quase 13 anos… Hoje, a preocupação é pintar o cabelo, é com o visual, com as redes sociais…”

“Sou flamenguista e fui torcedor na geral do Maracanã. Hoje não tem mais geral, não tem mais ingresso barato, o ingresso é caro e afasta os meninos dos campos dos estádios. O futebol profissional está elitizado também na torcida”

Trabalho com crianças

Luís Carlos tem um trabalho de iniciação com meninos e meninas que querem jogar futebol.

“Faço exercícios de repetição, como dominar, driblar e passar a bola, que considero os três principais fundamentos básicos para quem quer crescer no futebol. Se quer ser jogador tem que saber fazer isso, é fundamental! É um trabalho que começou com a hoje estrela do futebol feminino mundial, Catarina Macario, maranhense que morou em Brasília, mas que em 2011 se mudou para os Estados Unidos, onde se tornou cidadã norte-americana. Ela foi eleita duas vezes a melhor jogadora dos Estados Unidos (2019 e 22020). Desde 2003, Catarina joga no Chelsea, da Inglaterra. “Catarina Macário foi minha primeira aluna mulher nesse trabalho que mantenho até hoje, na AABB”, disse Luís Carlos.

Futebol em Brasília.

“Brasília já formou e exportou excelentes jogadores. Se formarmos uma Seleção de Brasília de todos os tempos teremos pessoal de muita qualidade, como o goleiro Vaná, de Planaltina, atualmente no futebol português; o zagueiro Lúcio, Jairo, o artilheiro Túlio, Carlos Alberto Dias, que jogou nos quatro grandes times do Rio de Janeiro, Hilton, que fez sucesso na França, Amoroso, com passagens pelo Parma e Udinese, Kaká (foto), ídolo do Milan, Washington Coração de Leão, artilheiro no Fluminense e no São Paulo, Endric, campeão brasileiro pelo Palmeiras, Bob, o goleiro Paulo Victor, Edmar Ernani Banana, Lira, Joãozinho… e por aí vai, todos de ótima qualidade”

Passista e sambista

Wellington Campos, o Vareta, Mestre de Cerimônia da Aruc e histórico carnavalesco brasiliense, acompanhou a entrevista com Luís Carlos, de quem é amigo há décadas. Assim Vareta resumiu o personagem entrevistado:

“Luiz Carlos foi um passista que deu show, na Aruc, no Carnaval de Brasília. Ele e a rapaziada dos anos 1977, 1978… dos tempos bons. É excelente dançarino de samba, o que vem de família, diz Vareta, com a concordância de Hélio Tremendani. Seu pai foi bom de samba e de baile de gafieira. Seu Cecílio e Dona Lígia foram referências nos bailes do Clube Previdenciário, em Brasília”.

Hélio Tremendani conclui:

“Luís Carlos dos Santos é o melhor dançarino de samba tradicional da cidade, tem até um fã clube. Foi referência para o meu pai e para a minha mãe, nas reuniões dançantes do Clube previdenciário”.

Declaração a Brasília

Sou carioca porque nasci no Rio de Janeiro, de onde guardo o sotaque e boas lembranças. Mas, a minha referência é Brasília, onde estou desde os 10 anos. Tenho irmãos, netos, filhos, tenho uma geração brasiliense”.

Tem mais:

“Luís, nos pagodes da vida, no samba de mesa, na roda de samba, toca, canta e puxa o samba. Se está tocando com o pessoal é ele quem conduz as mudanças na maioria dos casos. Eu (Hélio) e Luís Carlos, somos fãs incondicionais do Reinaldo. Ele faleceu recentemente. Foi o melhor “príncipe do pagode”, em nível de Arlindo Cruz. O grupo do Reinaldo não dava porrada em instrumento, era no ritmo. (Depoimento final de Hélio Tremendani)

Vareta, Hélio, Luís Carlos e José Cruz, na tradicional foto com o entrevistado