21 de novembro de 2024

FITINHA: Um gigante pioneiro no DF que se mantém na ativa

Por Hélio Tremendani e José Cruz

 

Lembram da fama do jogador Neymar, quando ele caía muito, ao menor toque de um adversário?

Fitinha ri desse período porque lembra que os seus primeiros anos de futebol ou de futebol de salão também foram assim como o craque brasileiro.

Caía tanto que até os amigos e colegas de time diziam que não era real, que estava “fazendo fita”. Como era um garoto baixinho, não era fita, era “Fitinha”, assim mesmo, com letra maiúscula, porque a brincadeira virou apelido oficial, até hoje, aos 64 anos.

Pioneiro

  Roberto Goulart Barbosa, nome de registro de Fitinha, é só alegria ao lembrar dos primeiros anos em Brasília, quando aqui chegou com a família, em 1961. Ele tinha 5 anos de idade. Vieram porque o pai dele, Geraldo, fora contratado para trabalhar no Senado Federal.

Fitinha é outro legítimo pioneiro que entra para a galeria da Memória da Cultura e do Esporte em Brasília. Mas, tanto tempo depois, ele também se emociona visivelmente quando lembra daqueles bons tempos em que, ainda moleque, jogava nos campos de peladas de Brasília, uma cidade recentemente inaugurada e, por isso, ainda deserta em suas regiões habitacionais.

Atualmente, na vice-presidência da APCEF – Associação do Pessoal da Caixa Econômica Federal –, um dos aprazíveis clubes sociais à beira do Lago Paranoá, em Brasília, Fitinha diz que tem histórias “para muitas conversas”, como essa do apelido, do tempo das peladas num espaço da 409 Sul, todos os dias à tarde.

Foi assim, nesse tom alegre, que ele recebeu a reportagem do Memória da Cultura e do Esporte em Brasília. Confira.

Bola, desde sempre

Mas, afinal, quando Fitinha descobriu que era talentoso para o jogo de bola? Ele é sincero e conta dando risadas:

“Não descobri. Inventavam que eu jogava”, diz o personagem, rindo muito. E continua: “Nas peladas da quadra, sempre davam um jeito de me colocar no gol, porque eu era muito ruim na linha Eu estava ali quebrando o galho”, recorda. Porém, no gol ele se destacava, porque gostava mesmo do futebol.

“Nunca soltei pipa, nunca rodei pião, só queria jogar bola”.

Quando eu estava começando a andar, a minha mãe, Yara, me deu uma bola para brincar e nunca mais parei. Já garoto, vivia na rua com os amigos, sempre jogando peladas”

Fitinha jogava na rua, depois no Colégio Setor Leste, onde estudou, quando criaram um time infanto-juvenil e onde teve o seu primeiro contato com o futebol de salão, hoje futsal.

“Em 1968, por aí, o Velho Abreu, que era treinador e árbitro, criou um time dente de leite na Ascade – Associação dos Servidores da Câmara dos Deputados –, mas era para jogar futebol de campo”, relembra. E foi então que começaram as suas andanças por outros clubes. Na foto, Fitinha é o segundo jogador da esquerda para a direita. “Em 1972, quando eu estava com 16 anos, eu jogava no Setor Leste e perdemos um campeonato de futebol de campo para a Novacap”

Gol e altura

Fitinha se adaptou no gol por dois motivos: a altura da trave (2,44 metros) era proporcional ao seu tamanho, 1,70m. Ele estava em crescimento e tudo indicava que ali seria o seu lugar; e porque a imprensa dava boa cobertura, principalmente através do repórter Nilson Nelson, do Jornal de Brasília, à época o principal jornal da cidade. Com o tempo, o Correio Braziliense tomou esse lugar.

Porém, quando parou de crescer, observou que o gol no futebol de campo ficou grande para a sua baixa estatura e foi aí que ele se decidiu pelo futebol de salão, com trave menor, 2 metros de altura, mais adequada à sua estatura.

“Com 1,70 metro de altura fiquei pequeno para o tamanho do gol do futebol de campo e aí fui para o futsal”, conforta-se, sem lamentos.

Surpresa

Em 1972, quando estava com 16 anos, Fitinha jogava na Ascade. É dele a seguinte e surpreendente lembrança:

“Num dos jogos que fizemos, o Hélio (Tremendani) me viu no aquecimento e se assustou. Eu era baixinho, franzino. Era o primeiro jogo do Campeonato Brasiliense. Assustado, Hélio foi conversar com Seu Camerino, que era diretor da Ascade.

