Por Hélio Tremendani e José Cruz
“Ex-favelado, eterno carnavalesco, compositor, radialista aposentado, Mestre de Cerimônia da Aruc, enfartado, amputado, vice-presidente do Clube Naturista Planat Central. Muito prazer, Wellington Campos, mas pode me chamar de Vareta”.
Em tempos de Rei Momo, Vareta conta sobre a alegria que já dominou o Carnaval brasiliense e a tristeza de agora, quando a capital da República vai para o seu terceiro ano consecutivo sem o desfile das escolas de samba.
A falta de apoio oficial é a principal causa da decadência desse segmento cultural, apesar de ser valorizado no resto do país.
Em ritmo de samba
Coincidências do calendário com a maternidade e foi assim que Vareta veio ao mundo no dia do Folclore nacional, 22 de agosto de 1956.
Chegou na Vila Vintém, no Rio de Janeiro, onde seus pais moravam, região de duas tradicionais escolas de samba cariocas, a Unidos de Padre Miguel e a Mocidade Independente de Padre Miguel. Vareta nasceu ao som de baterias consagradas.

Em 1961, quando já estava com cinco anos, Vareta veio com a família para Brasília. Seu pai, o carioca Hélio Lírio Campos, havia sido transferido para a nova sede do Departamento da Imprensa Nacional. A mãe, Terezinha Maria campos, era paraibana, de Guarabira. Vareta teve a influência dos pais na sua formação de sambista. Nesse ambiente cresceu e se revelou destacado integrante da mais premiada escola de samba de Brasília, a Associação Recreativa Unidos do Cruzeiro, Aruc.
“Desde que aqui chegamos, moro na mesma casa. O que mudou foi o nome do bairro: era Gavião – símbolo da Aruc – e depois passou a ser o tradicional Cruzeiro”.
Coincidência
Há mais coincidências na vida desse carnavalesco assumido, que se emociona e entristece quando fala sobre o desinteresse do governo do Distrito Federal pela festa pública de maior tradição e popularidade no país, o Carnaval.
O envolvimento de Vareta com o samba e com o Carnaval tem um ponto de partida, o seu avô materno, Manoel Soares, que criou o primeiro bloco carnavalesco de Guarabira.
Na foto, à direita e de cartola, Vareta festeja com integrantes da Escola de Samba a conquista de 1975, o sétimo título da Aruc
A “veia” do avô se manifestou na inspiração de Vareta no Carnaval de 1977, quando já estava com 21 anos e compôs o samba-enredo “Chico Rei, sua História e sua Glória”, que levou a Aruc à conquista do tricampeonato dos desfiles oficiais de Brasília. No ano seguinte, a Escola chegaria a tetracampeonato.
Mamãe, Terezinha Maria,
desfilava na Ala das Baianas.
O meu pai também participava, mas ele tinha outra
preferência, empurrar
os carros alegóricos
da Escola”
Tristezas
Alegrias a parte, há tristezas desse carnavalesco com o reinado de Momo. Começou em 1981, quando pela primeira vez Brasília ficou sem o desfile das escolas de samba. Nos 65 anos de fundação da cidade, a se comemorar em 21 de Abril, são 13 anos sem desfiles das Escolas de Samba. Os argumentos do governo para justificar a falta de apoio repete-se: ausência de verba, em torno de R$ 4 milhões para montar toda a infraestrutura, inclusive segurança, e distribuir entre as escolas concorrentes.
Mas, mesmo sem desfile, a Escola da Aruc escolheu os seus sambas-enredos em todos esses anos. Deve-se registrar, porém, que em 2020 e 2021 os desfiles foram suspensos devido à pandemia de Covid. “Essas paradas são horríveis, pois desmobiliza, desanima. Para embalar de novo, para voltar ao normal leva tempo”, reforça Vareta.
As Avenidas
Historicamente, a “Avenida” dos desfiles mudou várias vezes, desde o início, quando as escolas que se apresentavam eram a Independente de Brasília, Acadêmicos da Asa Norte, Aruc e Unidos de Sobradinho.
