12 de setembro de 2024

PROFESSOR MINGO: Paixão pelo atletismo

Por José Cruz

Domingos Antônio Camargo Guimarães é o nome de batismo, mas podem chamá-lo de “Mingo”. Ele é reconhecido a distância por uma longa barba branca.

“Há 60 anos não corto a barba. Só aparo”, garante. Deu nisso, virou marca registrada.  

Mingo é um daqueles que honram a profissão; é vitorioso no atletismo e merece, com louvor, o título de “Professor”. No ensino, destacou-se na Faculdade Dom Bosco, em Brasília, formadora de uma geração de pensadores que discutia com boa argumentação sobre a Educação Física no Brasil.

Professor Mingo revisitando a pista do CIEF: paixão pelo atletismo (Foto: José Cruz)

As origens

O Professor Mingo é de Araguari, mas, se formou em Educação Física na PUC de Campinas, São Paulo, em 1973. Depois, veio para Brasília, já vinculado à educação do Governo do Distrito Federal. E, aqui, manteve o seu estilo, isto é, tipo mineiro que trabalha em silêncio.

Trabalhador

Certa vez, nos anos 1980, Mingo foi visto no CIEF – Centro Integrado de Educação Física –, em Brasília, ajudando a assentar as placas, na reforma da pista de 400 metros de atletismo, que ali estavam sendo coladas, mas precisando de pressão para melhor aderência à base.

Sem alarde e enfrentando tarde de sol forte e impiedosa seca do Planalto Central, ele foi marretando placa por placa, como manda o figurino. Tudo com muito amor, dedicação plena, pois foi assim que ele se entregou ao atletismo ao longo do magistério.

Hoje, aos 77 anos, Mingo lembra “daqueles tempos” e não esconde o orgulho da carreira que ainda cumpre como técnico. Vamos lá.

Do campo para a pista

Ainda jovem, Mingo quase foi profissional do futebol. Chegou a fazer teste na lateral direita no Bragantino de Uberlândia. Apesar do sucesso, enfrentou a resistência de sua mãe, Benedicta. “Ela queria que eu estudasse” … recorda ele. E foi o que fez. Largou o futebol e se bandeou para a carreira universitária.

Na faculdade de Educação Física teve ótimos professores, entre eles, Nelson Barros, de Atletismo, que estudou na Alemanha, de onde trouxe ensinamentos valiosos, principalmente no salto com vara.

Foi o Professor Nelson quem trouxe, também a vara em fibra de vidro, uma novidade entre os brasileiros que, à época, usavam as de bambu ou as de madeira.

Campeã paralímpica

Os ensinamentos do professor Nelson de Barros foram valiosos. Ao longo do curso, Mingo se especializou no dardo e, hoje, se orgulha de ter transformado a goiana Shirlene Coelho, que tem paralisia cerebral, numa campeã e recordista paralímpica.

 

Shirlene paratleta formada pelo Professor Mingo

Em três edições dos Jogos que disputou – Pequim, em 2008, Londres, 2012, e Rio de Janeiro, 2016 – ela conquistou quatro medalhas, sendo duas de ouro e duas de prata.

Shirlene será motivo de reportagem especial do Memória da Cultura e do Esporte em Brasília

 Seguem os estudos

Nas aulas práticas dos 400m com barreiras, na faculdade de Campinas, Mingo tinha a companhia de Sandra, sua colega de aula. Os dois se destacavam na prova e, fora dela, criou-se uma relação afetiva que os levou ao casamento. Bem assim, da pista para o altar.

O Professor Nelson de Barros, por sua vez, aproveitou o aluno talentoso e o transformou em seu auxiliar.

“Aprendi tudo com ele. Comecei como assistente e até o ajudava nas aulas”, relembra. Os alunos que tinham esse desempenho eram contemplados com uma bolsa, pela Prefeitura de Campinas, correspondente à metade de uma mensalidade.

“Participávamos desse intercâmbio e da equipe de arbitragem, a primeira do Brasil dentro de uma faculdade de Educação Física”

 Mingo fez os três anos de faculdade, quando aprendeu toda a teoria e muta prática sobre o atletismo. Depois, um ano de curso técnico e veio a formatura, em 1974.

Até então, Mingo dividia os estudos com o trabalho, no Banco Comercial do Estado de São Paulo.

Em Brasília

Em 1976 Mingo estava nos JEBs, em Porto Alegre, quando o seu amigo, Professor Vanilton Senatori o incentivou vir para Brasília. Assim, aprovado em concurso, aqui chegou em 1977, contratado pelo Departamento de Educação Física do Distrito Federal.

“Fui trabalhar em Brazlândia, no lugar do Vanilton, que passou a ser o diretor de Educação Física da Fundação Educacional”

Em 1978, Mingo foi convidado pelo professor Mileno Antônio Tonissi para lecionar na Faculdade Dom Bosco de Educação Física. E ali ficou até 1998.

Naquele reduto de intelectuais e estudiosos já estavam algumas referências nacionais do setor, como Mário Cantarino, João de Oliveira, Ary Façanha de Sá e Maria Teresinha Toffoli, a Professora Teia.

“De fato, os alunos da Bom Bosco eram muito bem-preparados. Eles aproveitavam os conhecimentos das maiorias dos professores que trabalhavam na Secretaria de Educação Física e Desporto do MEC, órgão de comando da educação física e do esporte no Brasil”, explicou Mingo.

No CIEF

No mesmo ano (1978), Mingo assumiu a direção técnica do CIEF para a recuperação da pista de atletismo, onde já estavam os seus colegas de faculdade, Teia e Antônio Carlos Feijão.

“O CIEF foi o grande centro formador de atletas. Tinha mais de 150 moleques do atletismo treinando aqui. Havia muita gente pra se fazer uma boa seleção”

Na prática, os alunos que iam para o CIEF eram os que se destacavam nos Centros de Iniciação Desportiva (CIDs), que se localizavam nas escolas das cidades satélites.

“Eram 16 CIDs em todo o Distrito Federal e os melhores do basquete, do vôlei, da ginástica, da natação do handebol, do atletismo eram encaminhados ao CIEF, onde havia professores especializados em cada modalidade”, conta Mingo.

Mingo visitando a pista do CIEF, outrora um centro revelador de talentos

 E as faculdades?

Sobre o ensino de Educação Física de ontem comparado com o de hoje Mingo entende que as faculdades, agora, não formam como deveriam. Nem “personal”.

“Como se pode entender uma faculdade que não ensina a prática do atletismo, que o princípio de todas as demais modalidades do esporte”? – indaga o Professor.

Depoimento

“É muito triste olhar pra trás. Isso aqui foi maravilhoso. É muita saudade daqueles tempos. Na Faculdade Dom Bosco, o padre Gervásio, diretor, era uma cabeça maravilhosa. Comprou até filmadora pra se filmar aulas práticas e mostrar aos atletas, para que se fizesse as correções nos seus exercícios”.

Estrutura

“Foi tudo muito bom. Fizemos a nossa parte. A gente deixou uma estrutura. Ninguém fez nada sozinho. Era trabalho de equipe mesmo. A gente tinha liberdade total para trabalhar, no CIEF e na Dom Bosco.

“E ainda contávamos com a pista de atletismo externa do Defer e tinha a Faculdade de Educação Física da UnB pra movimentar. Foi uma época muito boa, um tempo áureo na UnB para movimentar o CO (Centro Olímpico).

“O Brasil inteiro conhece esta praça do CIEF. Mas, hoje, ela está abandonada para os objetivos que foi construída. Quadras abandonadas, pista sem conservação, piscina vazia…”