Por Hélio Tremendani e José Cruz
Era o ano de 1959, quando José das Graças Teodoro chegou em Brasília, com a família, vindo de Formosa (GO). A nova capital, que seria inaugurada um ano depois, estava na reta final da construção dos prédios do Poder público e das superquadras residenciais, que surgiam em ritmo acelerado. Áreas de lazer, nem pensar! A cidade dividia-se em obras e o cerrado.
Zé estava com 11 anos e a opção da garotada era limitada a campos improvisados para o jogo de bola. E foi assim que Zé se divertia, crescendo feliz com a molecada de sua geração. Já adolescente, poderia ter se tornado um craque no basquete, no atletismo, no futebol. Optou pelos estudos. Ganharam os seus alunos de Matemática, mais tarde, com o talento desse Mestre que cumpriu jornadas na Universidade de Brasília, no Colégio Militar de Brasília e na Fundação Educacional do Distrito Federal. Agora, aposentado, para manter a paixão esportiva, ele joga tênis. Desportista nato, de ponta a ponta, Zé Pelé nos brinda com sua linda trajetória.
Primeiro time
Como se destacava no futebol, Zé jogou no time mirim do Guarazinho até os 13 anos. Era meiocampista. Com a mudança da família – os pais, Antônio e Ana, e mais 12 irmãos – para a W3 Sul, surgiu a opção de jogar futebol de salão, hoje futsal, apesar de não ser essa a preferência dele.
As melhores alternativas esportivas surgiram na escola, onde ele era obrigado a participar de uma nova modalidade a cada semestre. Foi assim que Zé conheceu o basquete, o handebol, o atletismo… O Caseb onde estudava, foi o berço da educação escolar em Brasília, ao lado da Escola Parque da 308 Sul, instituições modelos daquela época.
O apelido
O detalhe é que Zé Teodoro se dava bem em todas as modalidades. Sempre que convidado para praticar esporte, ele estava pronto e dava o seu recado. Foi assim que ele despertou a atenção dos colegas e professores. Era “atleta para toda obra”, e foi por isso que surgiu o apelido que se perpetuou, “Zé Pelé”, ou seja, craque onde quer que fosse escalado.
“O apelido foi do professor e técnico Pedro Rodrigues. Ele que disse que eu era o Pelé dos esportes”
A opção
Com tantas habilidades esportivas, Zé Pelé poderia ter se revelado um grande craque, numa ou em outra modalidade. Para o basquete, por exemplo, sua preferência e onde até se federou, quando jogava pelo Minas Tênis Clube, para disputar eventos oficiais.
Orientado pelo técnico Pedro Rodrigues, hoje com 91 anos, ele jogou competições locais, nacionais, os Jogos Escolares e o Universitário Brasileiro, ganhando vários títulos. A estrada estava aberta para ele evoluir rumo ao profissionalismo. Mas não!
“Eu não tinha a menor chance de seguir a carreira de atleta. Naquele tempo, não se ganhava tanto como hoje e o estudo era prioridade. Era assim que o meu pai pesava e eu obedecia”
Enquanto avançava nos estudos, Zé Pelé seguia jogando, mas já com a carreira de profissional fora de cogitação.
Adversários
“Eu atuava pelo Minas Brasília Tênis Clube e os nossos maiores adversários, em quadra, eram a Federação Acadêmica Universitária de Brasília, que representava a UnB, o Unidade Vizinhança, clube onde o craque Oscar, o “Mão Santa” jogava, o Clube Motonáutica, à beira do Lago Norte e, já no final, a APCEF, da Caixa Econômica Federal.
Jogando com Oscar
Zé testemunhou o início da carreira de Oscar Schimidt, no Unidade Vizinhança, e até participou da Seleção de Brasília em que ele também foi convocado. “Esses momentos me deixam muito orgulhoso, diante do que Oscar se tornou, mundialmente reconhecido”, diz Zé Pelé.
