21 de novembro de 2024

Ritmo musical histórico enriquece a arte e a cultura de Brasília

Por Hélio Tremendani e José Cruz

 Neste 24 de Maio comemora-se o Dia Nacional do Cigano. E, com esta reportagem, o site da Memória da Cultura e do Esporte presta homenagem em reconhecimento à contribuição dessa etnia na formação da identidade cultural brasileira.

 “Capital do Rock”, Brasília também concentra e curte todos os estilos da variada música brasileira, como o choro, o samba, o forró, a música sertaneja etc…

Isso ocorre devido à diversidade cultural da população que aqui chegou de todos os recantos do país, desde a fundação da Capital, em 1960. É algo tipo “há público para todos os ritmos”

 Porém, um ritmo “estrangeiro” em especial também integra esse contexto. E com a preferência das mulheres, devido à alegria das canções que embalam os coloridos movimentos da dança cigana.

Historicamente, as músicas e as danças ciganas e a do ventre nos remetem a uma população nômade e de tradições milenares, onde se alicerça a bonita trajetória dessa arte que ganhou o mundo adaptando-se às canções de cada país onde se instala.

Mestras no assunto

Quem fala com entusiasmo sobre essas práticas são as brasiliense Teresa Cristina Nuñes de Sá Moreira e a goiana Sônia Baiocchi. Estudiosas desse tema, elas comandam as escolas “Deusas da Lua, Danças Ciganas e Areté Danças Brasileiras”, atraindo cada vez mais adeptas, as mulheres, sobretudo.

Sônia e Teresa Cristina, incentivadores das danças cigana e do ventre em Brasília

 Misticismo

“Brasília é uma cidade mística e isso atrai muitos alunos, pois a música cigana também envolve espiritualidade”, diz Teresa.

“Temos alunas que vêm para a nossa escola motivadas pelas batidas da umbanda ou do candomblé, pois as danças desses dois ritos também têm a ver com as origens da arte cigana”, explica.

Os ciganos se diferem em origens e costumes. No geral, porém, é um povo alegre que divulga as suas tradições e ritos, a dança, por exemplo.

O início

Filha de índio Inca peruano, Júlio Cézar Nuñes, Teresa Cristina herdou do pai, que esculpia peças em pedra quartzo, o gosto pela arte. Já a mãe, Teresinha de Sá Moreira, era uma baiana que chegou a ter vínculos com a etnia cigana, e despertaria nela o interesse por essa milenar cultura.

Em 2001, quando tinha 35 anos e três filhos – Verônica, Eduardo e Flávia –, Teresa foi atraída pelo anúncio de uma faixa, na entrada de Sobradinho (DF), que indicava um curso de dança do ventre.

“O chamamento tinha tudo a ver comigo, pois é uma dança com elementos místicos e exóticos, além da espiritualidade que essa dança sugere. Fui me informar sobre as aulas; gostei, comecei a estudar sobre o tema e estou até hoje nesse movimento, há bom tempo como professora”

Teresa Cristina com Eduardo e Flávia, seus filhos, seguindo os passos da Mamãe na difusão da dança cigana e do samba no Distrito Federal

Nos três primeiros anos, Teresa fez as duas danças – cigana e a do ventre. A dança do ventre a atraiu pela história, sua origem, o tipo de figurinos, o ritmo da música, o exotismo e a sensualidade dos movimentos. “A história do Egito sempre me atraiu e essa dança saiu de lá, se espalhou pelos países árabes e ganhou o mundo”.

A dança do ventre era realizada em homenagem a deusas, durante cultos religiosos. Com movimentos ondulatórios do corpo e batidas no quadril, as mulheres reverenciavam a fertilidade e celebravam a vida.

 “A procura por professores da dança do ventre e da dança cigana é muito grande, mas é difícil encontrá-los. Não é uma dança simples, pois vem de uma cultura milenar riquíssima. Lá no início, eu fiz aulas com a Professora Lucimara Cavalcante, que é de origem cigana” – diz, Teresa.

Opção

Mais tarde, Teresa deu preferência à dança cigana, onde se tornou professora, atuando ainda hoje.

A paixão pela dança cigana cresceu e Teresa e Sônia investiram nesse segmento da cultura, com viagens, inclusive para outros países, onde participam de eventos que promovem festivais de dança cigana, principalmente.