Inicialmente, os desfiles ocorriam na parte superior da Rodoviária. Depois, foi para o Eixão Sul, mudou-se para a pista do Autódromo, Taguatinga e Ceilândia. Daí, voltou ao Plano Piloto, pela pista de descida do Hotel Nacional, foi para a W3 Sul e o último desfile já foi no Eixo Monumental, altura do Centro de Convenções. Vale aqui um esclarecimento: a Aruc, fundada em 21 de outubro de 1961, começou a participar do Carnaval de Brasília a partir de 1962, com um honroso terceiro lugar.
Eram tempos, segundo Vareta e Hélio, em que as passarelas ficavam lotadas de populares, mostrando que há público que gosta muito dos desfiles das Escolas de Samba. “Os jornais da época, as emissoras de rádio e de TV davam generosos espaços para a cobertura dos desfiles da Escolas”, diz Vareta.
Fosse vivo, o arquiteto Oscar Niemayer já teria criado uma Passarela oficial, culturalmente integrada à paisagem de Brasília. Além de artista ele era ousado.
Vareta, na Sala de Troféus, com o
Gavião, símbolo da Aruc, e a taça da
primeira conquista da Escola,
em 1965, há 60 anos
A grande lição
Vareta não esquece: “Meu primeiro Carnaval desfilando foi em 1970. Comecei na bateria tocando reco-reco. Atualmente, faço parte do Departamento de Mestre de Cerimônia. Na Aruc, já fui tesoureiro, presidente de ala, destaque carnavalesco, autor de samba e autor de enredo”.
Mas, foi em 1974, a Aruc saiu triste da Avenida. Por falta de componentes, a Escola foi desclassificada e não poderia desfilar no ano seguinte.
A resposta foi imediata: “O carnavalesco Nilton de Oliveira, o popular Sabino, assumiu a presidência da Aruc e revolucionou o bairro. Convocou a jovem-guarda do Cruzeiro e criou uma verdadeira motivação na rapaziada”, conta Vareta, que estava entre os convocados.
“A primeira ação foi ocupar o terreno onde estava, abandonada, a Associação Esportiva Cruzeiro do Sul. Pegamos na enxada, limpamos a área e passamos os ensaios da Escola para a quadra de esportes, com a comunidade acompanhando na arquibancada. Aquele terreno que limpamos e passamos a usar é onde hoje está, regularizada oficialmente, a sede da Aruc”, recorda Vareta, numa troca de lembranças com Hélio Tremendani, também carnavalesco e ex-presidente da Associação. A ocupação regular do terreno pela da Aruc foi assinado pelo governador do Distrito Federal em 4 de dezembro de 2023.
A grande resposta
“Ao mesmo tempo dessa ação, a Sabino entrou com recurso para que a Escola desfilasse em 1975. Conseguimos. Acho que nos atenderam porque estavam com pena. Imaginaram que não teríamos condições de nos recuperar”, conta Vareta.
“O que eles não imaginavam é que voltaríamos com força total. A comunidade Cruzeirense se mobilizou e fomos para a Avenida com 800 componentes. Um estrondo, um sucesso. Ninguém acreditava como tínhamos nos reerguido, a ponto de conquistarmos o título de campeões daquele ano, o sétimo na história da Aruc”.
O desfile e o título de 1975 não foram ao acaso. A escola saiu fortalecida daquela lição e venceu nos quatro anos seguintes, chegando ao tetracampeonato em 1978, o décimo título da agremiação.
Naquele ano da recuperação, 1975, a apuração dos votos foi feita na Praça 21 de Abril, conhecida como a Praça do Índio Galdino, na W3 Sul. Cerca de 10 mil pessoas acompanharam aquele momento. Ao final, quando a Aruc foi proclamada campeã, o presidente Sabino saiu da Praça carregado pelos foliões. A Aruc havia dado, com méritos, a volta por cima.
Grande momento

A conquista de campeã do Carnaval de 1975 pela Aruc foi o meu grande momento. Ressurgimos das cinzas. Foi o resultado de um trabalho enorme, de uma grande organização. Demos a resposta não só como escola, mas como mobilização da comunidade cruzeirense”, reconhece Vareta. Quando a Escola entrou na Avenida, ninguém acreditava que no ano anterior tínhamos sido rebaixados. E muito se deve, também, ao trabalho do carnavalesco Roberto Lima Machado. Ele revolucionou o Carnaval, era o Joãozinho 30 de Brasília. Além de carnavalesco, Roberto tinha um poder muito grande para agregar a comunidade. Um pedido dele era uma ordem”.