Segundo Zé, desde aquela época, ainda adolescente, Oscar batia bola todos os dias, arremessava todos os dias, treinava até a exaustão. “Ele era um garoto muito quieto, falava pouco e treinava muito e chamava atenção porque não errava um só arremesso. Estava visto que seria um grande craque”. Sobre isso, um episódio daqueles tempos ficou marcado para Zé Pelé:
“Um certo técnico que não queria chamar Oscar para treinar no time principal do Unidade Vizinhança, alegando que ele era muito menino, estava com 15, 16 anos. Depois de muito insistirem, o técnico cedeu. Não deu outra, o cara arrebentou no primeiro jogo e não saiu mais dos titulares”
Boas lembranças
Embora se destacasse como armador, Zé Pelé não tinha altura exigida pelos técnicos para jogar basquete. Ele tinha “apenas” 1,70m, mas se destacava com suas jogadas, velocidade, dribles, entrosamento com o time e arremessos certeiros.
Para isso, ele se inspirava no ídolo Wlamir Marques, da “geração de ouro do basquete nacional” e integrante da Seleção bicampeã mundial (1959, em Santiago, Chile, e em 1963, no Rio de Janeiro). Ataulfo (já falecido), que do basquete de Brasília, também inspirou as jogadas de Zé Pelé, assim como “Ângelo Massaroto, Aquiles Santana, Magu, Babido, o Renato Pantoja”… Na foto, a lenda Wlamir, hoje com 87 anos, conclui uma bandeja.
Títulos
Dos títulos conquistados, ficou na memória a vitória contra o Motonáutica, na decisão do campeonato local. “Não lembro o ano, mas fiz a cesta final, de bandeja. O jogo foi no Ginásio do Marista, que estava lotado”.
Em 1975, Zé Pelé liderou a formação de um time “B” do Minas Tênis Clube para disputar o Torneio Imprensa de Brasília. Isso porque, os reservas, na maioria juvenis e amadores, pouco entravam nos jogos e ficavam a maior parte do tempo no banco.
Depois de algumas negociações a turma do Minas aceitou a ideia e as duas equipes, A e B, entraram na competição. Ironicamente, as duas se classificaram para a decisão do título, num jogo que Zé Pelé se orgulha, ainda hoje:
“Eu estava no time B e enfrentamos os titulares do Minas. Ganhamos, por 59 x 46, com cesta final que eu marquei”
Os melhores do mundo
Zé vê pouco ou quase nada de futebol na TV. Acompanha mais o basquete norte-americano e tem em LeBron James o seu craque de referência. Atleta do Los Angeles Lakers, LeBron é reconhecido como um dos maiores jogadores de basquetebol de todos os tempos, ocupando a segunda posição na lista divulgada pela ESPN, em 2020, atrás apenas de Michael Jordan.
Em termos de Seleção dos Estados Unidos, para Zé Pelé o “Dream Team”, que ganhou a medalha de ouro nas Olimpíadas de Barcelona (1992), é melhor que a atual Seleção, também primeiro lugar nos Jogos de Paris 2024.
O inesquecível Dream Team era formado por Charles Barkley, Patrick Ewing, Karl Malone, Magic Johnson e Michael Jordan. Além do espetáculo que demostravam em termos de entrosamento técnico, o carisma dos jogadores atraía multidões de fãs.
Convite
Com espírito profissional que demonstrava, Zé Pelé chegou a ser convidado para jogar no Clube Jaó, de Goiânia, que em certa época estava montando um grande time. Mas o convite não foi aceito.
“Não fui porque depois que terminassem as contratações, com certeza eu não voltaria para o time titular, pois me faltava altura”, diz Zé. E era justamente atletas altos que mais interessavam ao clube. Assim, para não ficar no banco, rejeitei a proposta”.