– O Senhor tá doido colocar aquele garoto no gol num jogo contra adultos? Isso não vai dar certo – alertou.

Camerino, que já me conhecia bem, sugeriu:

– Meu filho, você vai ver nesta noite o futuro maior goleiro do Distrito Federal. Vamos falar sobre isso depois do jogo?

Hélio concordou, mas ficou apreensivo.

Ao final do jogo, a Ascade derrotou a Aruc por 4×0. Fitinha fechou o gol. Humildemente, Hélio atravessou a quadra e se dirigiu ao Senhor Camerino:

– Desculpe, desculpe, o Senhor estava certo!

Dança dos clubes

Fitinha fala sobre os clubes que atuou:

“Joguei futsal pela Ascade, onde me tornei campeão invicto de Brasília. Depois fui para o Iate Clube, atuando um ano com Axel e Guairacá, dois grandes craques que tivemos. Nessas quadras conheci o Hélio – presente nesta entrevista – e ficamos amigos, até hoje”.

Depois da Ascade, Fitinha foi para o Unidade Vizinhança,quando ele já estava com 19 anos. Em 1978, já com 21 anos, foi para a ARUC.

“O falecido Heitor reuniu a galera que tinha jogado na Ascade e negociou com o Hélio Tremendani e o Paulinho Gordo para montar um time que era a base da Ascade de 1975 e que tinha sido campeão invicto”, recorda.

Esse time tinha o Toinha, Hugo, Lourinho, Pantera e o Massaroto, que também era goleiro. Esse time foi campeão da cidade em 1981. No ano seguinte, no Campeonato Brasileiro, em Fortaleza, o time ficou em quinto lugar. Nessa competição, a ARUC perdeu para a Sumov (Superintendência de Viação e Obras), que era a base da Seleção Brasileira, tendo César Vieira como treinador.

Brasileiro

Fitinha e Hélio conversam sobre o Campeonato Brasileiro de 1975, em Sete Lagoas (MG).

“A seleção de Brasília tinha pontuação para jogar a final, contra o vencedor das equipes de Minas Gerais x Rio de Janeiro. Porém, num jogo de compadres, o jogo acabou empatado e nós terminamos a competição em quinto lugar”, lembra Hélio Tremendani. “Mas em 1971, fizemos ótima campanha no Brasileiro mas perdemos para a Seleção do Ceará. Para mim, foi a melhor fase do futebol de salão em Brasília. Quando jogávamos o ginásio da Aruc ficava sempre lotado”, diz Fitinha.

Convocação

“Fui convocado para todas as Seleções de Brasília até 1987. Nos campeonatos brasileiros, jogávamos contra equipes profissionais, mas nós éramos amadores, todos tinham o seu emprego e muitos  estudavam à noite… Às vezes, treinávamos depois das aulas, às 11 da noite… Nos jogos, íamos até um ponto, mas a certa altura do jogo nos faltava condicionamento físico, que os outros tinham de sobra. Eu estudava Administração de Empresas. Levei 15 anos pra me formar por causa do futebol”

Fitinha, recuperando uma lembrança de 22 anos como jogador de futebol de salão, na quadra do ginásio que ajudou a construir.

 Gestor

Fitinha levou para a gestão do esporte social da APCEF o que aprendeu ao longo de sua carreira de atleta, além do curso de Administração de Empresas, que concluiu.

Aposentado da Caixa Econômica Federal, ele atuou por 12 anos como diretor de esportes da APCEF. E se orgulha da gestão que participou que construiu um belo ginásio (na foto). Atualmente, ele é o vice-presidente do Clube. Além disso, também já desempenhou as funções de vice-presidente na Federação de Futebol de Salão do Distrito Federal.

Ontem e hoje

“Hoje, futsal é outro esporte, não é o mesmo futebol de salão que eu joguei. A regra, a bola, as quadras são diferentes. Acompanho pouco a modalidade hoje em dia. Aqui no Clube temos uma equipe feminina que disputa a Liga e competições nacionais, em parceria com a Associação de Desportiva de Futsal”, explica Fitinha.

