12 de setembro de 2024

Uma pioneira centenária e sua memória maravilhosa

Por José Cruz

A nove meses de completar 100 anos, Nirvana Frias não dispensa os seus exercícios físicos, que incluem pedaladas numa bicicleta ergométrica.

“Mas, tudo sob orientação de um personal. Fazer exercício é necessário, se não paralisa mesmo e a gente acaba não sabendo andar mais”, ensina Nirvana

A leitura de bons romances, música e distrações com trabalhos manuais, crochê e tricô entre eles, também fazem parte dessa “receita” centenária. Aí estão segredos para uma longevidade bem vivida.

Nirvana, aos 99 anos, mantém rotina para se manter ativa

Porém, o que se destaca na conversa com essa paulista de Tanabi é a ótima lembrança dos tempos que aqui chegou, em 1957, acompanhada do marido, Alcides Frias. E graças a essa memória ela faz revelações de fatos inéditos para a história de Brasília. Por exemplo, foi no Iate Clube de Brasília, clube que se tornou a extensão de seu lar, que surgiu a primeira quadra de tênis da nova Capital, inaugurada em 1960.

Ideia e ação

Alcides e Nirvana vieram para Brasília a convite de Bernardo Sayão, formado em Agronomia e Veterinária, conhecido como “Pau para toda obra” ou “Capitão Desbravador”, graças à sua capacidade de “resolver problemas”. Sayão foi o responsável pela abertura das primeiras estradas de acesso ao Distrito Federal. O casal estava em Ceres (GO), quando conheceu Bernardo Sayão. Fizeram amizade e, logo, veio o convite para que viessem para Brasília.

“Naqueles tempos, faltavam espaços para o lazer, em Brasília. Foi assim que Alcides, dono de um moinho de cal e cimento, levou adiante a ideia de construir uma quadra de tênis no Iate Clube, que estava sendo construído”, conta Nirvana.

O Iate Clube, o primeiro de clube social-esportivo de Brasília, foi fundado em 5 de abril de 1960, duas semanas antes da inauguração de Brasília.

A proposta de Alcides foi aceita pelo primeiro comodoro do clube, Geraldo Carneiro. Afinal, a cidade estava em construção e praticamente não tinha espaço para o lazer, afora o futebol jogado principalmente por times das construtoras da cidade. Dessa forma, para os associados do clube, quadras de tênis seriam ótima alternativa para a prática esportiva.

O que hoje é uma iniciativa simples, era uma epopeia naquela época, quando a cidade era um grande canteiro de obras, não só com a construção de prédios da administração pública, do Legislativo e do Judiciário, como a abertura de ruas e avenidas do premiado projeto urbanístico de Lúcio Costa.

Enfim, a proposta das quadras evoluiu e se revela, hoje, um marco para a história do esporte da ainda jovem capital:

A quadra de tênis construída no Iate Clube foi a primeira dessa modalidade em Brasília

O projeto

A proposta de Alcides Frias logo recebeu o apoio de Sylvio Pedroza e do gaúcho Montory Marques Mury, que aqui moravam e, também, jogavam tênis.

Alcides Frias, construiu a primeira quadra de tênis de Brasília e ajudou na construção de outras, na Academia de Tênis

“Mury jogava muito bem”, recorda a Senhora Nirvana. “Ele era engenheiro e fez o projeto da quadra, executado por meu marido”, afirmou.

Sylvio Pedroza, por sua vez, era o subchefe da Casa Civil do Presidente Juscelino Kubitscheck e tinha ótima experiência como gestor, com passagens pela Prefeitura de Natal e governo do estado do Rio Grande do Norte.

A execução

Alcides Frias tinha uma olaria e uma fábrica de cal e cimento na cidade de Nerópolis, em Goiás, e, depois, em Goiânia, que ajudavam a abastecer as construtoras de Brasília.

Já os tijolos e pedaços de telhas que ele trazia de lá eram triturados numa máquina até virar pó, para cobrir a quadra de tênis, no estilo saibro.

“Depois da quadra coberta com aquele pó era preciso compactar o piso muito bem. E o rolo compressor para essa etapa também foi criado pelo meu marido”, conta Nirvana

Trabalhando em ritmo acelerado, tudo era feito com muito empenho, pois eles sabiam que estavam construindo não só uma nova cidade, mas a Capital da República.

Em quadra, Nirvana ganhou o primeiro torneio feminino do Iate Clube. E jogou em duplas mista, com o marido, ganhando, inclusive, uma competição que disputaram em Goiânia. Alcides, que foi o primeiro Diretor de Tênis do Iate Clube de Brasília, morreu em 2003, aos 86 anos.

Nirvana e Alcides, pioneiros na construção de quadras de tênis em Brasília

Simpatia

Esportes a parte, Nirvana guarda boas lembranças das visitas do presidente Juscelino Kubitscheck a Brasília na fase de construção, quando fiscalizava as obras e se hospedava no Catetinho, projeto de Oscar Niemeyer em área próxima à cidade do Gama.

Nessas visitas, Juscelino descia do avião e ia para a Avenida Central (no Núcleo Bandeirantes), centro nervoso dos candangos que ajudavam a construir a cidade.

“O povo esperava Juscelino com ansiedade. O povo eram os trabalhadores, os candangos, a maioria do Norte e do Nordeste. Juscelino era simpático, alegre, cumprimentava a todos, segurava crianças no colo. Todos queriam abraçá-lo. Era tudo muito emocionante e a simpatia dele ninguém pode negar”, recorda Nirvana.

 Almoço presidencial

Dessas lembranças ela destaca uma passagem que ficou marcada.

Naquela época, ela e o marido tinham, também, uma churrascaria (Churrascaria Camponesa) que foi contratada para um almoço no local onde estava sendo erguido o Iate Clube, com a presença de Juscelino.

Em determinado momento, o Presidente saiu a caminhar pela área do clube e encontrou uma menininha correndo por lá. E a convidou para almoçar com ele, levando-a à mesa onde seria servido o churrasco.

“Lembro que ele até fez um pratinho para ela, colocou a carne e no mesmo prato a sobremesa”, conta Nirvana.

O que Juscelino não sabia é que aquela garotinha, Maria Elizabeth, que ganhara a simpatia presidencial, era filha de Alcides, o churrasqueiro, e Nirvana. O casal teve outros dois filhos, Elza e Antônio.

Nirvana guarda esse episódio com carinho especial, pois faz parte do tempo em que ela e o marido viam a cidade sair do chão e, também, participavam dessa monumental obra.

Agradecimento

Essa narrativa concedida pela Senhora Nirvana é de uma preciosidade para a história do esporte da ainda jovem Brasília, de “apenas” 64 anos.

Há registros sobre as obras nas origens da cidade e muitos depoimentos que remetem à iniciação do futebol por aqui. Da mesma forma, este site tem realizado entrevistas que ajudam a recuperar sobre as artes em geral e a música, em especial, nos primeiros tempos do Planalto Central.

Assim, fica o nosso melhor agradecimento à Senhora Nirvana, à sua filha Elza e seu marido Luiz Carlos Garcia Coelho, que possibilitaram esse encontro, acolheram a reportagem e contribuíram significativamente na conversa com essa Mulher pioneira, Senhora Nirvana.

Com o seu depoimento, que agora publicamos, fica, também, a mossa homenagem a todos os que se envolveram na ousada iniciativa de construir um clube, o primeiro da nova Capital e, nele, incentivaram o desenvolvimento do esporte, em geral, e do tênis, em particular.