Quando se formou no curso superior (Matemática), Zé Pelé seguiu jogando basquete, e só parou em 1985, sempre atuando pelo Minas Tênis Clube. De vez em quando, vestia outra camisa, a do Unidade Vizinhança, que o convidava para integrar a delegação, em jogos fora de Brasília.
Atletismo
Foi com essa rotina de praticar o esporte com seriedade, que Zé Pelé foi parar no atletismo, onde cumpria a prova de 100m, orientado pelo Professor Marcelo, seu técnico.
Certa vez, nos Jogos Estudantis Brasileiros – JEBs – precisavam de um atleta para disputar os 3.000, sob pena de a delegação ser desclassificada. Não houve dúvidas, Zé Pelé, à época estudante do CASEB, se apresentou, correu e cumpriu tabela, como exigia o regulamento.
Nesse embalo de descobrir novos esportes e provas, ele também praticou o salto em altura, onde alcançou 1,67m. Naquele tempo, não havia colchão do outro lado para amortecer a queda depois do salto. Ainda com poucos investimentos, ao contrário de hoje, o atletismo tinha instalações precárias.
“A gente fazia o salto e caia na areia! E, se chovia, a areia ficava dura e era assim que se disputava a prova”, diz Zé Pelé.
E, contrariando uma tendência nessa modalidade, ele não saltava de costas, fazendo a envergadura sobre o sarrafo, mas de frente, uma técnica inusitada para aqueles tempos. Com o tempo, substituíram a areia por serragem e, finalmente, o colchão, mas aí ele já não disputava mais essa prova e não pegou essa modernidade.
Mudança de rumo
O tempo passou e chegou a hora de parar, mas só dos jogos que exigiam de Zé um maior compromisso coletivo.
“Agora, das práticas sem impacto, o alterocopismo é muito bom”, diz ele rindo muito.
“Nessas ocasiões, encontro aquela velharia toda e fico até arrepiado com a amizade que conservamos. Foram adversários, e hoje é só gozação, só risadas nos nossos encontros. Fizemos um churrasco nos 90 anos de Pedro Rodrigues (2022). Foi a última vez que a turma do basquete se reuniu”.
Reconhecimento
Zé Pelé é agradecido aos professores e técnicos que teve ao longo de sua jornada esportiva.
“O que movimentou muito o esporte em Brasília foi a qualidade de professores que tínhamos. Quando me convidavam para um treino não tinha como não treinar certo, apesar de não se ter boas instalações naquela época. O professor estava nos dando moral, tinha paciência, repetia, apesar de não termos boas instalações. Fomos uma geração privilegiada com os professores fazendo a diferença, sem dúvida
“Quando parei na modalidade coletiva, comecei na individual e fui jogar tênis. Fiz aulas, treinei, disputei torneios, ganhei troféus… mas, em 2003, parei devido um problema de visão. Hoje, bato bola no paredão, todos os dias, vinte minutos, no mínimo”
Depoimento
Hélio Tremendani, também pioneiro em Brasília, acompanhou boa parte da trajetória esportiva de Zé Pelé. É dele o seguinte depoimento:
“Vivi ótimos momentos no esporte e você, Zé, estava presente em boa parte deles. Você foi uma referência pra gente, pra minha geração. Você era ídolo para o pessoal do Cruzeiro. Você quebrava o estigma de que “baixinho” não podia jogar. Você jogava e jogava muito bem. Com isso, era comum se ouvir dizer que`se o Zé Pelé joga, eu também posso jogar´. Naquela época, Brasília não tinha opções de lazer, nem festa tinha. Por isso, vivia-se o esporte intensamente”
Afinal, Zé, depois de toda essa experiência esportiva, você mudaria o rumo da história se começasse tudo outra vez:
“Não mudaria nada! Fiz tudo errado e deu tudo certo”…
Ao final da entrevista, a tradicional foto com o personagem, na nossa “sala de entrevistas”.
Obrigado, Zé, essa sua pareceria com a prática esportiva é exemplar e merece entrar para a Memória da Cultura e do Esporte em Brasília.