2 de dezembro de 2024

UMA FIEL PAIXÃO PELO VÔLEI

Por Hélio Tremendani e José Cruz

“O vôlei me ensinou muito sobre mim mesma. 

Durante toda a minha carreira houve muitas

lições mentais e físicas que aprendi dentro e fora

da quadra. Aprendi a trabalhar duro e a levantar

toda vez que caía. Ensinou-me a lidar com

o fracasso, a criticar e a duvidar de mim mesma”…

Claudete Caetano Mota

Foto: José Cruz

Nos anos 1990, um empresário de Brasília, Pedro Ivan, criou um time de vôlei feminino que movimentou a rotina esportiva da cidade.

Os objetivos do empreendimento eram ter um time na Superliga, identificar talentos e formar atletas de alto rendimento na modalidade.

O atrativo maior foi o time principal, que chegou a ter atletas medalhistas olímpicas, como a ponteira Leila, hoje senadora, e a líbero Ricarda, ambas com conquistas de bronze nos Jogos de Sidney 2000.

O sonho de Claudete

Foi nesse ambiente da Força Olímpica que em 1993 ingressou Claudete Caetano Mota, uma brasiliense que já praticava os principais fundamentos do vôlei, tinha disposição para se tornar atleta e sonhava com a oportunidade num grande time.

Hoje, perto de completar 43 anos, em 30 de maio, formada em Administração e em Marketing, na qual tem pós-graduação, ela continua em atividade nas quadras. Não com o tempo integral de antes, mas o suficiente para ensinar as novas gerações, entre elas sua filha, Anna Clara, de 14 anos, que também sonha crescer na modalidade, quem sabe até jogando no exterior. Claudete tem outro filho, Miguel, de 5 anos.

Claudete: “Toda a minha trajetória profissional eu fiz na Força Olímpica”

O início

Claudete chegou à Força Olímpica com o apoio do irmão, Clodoaldo Caetano, que jogava futebol na ARUC. Ao saber que haveria uma seleção para jovens atletas de vôlei, ele inscreveu a irmã e ficou na torcida por sua seleção, que saiu, apesar de uma pequena deficiência nos braços, que não esticavam completamente. “Meus braços não tinham extensão total, quase fui cortada”, recorda.

Porém, por interesse do técnico Osman Nunes de Araújo, que viu potencial na garota, pediu um tempo para realizar exercícios específicos e tentar fazer a correção indispensável. Não demorou para ter sucesso no tratamento e transformá-la numa eficiente jogadora de meio-de-rede.

O piauiense Osman, hoje dirigindo uma escolinha de vôlei, ainda em Brasília, participou na formação de vários atletas da Superliga, sendo que duas chegaram à Seleção Brasileira, Paula Pequeno e Fabíola.

Força Olímpica

Claudete cresceu dentro do que propunha o projeto da Força Olímpica. Nesse time, ela conquistou três tricampeonatos brasilienses, nas categorias infantil, infanto-juvenil e juvenil e um tetracampeonato, adulto, quando a equipe era dirigida pelo técnico Ivan Rogedo. Formado em Administração e Direito, Ivan é hoje um conceituado auditor concursado do Tribunal de Contas da União (TCU).

“Jogando nas categorias de base, eu estava no time da Força Olímpica quando fui convocada para integrar a Seleção do Distrito Federal que disputaria o Campeonato Brasileiro Juvenil, Divisão Especial, em Florianópolis.”, conta a entrevistada.  Claudete ainda jogou as temporadas de 1998 e 1999 pela Força Olímpica, mesclando suas atuações em equipes e competições universitárias.

   

Claudete (3) em plena impulsão para concluir um ataque (Foto: Diego Batista)

Na UPIS

Em 2001, Claudete ingressou na UPIS, equipe que se sagrou octacampeã (2001 a 2008) dos Jogos Universitários de Brasília. Paralelamente, a UPIS conquistou o pentacampeonato dos Jogos Universitários Brasileiros. Entre 2001 e 2006, só não levantou o título em 2004, quando ficou em terceiro lugar.

“A UPIS era um time profissional, que também oferecia bolsa de estudos para as suas atletas”

 Nessa fase, o grande resultado de Claudete veio na China, em 2001, quando a Seleção Brasileira Universitária terminou a competição universal em quarto lugar. No ano seguinte, sagrou-se campeã no Sul-Americano, sob a orientação do técnico André. Já na Turquia, em 2005, a UPIS ficou na oitava posição.

No tempo em que jogou na UPIS, Claudete foi treinada por Joaquim Rolando Menendes e com preparação física do cubano Ernesto Luís Hernandez Jova, que faleceu recentemente, vítima da Covid.

“Ernesto foi um pai para mim. Foi ele quem fez a minha recuperação e preparação para voltar a jogar depois da gravidez. Mas era um preparador físico muito exigente nas cobranças dentro e fora da quadra”

 “Num certo treino em que não me saí bem, ele falou que se eu não quisesse jogar que fosse embora, pois da forma como eu estava atacando não iria a lugar algum. Fiquei magoada com as palavras dele e chorei muito”, conta Claudete, emocionada.

A partir de então ela mudou o comportamento: fez um tratamento para o ombro, que estava precisando, passou a treinar intensamente, defendendo, atacando, bloqueando e sacando. No último jogo de uma competição nacional, contra o Paraná, ela fechou o placar no tiebreak.