“O exotismo como um todo, a musicalidade, as origens, o misticismo, a religiosidade, enfim, tudo isso que a dança cigana oferece me atrai. Inicialmente, eu viajava nos livros de história, aprendendo sobre o assunto. Depois, comecei a viajar para intercâmbios, na Itália e na Grécia e outros países aqui da América”, diz Teresa.

O grupo Deusas da Lua após uma exibição da dança cigana, em Brasília

Segundo Teresa, a maior parte das mulheres procura praticar a dança para se sentir melhor, mais livre. Ela diz que a dança do ventre passa a ilusão de que essa prática contribui para conquistar alguém. Mas, acaba com a própria mulher se conquistando, pois adquire autoconhecimento, se valoriza, se respeita mais.

“A dança cigana não é erótica, é sensual. Erótica é a dança do ventre”

 Apresentações

Nos países, onde estiveram em 2019, Teresa e Sônia viajaram com um grupo da escola, para apresentações. E revelam que conhecer e dançar no Egito, origem da dança, “ainda é o sonho a ser realizado”.

Porém, há dificuldades de o grupo brasiliense de apresentar na sua totalidade devido aos custos das passagens, hospedagens e alimentações, inclusive da banda. Uma das exigências dos organizadores de festivais é que os grupos se apresentem com as suas respectivas bandas. E, aí, entra outro custo elevado no orçamento, o figurino.

Interesse

A prática em si da dança cigana atrai as mulheres porque lhes permite mostrar os movimentos do corpo que extravasam. Segundo Teresa, é uma maneira de a mulher se expressar sem ser tão julgada. Além disso, a dança é, também, um apoio terapêutico, o que justifica o interesse de psicólogas por essa arte.

“A dança, em geral, e a dança cigana, em especial, é recurso terapêutico, pois funciona como empoderamento da mulher que começa a olhar o mundo de outra forma, com postura diferente. A dança cigana contribui para mudar o comportamento feminino. Eu, particularmente, progredi muito na autoestima, inclusive. Com certeza me tornou mais segura”, conta Teresa.

Um detalhe importante ressaltado por Teresa é que a dança cigana pode ser praticada, também, por crianças e homens. Porém, o estilo não atrai muitos homens, “que são pouco persistentes”.

“Há dificuldade para atrair cavalheiros para a dança, em geral. Mas, se os homens fossem espertos dançariam, pois as mulheres se apaixonam com a apresentação masculina”

Cores fortes nos figurinos e muita alegria são marcas registradas das ciganas em suas apresentações

Dois dos três filhos de Teresa Cristina seguiram os passos musicais da mãe, desde cedo: Verônica entrou na dança quando tinha apenas sete anos de idade e Eduardo com 12 anos. Ambos começaram com a dança folclórica árabe. Verônica, é a Rainha da Bateria da Aruc e já foi motivo de reportagem neste portal.

Dança, teatro e fotografia

Sônia frequentou a mesma escola onde Teresa dava aulas de dança cigana. Foi ali que se tornaram amigas e parceiras da mesma arte

Natural de Goiânia, Sônia Baiocchi, amiga de Teresa Cristina, ingressou no mundo das artes com 15 anos, quando já morava em Brasília. Inicialmente, frequentou o Teatro Galpão, em grupos amadores. Depois, cursou a prestigiada Faculdade Dulcina de Teatro. Paralelamente, tornou-se profissional da fotografia.

Jornalista aposentada da Câmara dos Deputados e mãe de Hugo e de Beatriz Macedo Buchmann, ela intensificou o seu vínculo com as atividades artísticas, a Dança Cigana, entre elas.

“A dança cigana não é única, são várias, pois ela incorpora o ritmo e os costumes do país onde se instala: Romênia, Hungria, Macedônia, Rússia … O Flamenco, na Espanha, por exemplo, é uma ramificação da dança cigana que, por sua vez, é a mistura de muitas culturas

Já a dança do ventre é, para Sônia, “uma forma de encantar o público”. As mais jovens – diz ela – procuram as escolas atraídas pela dança do ventre sem saber que há opção para a dança cigana. “Há muito preconceito sobre essas práticas, no mundo inteiro”, afirma.

