12 de novembro de 2024

O Carnaval, a censura e o medo dos foliões

Por Hélio Tremendani

A história que vou contar é real, aconteceu mesmo e dela participei no olho do furacão. Ocorreu nos tempos da ditadura militar, jornalisticamente conhecidos como “anos de chumbo”, devido à dureza do regime, que os militares sintetizavam como do “prende e arrebenta”.

O fato começou em 1977 e terminou em 1988, mais de 10 anos depois de implantado o regime que suspendeu eleições e fechou o Congresso Nacional. O jogo era pesado e todo cuidado era pouco.

A reunião

Eu e os amigos Sabino e Thió fomos convidados para uma reunião num bar da Asa Norte. O objetivo do encontro era para que a ARUC, de cuja diretoria nós participávamos, apoiasse o bloco carnavalesco “Pacotão”, fundado pelos jornalistas e que faria o seu primeiro desfile no Carnaval de 1978. Resumindo: os jornalistas queriam a adesão da Bateria da ARUC, que desfilava com excelentes ritmistas. As reuniões se sucederam e entraram no ano seguinte, 1978.

Para quem não conheceu, é bom lembrar que o Pacotão era um bloco que afrontava às autoridades da época com faixas criativas e críticas ao regime. A ousadia e criatividade de seus desfiles ganharam o noticiário nacional e levavam milhares de foliões às ruas, sempre com o seu tradicional estandarte que abria o desfile:

“Sociedade Armorial, Patafísica e Rusticana O Pacotão”

Desfile sempre na contramão

 Censura

Conversa vai, conversa vem e numa daquelas reuniões foi dito por alguém que no desfile do ano seguinte a ARUC não poderia citar o nome “JK”, no samba enredo de homenagem a Juscelino Kubitscheck. JK havia tido os seus direitos políticos cassados e a censura não permitiria homenagem pública tão explícita. A notícia da censura a JK era inédita e…

Furo do JB

Na reunião também estavam experientes jornalistas-foliões que, claro, aproveitaram essa informação para abrir manchetes, como disse o Jornal do Brasil, por exemplo:

“Censura proíbe escola de mencionar Juscelino em samba-exaltação a Brasília”

O Jornal do Brasil era o principal e o mais influente jornal do país naquela época. O que saía repercutia muito e a tal notícia carnavalesca deixou os militares muito irados.

Foi tanta a indignação da turma do outro lado que eu, Sabino e Thió passamos a ser perseguidos e a receber ameaças diárias.  O que mais temíamos era a prisão. Se isso se concretizasse, sabe-se lá o que poderia ter acontecido com a gente.

Grande Oliveira Bastos!

A barra ficou pesada nos dias seguintes e as ameaças cresciam. Foi então que decidimos ir conversar com o jornalista Oliveira Bastos, que trabalhava no Correio Braziliense. Com texto brilhante, ele era muito influente e respeitado na cidade, inclusive pelos militares.

“Vocês não sabem no que mexeram”, ele nos disse. “Os milicos estão uma fera e prometem reagir”, garantiu, segundo informações que ele tinha.

Nosso medo aumentou. Afinal, vazar uma informação que era tida como segredo entre a turma que mandava o país, era um fato gravíssimo. Nossos dias se tornaram um pesadelo. Caminhávamos pelas ruas de Brasília olhando para os lados e para trás. O medo era constante.

Imprensa de Brasília também deu ampla cobertura ao episódio que censurou homenagem da ARUC a JK

Calem a boca

Oliveira nos aconselhou silenciar, calar a boca, não falar mais nada sobre o assunto. “Calem a boca que vou ver o que posso fazer”, afirmou ele.

E foi assim, graças a interferência de Oliveira Bastos – que gostava muito da ARUC e sempre nos apoiou noticiando os nossos eventos – que estamos aqui para contar esta história.

Bons tempos aqueles do querido Pacotão. Os sambas-enredos eram geniais. A gente sambava, se divertia e, nesse caso, também trememos muito. Com pavor da prisão!