“Fui para um canto e chorei muito. Ernesto foi lá me cumprimentar e dizer que sempre soube do que eu era capaz. Disse que eu não precisava provar nada, só precisava mostrar o meu jogo, por isso me provocou para que eu reagisse”.

Em seguida veio a convocação para a Seleção Brasileira Universitária que iria aos Jogos da China, sob a orientação do técnico André, do Paraná. Ela não acreditava na convocação. Por isso, vibrou muito quando ouviu o seu nome, o quarto a ser divulgado. E foi na UPIS, que ela encerrou a sua carreira como profissional, em 2008.

Gravidez

Em 2010, Claudete jogava em Maringá, no Paraná, quando recebeu uma proposta para atuar por um time da Alemanha, Portugal ou Espanha. Optou pela Alemanha, onde tinha amigas jogando, o que tornaria a sua adaptação mais fácil. Assinou a documentação de transferência, tudo certo. E veio a Brasília para rever a família, fazer exames médicos e retornou ao Paraná.

Ao final das competições que disputava, surpresa! “Eu soube que estava grávida e aí dei prioridade à gestação. Cancelei o contrato com o time alemão e fiquei em Brasília, onde nasceu Anna Clara, que se tornou a minha maior incentivadora no esporte”, diz a mamãe, orgulhosa.

Com o tempo, Claudete disputou várias competições universitárias, quando se sagrou vice-campeã pela Faculdade Alvorada, em 2013, em Brasília, campeã regional do Goiás em 2013, jogando pelo Rio Verde, clube que também conquistou o terceiro lugar nos Jogos Abertos de Goiás.

A partir de então, ela se dedicou às competições das categorias Adulto e Master pela equipe Prevermed, onde os pódios continuaram na sua carreira. Foi campeã da Superliga C em 2023, e vice-campeã do Aberto da Federação de Voleibol do Distrito Federal, este ano.

 Seguidores

Fora das quadras, boa parte da rotina profissional de Claudete foi dedicada à carreira de modelo.

Claudete em sua fase de modelo  (Foto: Matheus de Paula)

Quando saiu do time da Força Olímpica, em 2000, por exemplo, ela “modelou” para um grupo de São Paulo. Para isso, soube explorar a altura (1,83m), a simpatia e a elegância. Essas qualidades e o profissionalismo com que desempenha o seu trabalho ajudaram Claudete a conquistar um grande público de admiradores. Além disso, conhecida pelos longos anos jogando em quadra, hoje ela tem mais de 13 mil seguidores no Instagram.

Em outro campo de atuação, ela aplicou os seus conhecimentos profissionais em empresas de Brasília, como o Grupo Comunidade de Comunicação. “Tudo o que aprendi no vôlei – defesa, ataque, liderança – levei para a minha atividade de Analista de Comunicação e Gerente Comercial”, revela. Atualmente, ela é Analista de Relacionamento em um colégio da rede privada de Sobradinho.

Casada

Miguel, com o papai William, Claudete e Anna Clara  (Arquivo pessoal)

Claudete é casada com o brasiliense William de Melo Mota, formado em Educação Física e técnico de judô num educandário particular de Sobradinho. Entre os seus alunos da novíssima geração, está Miguel, filho do casal, de 5 anos. Segundo William, esse não trocará de modalidade. “Será mesmo um judoca, pois já gosta do que pratica”, diz William.

A irmã de Miguel, Anna Clara, chegou a lutar no tatame, logo que iniciou no esporte, ainda criança. Mas era vista com mais frequência na arquibancada, acompanhando os treinos e jogos da mamãe. Acabou optando pela quadra, onde se revela uma ótima atleta.

Preconceito

Com 1,83m, bonita e elegante, Claudete afirma que não chegou a enfrentar o preconceito de cor por parte de torcedores, lamentavelmente prática que se espalha pelo mundo, não só no futebol.

Porém, ela tem mágoa de colegas, jogadoras adversárias, que se surpreendem em ver times de atletas Masters ainda jogando e vencendo.

“Jogando contra um time de meninas, bem mais novas, das quais ganhamos, ouvimos quando elas falaram de forma grosseira, tipo ´essas velhas não vão parar de jogar´? Ou ´Como elas ainda estão em quadra´?”

Essas manifestações doeram em Claudete. Muito sentida ela recebeu o apoio de seus familiares, amigos, colegas de time, e, inclusive, de atletas de renome que se solidarizaram à sua tristeza.

 Desabafo

“Hoje, nosso time é formado por ex-atletas profissionais! Temos resultados, temos história, mas, lamentavelmente, parte da nova geração não valoriza isso. Ao contrário, tenta nos desmoralizar”

Claudete observou que as jovens atletas entram em quadra “com ar de superioridade, embora ali estejam meninas que nunca saíram de Brasília.

“Mas, parece que fazem questão de nos chamar de “velha” porque ainda estamos jogando”, diz ela, reforçando a mágoa por essas grosseiras reações.

“O meu maior medo é quando lembro o dia que não poderei mais jogar. Por isso essas manifestações doeram mais. Será que já não represento mais nada? Será que a minha história acabou?

O desabafo de Claudete tem outro argumento que é elementar para o atleta de qualquer modalidade:

“No esporte se aprende a respeitar o adversário, a religião e as opções de cada um. Por isso, ouvir manifestações dessas foi, sem dúvida, uma das maior facadas que levei na minha vida, pois veio de meninas de 19, 20 anos, ainda iniciando no esporte”.