Ela lembra que as novelas O Clone e Explode Coração, que em certa época encantaram o país, ajudaram a popularizar a dança do ventre”.

Sônia “parou com a dança do ventre”, o que pratica “eventualmente”. Dedica-se mais à dança cigana, pois há poucas professoras para esse segmento. Atualmente, ela dá aula no Gama para um grupo de mulheres da terceira idade.

 Incentivo

Preparando-se para uma apresentação com o grupo brasiliense no Festival Internacional de Folclore,, em Bochica,  na Colômbia, Sônia, reforça que uma das dificuldades é a falta de apoio para essas viagens. “Uma banda não viaja de graça”, diz ela, como exemplo. E o grupo precisa de música ao vivo.

Outro detalhe é que os organizadores pedem a apresentação de grupo folclórico de Brasília. Mas, a capital brasileira não tem essa representatividade, pois ela acolhe as expressões artísticas-musicais de Norte a Sul, frevo, maracatu, bumba-meu-boi…

“No Brasil, os ciganos dançam muito ao som do forró, da música sertaneja e da nordestina. Tem muito cigano aqui, mas a maioria transita disfarçada, por causa do preconceito. Cigano não é religião, mas etnia”

Segundo Sandra, estudiosa no assunto, o cigano não faz coreografia, dança livremente nas suas apresentações. Já na Rússia, há um teatro cigano que é um sucesso e lá dançam com coreografia. Atriz, ela mergulhou nas danças em 2001, primeiro com a dança do ventre e a partir de 2006 na dança cigana.

História

Na história desse povo, eles saíram da Índia, segundo indica um teste genético publicado na conceituada revista Science. De lá, foram para o Iraque, Turquia, Grécia, Rússia, região da Europa Orienta, Espanha, Portugal e aqui chegaram.

“Brasília, enfim, é uma mistura de todas as raças e origens estaduais, é um caldeirão. E a dança cigana tem tudo a ver com o misticismo do Centro-Oeste”.

Aos poucos, essas mulheres vão difundido a arte da dança e conquistando o público, em geral. “Participamos de uma Feira Nacional aqui em Brasília e foi impressionante o interesse do público pela nossa apresentação. Coisa que não se sente em qualquer lugar. Foi um encantamento”, disse Sônia.

Novos rumos

Por conta da parceria na dança cigana, a dupla se envolveu com outros ritmos, o samba, por exemplo, e daí para novos projetos, como o Carnaval, a “nova paixão”.

Foi quando surgiu a ideia de fundir a dança do ventre com o maracatu e o carimbó, depois com o samba, como ocorreu numa apresentação que fizeram na Grécia, em 2019. No ano seguinte, repetiram o desempenho, dessa vez na Itália.

“Depois que fomos à Itália, decidimos estudar e praticar as várias danças brasileiras para fazer a fusão e levar para apresentações fora do país”, explica Sônia, entusiasmada com o novo desafio.

Sônia e Teresa se preparam para uma apresentação no Festival Internacional de Música, em Bochica, na Colômbia, em junho próximo.

A vez do samba

Nessa proposta, muito contribuiu a presença de Verônica, filha de Teresa, como Rainha da Bateria da Aruc.

“Entramos para aprender, para entender o samba, sentir o ritmo na pele e isso foi nos apaixonando, até que virou amor. Tá caminhando pra casamento”, diz Teresa. Tão apaixonante que elas desfilaram em quatro Escolas, Varjão, Jardim Botânico, Bola Preta e Aruc, no Carnaval de 2024

No primeiro desfile, em 2023, a avaliação foi atrapalhada porque foi um Carnaval fora de época, em julho, feito às pressas e com frio intenso. “Então, não serviu como parâmetro, mas precisávamos entrar, era aquilo ou nada para conhecermos a realidade do desfile. Boa parte da passistas vinham das quadrilhas juninas, ampliando o universo da dança”.

Mundo estranho

Na verdade, a dupla estava entrando num mundo estranho ao que estão habituadas – a dança cigana e a do ventre. Mas foram bem recebidas pelas carnavalescas, em geral e dessa composição de “escolas” quem ganha é a música e a dança, em geral.

O samba é a nossa menina dos olhos, é o carro chefe do Brasil”