Pioneiros do futebol de salão em Brasília mantém a tradição de reunião festiva anual, desde 2005, onde não faltam “causos daqueles tempos”
Por Hélio Tremendani e José Cruz
O mineiro de Uberlândia, Renato Aguiar Attuch (foto), estava do Bar do Professor, na 305 Sul, relembrando com amigos “causos” do futebol de salão “daqueles tempos”, quando a cidade, ainda nos seus primeiros anos, estava em obras. Na roda de um bom chope, também estavam Gastão e Paulinho Risada, cada um contando suas lembranças, que provocavam gargalhadas.
Daquele grupo, muitos foram adversários em quadra, porém, sem perder a amizade. De tal forma que, ainda hoje, se abraçam e festejam os bons tempos vividos, as jogadas de craques realizadas, as vitórias e derrotas, os títulos, mas, sem esquecer as confusões e malandragens das grandes decisões… episódios relembrados por Attuch, nesta entrevista.
Ideia
Conversa vai, conversa vem e outros nomes e fatos foram aparecendo, numa lembrança sem fim, até que surgiu a ideia: “Por que não reunir todo esse pessoal? A proposta prosperou e Renato Attuch, que tinha a fama de bom organizador de eventos, pegou o bastão e mandou ver.
O resultado da ideia, concretizado naquele mesmo ano, 2005, foi um sucesso e se renova até hoje. “Só paramos de nos encontrar durante a pandemia”, diz Renato, já preparando a próxima reunião para 31 de agosto, num evento que apresenta, a cada edição, uma camiseta nova que é usada no dia da festa. Numa rápida pesquisa, não se encontrou registros de que uma modalidade esportiva pioneira em Brasília mantenha tal tradição como essa da turma do futebol de salão.
“A primeira festa começou ao meio-dia e terminou à meia-noite. No total foram mais de 180 pessoas que passaram lá por casa, onde reunimos o pessoal. Ainda bem que minha família apoia esses encontros e ajuda muito” (Renato Attuch)
Emocionante
A primeira reunião a gente nunca esquece… e aquela de 2005 ficou marcada na lembrança. Atraídos pela novidade e oportunidade de rever amigos das antigas, a turma aderiu ao convite e foi para a festa, em que os principais craques da época, Axel e Guaracá, “ícones”, também comparecem.
“Foi emocionante. Amigos que não se encontravam há muitos anos puderam se abraçar, mesmo aqueles que foram adversários nas quadras, nas competições. Homem velho abraçando o amigo e chorando por revê-lo tantos anos depois, você acredita? Isso é amizade que ficou, uma lembrança sem igual”, recorda Renato. E anuncia que para o Encontro do Futsal de Brasília, no próximo sábado, 31 de agosto, as confirmações já passaram de 100 amigos.
Pioneiro
Renato pertence à geração dos pioneiros de Brasília. Chegou em 1965, com a família, quando tinha 18 anos. Já praticava o futebol de salão – hoje futsal – no Praia Clube, de Uberlândia, um dos grandes clubes sociais do país, fornecedor de atletas para equipes olímpicas, no masculino e no feminino, com ênfase no vôlei de quadra, de praia, no basquete 3×3, tiro esportivo, atletismo e no tênis de mesa.
“Pratiquei esportes dos 7 aos 62 anos. O primeiro clube, aqui, foi o Minas Brasília Tênis Clube, jogando os campeonatos internos. Em 1968 fui para o Iate Clube, que eu frequentava como convidado. Com o tempo fui me envolvendo com o clube a acabei ocupando o cargo de diretor Futebol e Diretor de Esportes Terrestres, durante oito anos. Foi nessa época que começamos a montar equipes de futebol de salão para disputar torneios da cidade”, relembra Renato a sua trajetória esportiva em Brasília.
Devido ao seu intenso envolvimento com o esporte, na gestão, inclusive, ajudou a criar o Centro Esportivo Universitário de Brasília (CEUB), em 1969, para a prática de futebol amador e que, mais tarde, tornou-se marca famosa, CEUB Esporte Clube, já como time profissional. Nessa fase, o time chegou a disputar uma temporada do Campeonato Nacional.
Campeão Olímpico
Foi quando estava na direção do Esporte que Renato Attuch levou Luiz Alberto de Oliveira para o Iate Clube (à direita, na foto, com seu atleta, Joaquim Cruz).
Técnico do brasiliense Joaquim Cruz, que viria a se tornar campeão olímpico dos 800m, nos Jogos de Los Angeles, 1984, Luiz Alberto era um profissional polivalente, mas centrava as suas práticas no atletismo, no basquete e no futebol de salão.