Saúde
Em meio às alegrias e frustrações com o Carnaval, Vareta enfrentou problemas graves de saúde, em 2019. Diabético, ele contraiu uma infeção, a partir de uma pequena ferida no calcanhar. Para evitar o pior, foi preciso amputar parte da perna esquerda, abaixo do joelho. O uso de uma prótese, a partir de então, permite que ele se mantenha em atividade. Pouco tempo depois da cirurgia, nova surpresa, um infarto do qual também escapou, com socorro imediato.
“O anúncio da amputação foi do doutor Adriano Galhardo. Ele tremia muito e não sabia como me dizer sobre a decisão. Era um médico ainda novo e me confessou que aquele era um momento difícil entre o profissional e o paciente”
As ansiedades da família continuaram, no mesmo ano, com o irmão caçula, o Helinho, que não sofria de diabetes. Uma “simples” bolha no pé direito evoluiu para um problema maior e a amputação também foi inevitável. “Como diz Roberto Carlos, foram fortes emoções…”, consola-se Vareta.
Profissional
Vareta é servidor público concursado, já aposentado. Foi lotado no Ministério das Comunicações quando o titular era o ex-governador da Bahia, Antônio Carlos Magalhães, conhecido no meio político por “Toninho Malvadeza”.
Entre as suas “maldades” de então estava a de não ceder funcionários. Assim, em 1987, rejeitou o pedido para que Vareta fosse para a Radiobrás, hoje Empresa Brasileira de Notícias (EBN).
Porém, ao indagar sobre quem era Wellington Campos, soube que se tratava de um funcionário que há pouco tempo havia organizado uma festa “Uma Noite na Bahia”. O ministro se interessou pelo assunto mandou chamá-lo, agradeceu e quebrou a regra, autorizando que Vareta fosse lotado na Radiobrás.
Reação
“Carnaval sem desfile de Escola de Samba não é nada bom. Bate um desânimo, um vazio, uma tristeza… O silêncio domina”, diz Vareta.
“Para evitar que esse desânimo cresça, haverá um desfile no dia 23 de fevereiro, na Avenida das Mangueiras, com a participação da Acadêmicos da Asa Norte, Águia Imperial, Capela Imperial, Mocidade do Gama e Bola Preta”, anuncia Vareta.
Como dizia Nelson Sargento,
“o samba agoniza, mas não morre”…
Na burocracia da transferência, o servidor encarregado pela papelada disse que não concluiria o processo, pois cedências estavam proibidas. Vareta voltou à chefia do gabinete ministerial, onde tudo se resolveu conforme a ordem superior de Antônio Carlos Magalhães. Na Radiobrás, Vareta foi trabalhar na TV Nacional, com o jornalista Walter Lima.
E agora?
Reação
“Carnaval sem desfile de Escola de Samba não é nada bom. Bate um desânimo, um vazio, uma tristeza… O silêncio domina”, diz Vareta. “Para evitar que esse desânimo cresça, haverá um desfile no dia 23 de fevereiro, na Avenida das Mangueiras, com a participação da Acadêmicos da Asa Norte, Águia Imperial, Capela Imperial, Mocidade do Gama e Bola Preta”, anuncia Vareta.
Como dizia Nelson Sargento,
“o samba agoniza, mas não morre”…
Obrigado, Vareta
Na entrevista que concedeu à Memória da Cultura e do Esporte em Brasília, Vareta contou passagens maravilhosas e não deixou de revelar, também, o lado emotivo de um carnavalesco de fato.
Aqui chegando, aos 5 anos de idade, viu os seus pais contribuírem para o surgimento do Carnaval brasiliense. Mais tarde, foi a vez de ajudar a fortalecer o que viu nascer.
E faz isso com alma e emoção, ainda hoje, quando enfrenta a burocracia política que insiste em esconder a manifestação cultural mais expressiva que se pode ter, vinda do sentimento popular.