REFERÊNCIA

“Tivemos um grande líder no esporte, Heitor Gomes, que foi jogador e trinador, jogador, um cara que era a nossa referência, O Heitor fora da quadra manjava de tudo. Ele jogou no Imperial Esporte Clube, do Rio de Janeiro, uma das grandes equipes do país, na época. Foi um dos primeiros do futsal do Brasil, começou no Vila Isabel, campeonato forte”

Fitinha pausa na conversa e faz uma revelação:

“Foi Heitor que me formou. Ele foi o meu formador, me ensinou muito. Foi a minha referência, ficou para sempre”.

A defesa e a vingança

O que é ser goleiro?

Na verdade, só quem foi ou quem é goleiro é que sabe, a posição é um negócio fascinante. Nada melhor quando um goleiro cala um ginásio. Lembro de um jogo da Seleção de Brasília contra a Seleção de São Paulo, que chegou ao final em 0x0. Faltavam cinco segundos para o juiz finalizar a partida quando foi marcada falta para eles, na entrada da área. Douglas era um atacante, deles, que chutava pra cacete. Quem sabe, foi o melhor jogador paulista de futebol de salão. A barreira foi formada e veio a cobrança, com a bola em direção a Douglas, em jogada ensaiada… Ele pegou de cheio, veio aquela cacetada. E eu consegui segurar a bola firme. Quando levantei a cabeça, vi Douglas desabafando na minha direção: “Filho da **** … Consegui ouvir porque calei o ginásio…”

Tempos depois, Douglas se vingou de Fitinha. Num jogo em Brasília, ele marcou quatro gols na vitória de 5×0 da Seleção Brasileira contra um combinado local.

Julgamento

“Certa vez, enfrentei um julgamento e o Heitor, advogado do Iate Clube me defendeu. Ele era ótimo. Eu havia desacatado o bandeirinha no jogo anterior e a pena seria pegar seis meses de suspensão. Eu não poderia jogar a Taça do Brasil. Mas o Heitor era fera, mesmo! Ele usou um argumento tão bem colocado que não peguei punição alguma. E ainda conseguiu punir o bandeirinha. Foi um alívio, pois o meu time ia disputar a Taça Brasil em janeiro. Eu vivia em julgamento…”

O bicho pegava

“Teve um jogo do Minas x Ascade, lá por 1974, 75, não tenho certeza. Tinha muita mulher assistindo, e saiu uma briga daquelas entre os torcedores, até uma guerra de latinhas de cerveja. O Minas, até então, era o ex-time da Faunb, tinha Axel, Aracá, Arnaldo, só fera. Hoje, todos somos muito amigos. Nos encontramos e rimos muito daqueles tempos. O bicho pegava mesmo, mas era tudo resolvido dentro da quadra”.

O melhor

O melhor jogador da história do futebol de salão de Brasília?

Pra mim continua sendo o Axel. Ele era completo.

Logo no início de carreira, quando eu comecei no futebol de salão, eu tremia mais que vara verde. E lembrava que há algum tempo atrás eu pagava ingresso pra ver aqueles caras que estavam em quadra jogar. Agora, eu estava ali, ao lado deles, uns como companheiros de clube, outros como adversários. Naquele jogo, eu jogava contra Axel e Guaracá, excelentes. Mas ganhamos por 2×1. Axel foi o mais completo que vi jogar. As tinha o Maurinho, o Zequinha, Dirceu, Gilsão, Átila, Edinho, Rochinha… Nossa! Tivemos jogadores muito bons, alguns que até foram jogar na Espanha. Mas o Axel era fora de série”.

GOLEIROS

Hélio Tremendani quis saber de Fitinha quais foram os melhores goleiros de futebol de salão que ele viu jogar.

“Tinha muito goleiro bom. O Lula, do Minas Tênis, o Luiz Henrique, do Iate, Zé Filho, da Apcef, Washington, do time do Sobradinho. Depois apareceu o Tarje o Maçaroto e o Alfredo, outro excelente goleiro. Lembro do Waltinho, que se revezava com Lula”.

Despedida

Mas, afinal, o que ficou na boa lembrança daqueles tempos do futebol de salão, na ainda jovem Brasília?

Fitinha se emociona. Baixa a cabeça, fica alguns segundos em silêncio e se manifesta:

“O que ficou? Foram muitos amigos… e muita saudade, com certeza. Sobre isso é difícil falar, eu me emociono” …