Tristemente, o Brasil esportivo perdeu esse técnico em 2021, quando treinava uma equipe em Doha, no Catar. Vítima de problemas renais, Luiz Alberto morreu aos 71 anos. Porém, os seus feitos e ousadias ficaram registrados, inclusive nos bons tempos vividos por Renato Attuch, que conta o seguinte episódio:
“Eram tempos muito difíceis. Luiz Alberto comandava treinos de basquete na Asbac, onde Joaquim Cruz jogava, antes de se decidir pelo atletismo. Depois, os dois se deslocavam até o Iate Clube. Isso lá pelas 11 horas da noite, porque era o único horário que nosso time de futebol de salão tinha para treinar, depois do trabalho e da faculdade dos atletas. O interessante nesse deslocamento de Luiz Alberto é que ele ia dirigindo o seu carro, um Corcel, e Joaquim fazia o percurso a pé, correndo, já valendo uma etapa de treinamento. Quando chegavam no Iate, Luiz ia dar o treino e Joaquim entrava no carro e dormia”…
Competitivo
Hélio Tremendani, também pioneiro em Brasília e ex-presidente da Aruc, viveu intensamente aqueles tempos e indagou como Renato conseguia montar times tão fortes.
Attuch lembrou que o futebol de salão de Brasília era muito competitivo, mas o Iate sempre conseguia montar equipes fortes, graças ao relacionamento do técnico Luiz Alberto, que atraía alguns dos melhores atletas da cidade e esses chamavam os amigos que jogavam bem para entrar na equipe.
“Luiz Alberto era uma fera como treinador. Tinha muito conhecimento teórico e técnico. A maior parte das nossas conquistas foi com ele no comando. Era rigoroso, mas também tranquilo e brincalhão. Um cara que eu tentei demais contratar foi o Ceceu (Dirceu Ventura), que era do Minas. Era um dos melhores que tinha em Brasília. Ele era mais jovem e fez a transição da geração de Axel, Guaracá e Fitinha, craques da elite do futebol de salão.
Na verdade, a modalidade era muito competitiva, campeonatos equilibrados. Não tinha favoritos, segundo Renato. Mas, em princípio, o time em que jogavam Axel e Guaracá eram os favoritos. Eram grandes craques, reconhecem Renato e Hélio.
Apoio
À época, Paulo Jardim era o comodoro do Iate Clube, “um tremendo incentivador do esporte”, reconhece Renato.
“O Paulo dava autonomia para se trabalhar, comprava uniformes para as delegações, liberava a frequência ao clube para os atletas e até oferecia a oportunidade de comprar um título do clube em prestações. Era a forma que se tinha de atrair bons jogadores, porque não havia dinheiro nas negociações”, conta Renato.
Foi assim que Renato, na direção de Esportes do Iate, promoveu eventos internos, intensificou as relações com a Federação de Futebol de Salão, ganhou quase dez títulos da cidade e levou o time do clube para disputar Campeonatos Brasileiros em Natal e em Fortaleza.
Em quadra, os principais adversários em Brasília eram a Aruc, a Asbac, o Economiários, Afusta, de Taguatinga, o Telestar, o Vizinhança e o Clube do Servidor Público e Civil (CSPC). Esses clubes participavam de um campeonato bem disputado e isso agitava a área esportiva do Iate.
Catimbas
Hélio lembra que numa dessas disputas, nos anos 1980, o Iate ganhou um jogo importante na catimba. Numa semifinal, contra o Iate, Augusto ia fazer um gol. Na hora do chute, o técnico do Iate, Luiz Alberto, jogou uma toalha em quadra, tumultuando a jogada e armando-se a confusão. Hélio era o delegado da Federação de Futebol de Salão e com a expulsão de Luiz Alberto, foi tirá-lo de campo. Saiu na boa. “A gente ria muito, de tudo isso, depois”, recorda Renato.
Em outra decisão, também contra o Minas, Renato atrapalhou uma jogada adversária jogando a bolsa do massagista na quadra. O esparramo foi geral e foi assim que ele conseguiu esfriar a pressão daquele momento.
O troco
Porém, o troco daquela atitude veio num torneio de Veteranos. Iate e Minas novamente em quadra. Valdemir, já falecido, foi expulso e o time ficou com quatro contra cinco, no jeito para o Iate vencer. A narrativa seguinte é de Renato:
“Com desvantagem em número de jogadores, eles (Minas) simularam a contusão de um jogador. No atendimento, jogaram óleo naquele pedaço da quadra, que ficou escorregadia, de forma que era impossível jogar por ali. E foi assim que nos ganharam, com um jogador a menos… pura malandragem. Foi o troco que nos deram, mas, apesar disso, a amizade entre os jogadores continuava”.
Time base
O time base do Iate que ficou na memória de Renato era formado por Seracusa; Heitor e Robério (ou Rogério); Netinho e Hugo. Robério e Rogério eram irmãos e se revezavam na equipe.
Os melhores
– Afinal, quais os melhores jogadores daquele tempo -, indaga Hélio Tremendani ao entrevistado.
Renato afirma que tem na lembrança vários craques, mas Guaracá e Pedro Federal, “que tinha uma habilidade monstruosa, eram muito bons”. E complementa: “Guaracá é uma das referências, sem dúvidas, mas tem que colocar o Axel junto, não separa os dois. Além desses, tinha o Netinho, o Luiz Henrique, o Fitinha, Mosquito… tinha muita gente boa…”
– E por que o futsal de hoje está no ostracismo? – indagou Hélio.
“Eu acho que o futsal está vivo, só não está nos clubes, que se retiraram da Federação e porque os sócios pressionam para que os clubes invistam mais no social…”